Aldeia Nagô
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Qual é a felicidade possível por Leonardo Boff

3 - 4 minutos de leituraModo Leitura

A felicidade é um dos bens mais ansiados pelo ser humano. Mas não pode ser
comprada nem no mercado, nem bolsa, nem nos bancos.


 Apesar disso, ao redor dela
se criou toda uma indústria que vem sob o nome de auto-ajuda. Com cacos de
ciência e de psicologia se procura  oferecer uma fórmula infalível para alcançar
"a vida que você sempre sonhou". Confrontada, entretanto, com o curso
irrefragável das coisas, ela se mostra insustentável e falaciosa.  Curiosamente,
a maioria dos que buscam a felicidade intui que não pode encontra-la na ciência
pura ou nalgum centro tecnológico. Vai  a um pai ou mãe de santo ou a um centro
espírita ou freqüenta um grupo carismático, consulta um guru ou lê o horóscopo
ou estuda o I-Ching da felicidade.  Tem consciência de que a produção da
felicidade não está  na razão analítica e calculatória mas na razão sensível e
na inteligência emocional e cordial. Isso porque a felicidade deve vir de
dentro, do coração e da sensibilidade.

 Para dizer logo, sem outras
mediações, não se pode ir direto à felicidade. Quem o faz, é quase sempre
infeliz. A felicidade resulta de algo anterior: da essência do ser humano e  de
um sentido de justa medida em tudo.

 A essência  do ser humano reside na
capacidade de relações. Ele é um nó de relações, uma espécie de rizoma, cujas
raízes apontam para todas as direções. Só se realiza quando ativa continuamente
sua panrelacionalidade, com o universo, com a natureza, com a sociedade, com as
pessoas, com o seu próprio coração e com Deus. Essa relação com o diferente lhe
permite a troca, o enriquecimento e a transformação. Deste jogo de relações,
nasce a felicidade ou a infelicidade na proporção da qualidade destes
relacionamentos. Fora da relação não há felicidade possível.

 Mas isso
não basta. Importa viver um sentido profundo  de justa medida no quadro da
concreta condição humana. Esta é feita de realizações e de frustrações, de
violência e de carinho, de monotonia do cotidiano e de emergências
surpreeendentes,  de saúde, de doença e, por fim, de morte.

 Ser feliz é
encontrar a justa medida em relação a estas polarizações. Dai nasce um
equilíbrio criativo: sem ser pessimista demais porque vê as sombras, nem
otimista demais porque percebe as luzes. Ser concretamente realista, assumindo
criativamente a incompletude da vida humana, tentando, dia a dia, escrever
direito por linhas tortas.

 A felicidade depende desta atitude,
especialmente quando nos confrontamos com os limites incontornáveis, como, por
exemplo, as frustrações e a morte. De nada adianta ser revoltado ou resignado,
Mas tudo muda se formos criativos: fazer dos limites fontes de energia e de
crescimento. É o que chamamos de resiliência: a arte de tirar vantagens das
dificuldades e dos fracassos.

 Aqui tem seu lugar um sentido espiritual
da vida, sem o qual a felicidade não se sustenta a médio e a longo prazo. Então
aparece que a morte não é inimiga da vida, mas um salto rumo a uma outra ordem
mais alta. Se nos sentimos na palma das mãos de Deus, serenamos. Morrer é
 mergulhar na Fonte. Desta forma, como diz Pedro Demo, um pensador que no Brasil
melhor estudou a "Dialética da Felicidade"(em três volumes, pela Vozes): "Se não
dá para trazer o céu para terra, pelo menos podemos aproximar o céu da terra".
Eis a singela e possível felicidade que podemos penosamente conquistar como
filhos e filhas de Adão e Eva decaídos.

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