Aldeia Nagô
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Segredos da longevidade por Núria Escur

4 - 5 minutos de leituraModo Leitura

Permanecer em
atividade e esquecer a aposentadoria.


Maiores de 80 anos competem com jovens na oferta cultural e no
trabalho social


O filme francês "Medos Privados em Lugares
Públicos" foi dirigido por Alan Resnais, e mesmo com cenas em ritmo lento e aos
86 anos levou o Leão de Prata de melhor diretor no Festival de Cinema de Veneza.
Outro cineasta, o português Manoel de Oliveira, completa 100 este ano, e com um
século nas costas ainda reclama que lhe devolvam, sem exceção, os papéis de
Salamanca. Longe da inatividade ou da aposentadoria, uniram a suas mentes
criativas a bagagem própria da experiência e o privilégio de ser testemunhas de
uma época que às vezes ainda os surpreende.

Há algumas décadas era
impossível imaginar que a maioria dos cidadãos cruzasse a fronteira dos 80 anos,
e que além disso continuasse indo ao escritório, oficina ou campo. Que um
cirurgião do porte de Joaquín Barraquer (81 anos) continuasse em sua clínica ou
que criadores octogenários competissem nas bilheterias com cineastas de 30 ou
publicassem livros que ocupam os primeiros lugares nas listas de vendas. Vinte
anos além da aposentadoria oficial, eles continuam em ação.

Na Espanha
vivem atualmente 10 mil pessoas centenárias, segundo dados do Instituto Nacional
de Estatísticas (INE). E as previsões falam em quintuplicar esse número em 2050,
segundo estudos da Sociedade Espanhola de Geriatria e Gerontologia. Segundo os
últimos dados do Idescat (2007), a Catalunha tem cerca de 1.124 centenários.
Deles, 207 são homens e 917 mulheres. Os municípios catalães com mais pessoas de
100 anos ou mais são Barcelona, Sabadell e l’Hospitalet. Ao todo, 333.310
pessoas na Catalunha têm mais de 80 anos. E cerca de 40 passaram dos
106.

O
psiquiatra Jesús Fraiz, em seus estudos sobre centenários, destacou uma
característica comum a todos: ter prolongado ao máximo a atividade profissional.
Curiosamente, a maior parte desses espanhóis centenários, tendo superado uma
guerra civil, conhece muito bem o que significa viver enganando a
miséria.

Pelo consultório do neurologista Nolasc Acarín passaram muitos
desses cidadãos que não atiraram a toalha. Ele mesmo aparece no filme
"Bucareste, a Memória Perdida", com um cérebro de plástico na mão, explicando a
doença degenerativa de Jordi Solé Tura (78 anos), e o cita Teresa Pámies (88)
para elaborar seu "Informe al difunt" (La Campana), relembrando os últimos dias
de Gregorio López Raimundo (falecido recentemente aos 93).

"Se não
tivesse sido pelo meu trabalho, pela escrita, pelo rádio, não sei como teria
superado dignamente esses momentos especialmente dolorosos", explica Teresa
Pámies. Para ela a criação é imprescindível, "porque mostra que você pode ser um
velho útil". Ela recomenda passear pelo bairro "e procurar outros como você.
Afirmo que não falamos de nada banal e nossas conversas são muito mais
estimulantes do que as que temos nas salas de espera dos hospitais". Teresa, que
mora perto do mercado do Ninot, se despede assim: "Aos meus coetâneos: pratiquem
a companhia dos jovens!"

Para Nolasc Acarín, especialista nos mistérios
do cérebro, envelhecer é uma sorte se nos compararmos com os animais. "O ser
humano é o único que envelhece. Os outros morrem quando acaba sua faculdade de
se reproduzir." Em "Bucareste" aparecem lúcidas reflexões de homens que
superaram a barreira dos 80, de Jorge Semprún (85) a Santiago Carrillo (93),
passando por Antoni Tápies (85).

"Nosso cérebro funciona melhor se
aprende, e aprende segundo nossa conduta", explicou Acarín. "Por isso deve
existir a figura do professor, que costuma ser uma pessoa mais velha. Se não
tivéssemos de aprender não haveria velhos. As mulheres envelhecem melhor porque
não se aposentam." E acrescentou: "Em suas casas, programam, planejam, conduzem
a logística, enquanto seus maridos, via de regra, se sentam para ver
televisão."

"O que aprendi com a velhice? Que para sobreviver é preciso
tentar se levantar cada dia com a maior dose possível de bom humor. Somos
frágeis e ainda estamos em tempo de respeitar os outros, que também o são. Nem a
irritação nem a inveja deveriam destruir nossas horas nem nossos dias", explica
Josep Maria Espinás, que acredita mais na genética e na atitude do que na
capacidade longeva do criador. "Picasso viveu muitos anos, mas meu amigo
Riudavets viveu 113 e era sapateiro de ofício."

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Publicado originalmente no La
Vanguardia
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