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Sertanejo universitário floresceu na era Lula com ensino superior expandido. Por Gustavo Alonso

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Gustavo_Alonso

Foi a partir de 2005 que surgiu o que se convencionou chamar de sertanejo universitário. Tomo aquele ano como o berço dessa geração sertaneja porque foi quando algumas das duplas

importantes lançaram seus primeiros discos de repercussão nacional. E, como aponta o nome, trata-se de um reflexo das mudanças nas universidades brasileiras durante a era Lula.

Cesar Menotti e Fabiano lançaram em 2005 o CD/DVD “Palavras de Amor”, que tinha os sucessos “Leilão” (“Eu vou fazer um leilão / Quem dá mais pelo meu coração / Me ajude voltar a viver / Eu prefiro que seja você”) e “Como um Anjo” (“Como um anjo / Você apareceu na minha vida / Como um anjo/ Repleto de ternura e de paixão”). Ambas as canções foram importantes para a formatação da estética desse tipo de sertanejo.

João Bosco e Vinícius lançaram também em 2005 um disco independente que chamou a atenção do grande público. O sucesso “Quero Provar que te Amo” foi o passaporte da dupla para a nova geração sertaneja, que então se formava. Jorge e Mateus, outra dupla fundamental do subgênero, se conheceram em 2005. No mesmo ano, gravaram um CD independente na garagem da casa de Mateus, com algumas composições próprias e novas roupagens de clássicos da música sertaneja.

Entre 2003 e 2012, o número de universitários no país saltou de 3,8 milhões para 7 milhões, um aumento de 81%. O sertanejo “universitário” floresceu em plena era Lula, muito em função da ampliação da educação superior durante o governo petista. Além de 18 novas universidades federais criadas e 173 campus universitários, houve também a notória ampliação do sistema privado de ensino superior. Tal crescimento foi fundamental para a formatação do sistema universitário brasileiro, já que em 2010 cerca de 75% dos seus alunos estudavam em faculdades privadas.

Uma parte considerável dos jovens músicos sertanejos estava em algum curso universitário durante a era Lula. Foi o caso de João Bosco e Vinícius, que ficaram conhecidos quando tocavam para universitários de Campo Grande (MS) em 2003. Vinícius era estudante de fisioterapia e João estudava odontologia.

Outros também tinham trajetórias semelhantes: Jorge estudava direito e Mateus, agronomia. Maria Cecília e Rodolfo se conheceram na faculdade de zootecnia. Sorocaba, da dupla Fernando e Sorocaba, foi outro que estudou agronomia. João Carreiro e Capataz se formaram em administração e direito, respectivamente. Mariano estudava zootecnia e Munhoz, administração rural.

De forma que os cantores rurais mudaram de estirpe no início do século 21. São de fato, em grande parte, universitários. Se alguns não têm formação universitária, como Luan Santana, Victor e Leo e César Menotti e Fabiano, há de se considerar que seu público era inicialmente em grande parte composto por universitários interioranos.

Na geração anterior, que fez sucesso nos anos 1990, Leandro e Leonardo foram humildes plantadores de tomate e Zezé Di Camargo chegou a passar fome na infância. Entre os “universitários”, há certo conforto de origem, o que permitiu a vários deles atingir o ensino superior, numa nova realidade do país. Tudo isso aconteceu durante a era Lula.

É curioso notar que o petismo tenha tão pouca ligação com os sertanejos. Em parte isso acontece porque o partido parece ter dificuldade em lidar com o Brasil dos interiores. O PT foi criado na capital paulista, numa junção de universitários uspianos e operários do ABC no final dos anos 1970. Naquela época, o som identificado às universidades não era a música sertaneja, mas a MPB.

Quando o próprio governo petista mudou a face universitária do Brasil, não conseguiu se encontrar com o país que ajudou a criar, tão distante dos dilemas estéticos de suas origens, o período final da ditadura. E a geração mais nova do partido, que poderia tensionar em outras direções, nunca abandonou as antigas matrizes estéticas MPBistas.

Por sua vez, os sertanejos em geral viram com bons olhos a bonança da era Lula. Artistas hoje notórios bolsonaristas foram muito simpáticos ao ex-presidente. Zezé Di Camargo cantou o jingle da campanha de Lula em 2002, a canção “Meu País”, que falava de reforma agrária. E Sergio Reis visitou Dilma algumas vezes, sempre de forma amistosa e respeitosa, antes de se tornar o golpista que pregou o fim do STF em 2021.

Os sertanejos universitários surfaram na onda da prosperidade econômica do governo Lula bancada pelas commodities do agronegócio, na época em sintonia com o presidente petista.

Isso tudo nos leva a especular sobre o que pode acontecer nas eleições de 2022. Será que Lula e o PT saberão articular este enorme capital político que têm em suas mãos? Ou entregarão este capital de bandeja para um candidato sem ligação histórica com o chamado sertanejo universitário?

A psicologia sabe há muito tempo que, quanto mais se renega algo, mais semelhante e próximo se está do objeto renegado. Veremos se os preconceitos estéticos de parte a parte serão superados em torno de projetos políticos que sejam de fato construtivos e prossigam mudando a sociedade brasileira.

Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de ‘Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira’ e ‘Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga’.

Artigo publicado originalmente em https://www1.folha.uol.com.br/colunas/gustavo-alonso/2022/01/sertanejo-universitario-floresceu-na-era-lula-com-ensino-superior-expandido.shtml

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