Por que o governo não defende Lula? Por Breno Altman
A primeira ofensiva do conservadorismo, depois de 2002, foi durante a crise do chamado “mensalão”, de 2005 em diante. O alvo imediato da coalizão entre a velha mídia e os setores mais reacionários, incluindo parte da base governista, era o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu.
De lambuja, vinha a expectativa de criar as circunstâncias necessárias para o impedimento presidencial ou até sua renúncia.
Não se tratava apenas de golpear a principal liderança orgânica do PT e da esquerda, além de possível sucessor de Lula em 2010. A meta também era quebrar a coluna vertebral da agremiação e desorganizar seu núcleo dirigente.
O presidente Lula e seu partido, no entanto, decidiram evitar o confronto proposto por seus adversários. Dirceu foi decapitado e entregue à própria sorte, ainda que parte importante da militância de esquerda tenha, ao longo do tempo, se mantido solidária.
Imperou a ideia de que o “republicanismo” – parido pelo conceito do Estado como terreno neutro, no qual as instituições não devem ser disputadas a ferro e fogo, ao contrário do que sempre fizeram as classes dominantes – permitiria compensar o sacrifício do principal general petista, além de outros dirigentes históricos, pois neutralizaria o impacto das denúncias entre as camadas médias e amenizaria a voracidade das tropas inimigas.
Mais refinadamente, “republicanismo” expressava a busca por uma zona de intersecção que amenizasse o choque de classes e programas. Intento fracassado: os governos petistas abdicaram, por exemplo, de investigar as privatizações tucanas e deixaram seus oponentes confortáveis, liberados para operar organismos supostamente republicanos e lançar prolongada guerra de desgaste contra a esquerda.
O fato é que, no episódio do “mensalão”, o governo teve sucesso ao avançar na construção de uma política desenvolvimentista para romper o cerco conservador, o prestígio acumulado desde os anos oitenta ainda era muito elevado e Lula foi reeleito presidente da República.
No entanto, como dizia o ex-prefeito de Santos, David Capistrano Filho, nem tudo que dá certo, ou pareça certo, está certo.
O conservadorismo perdeu sucessivas eleições presidenciais, porém se deu conta de algo essencial: o PT tinha plano de governo, mas não era um partido vocacionado a lutar, com todas as suas implicações, pela transferência do poder de Estado às classes sociais das quais nasceu como principal representação.
Lula e seus correligionários não estavam dispostos a correr riscos, provocados principalmente pela situação de minoria da esquerda no parlamento, para reformar o sistema político, democratizar os meios de comunicação, disputar a hegemonia nos aparatos repressivos e judiciais, levar a cabo uma potente batalha político-ideológica contra as oligarquias ou mobilizar o povo como principal fator de governabilidade.
O esgotamento do modelo econômico impulsionado a partir de 2006, depois do afastamento de Antônio Palocci do Ministério da Fazenda, contudo, acabou por criar as condições para nova ofensiva restauradora.
De uma investigação pontual e fortuita sobre o doleiro Alberto Youssef, emergiu a Operação Lava Jato e veio se consolidando o instrumento fundamental para desestabilizar o projeto encarnado pelo petismo.
A partir de fatos concretos indicando corrupção na Petrobras e no sistema de financiamento eleitoral, um festival de ilegalidades e manipulações fez a escalada conservadora subir de patamar, repetindo o contubérnio da AP 470 entre grupos de mídia, setores do Ministério Público, pedaços do poder judiciário e frações da Polícia Federal.
A República de Curitiba, ao mesmo tempo que poupa a oposição de direita nas investigações sobre desvios e doações eleitorais, anima o golpismo contra a presidente Dilma Rousseff, mira o ex-presidente Lula e almeja a própria cassação do PT.
A direita se sente à vontade, porque tem na sua conta que o PT ladra, mas não morde. E que o governo liderado pelos petistas nem sequer ladra.
Até agora não se viu ou ouviu, por exemplo, qualquer gesto público da presidente ou seus ministros contra atropelos e abusos para incriminar, a qualquer custo, o operário cuja popularidade tornou possível a dupla vitória eleitoral da ex-guerrilheira.
As proporções do ataque atual são muito superiores às do “mensalão”, mas o Palácio do Planalto responde com o aprofundamento do “republicanismo” que faz a alegria das forças reacionárias.
Não há embate político a sério, não se pune funcionários do governo que violam estatutos de sua própria corporação, não se enfrenta a mídia, não se fala ao povo sobre o que está em jogo com o cerco ao maior líder histórico da classe trabalhadora.
O que prevalece é a lenga-lenga sobre feitos governistas para garantir autonomia das investigações, como se isso fosse a questão mais relevante em curso.
Marx dizia que a história se repete como farsa. Sorte a dele que não conhecia o país da jaboticaba. Aqui a história pode se repetir como tragédia ao quadrado.
A postura de 2005 custou a cabeça de personagens centrais da geração de resistência à ditadura e da construção do PT.
Sua repetição, nos dias que correm, pode levar de roldão a principal obra política do povo brasileiro desde a derrubada de João Goulart.
Breno Altman é diretor do site Opera Mundi e da revista Samuel
Artigo publicado originalmente em http://www.brasil247.com/pt/blog/brenoaltman/216804/Por-que-o-governo-n%C3%A3o-defende-Lula.htm