Aldeia Nagô
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Sobre as delações e o PT por Patrícia Valim

3 - 5 minutos de leituraModo Leitura
Patricia_Valim

Não consigo entender as reações de espanto de parte da esquerda em relação às delações do pai/filho Odebrecht sobre Lula e Dilma.

Por que deveríamos ficar em estado de choque sobre algo que até o momento não passam de indícios e presunções, mesmo quando reportagens como a da “the intercept brasil” jogam pra plateia e forçam a barra contra Lula, como a globo tem feito diariamente? Será mesmo que Paulo Henrique Amorim, autor de “O quarto poder”, desconhece o funcionamento dos três poderes no Brasil e passou os governos petistas militando na linha “mais realista que o rei” porque acreditava na emancipação da classe trabalhadora por meio do PT?

Na boa, sejamos ao menos adultos nesse momento em que o sistema político brasileiro está em colapso. Há fartas demonstrações de que Lula decidiu jogar o jogo jogado, anunciado na carta ao cidadão, e fez o lulismo intermediar os interesses das grandes empresas dentro do Estado.

Como não se consegue provar que ele obteve vantagens pessoais nesse processo, isso não configura crime e nem comprometeu a efetivação do projeto de nação dos governos petistas. O meu ponto é exatamente esse. Repito o que tenho escrito há algum tempo: Lula é um sertanejo que virou um operário líder sindical, e isso explica muito sobre o lulismo e o movimento político de Lula nos dois mandatos, com destaque para a sua imensa capacidade de negociação e conciliação forjadas nas lutas do chão da fábrica e nas ruas. Luís Felipe Miguel escreveu acertadamente que o lulismo é a tradução dessas disposições num programa político. Limitado, adaptativo, mas marcado por um genuíno desejo de responder às premências mais gritantes da população mais pobre – acrescento: e esse projeto nos marcos da histórica balconização do Estado (patrimonialismo).

Dilma tentou ir além e nas delações há fartas demonstrações de suas ações para barrar a supremacia dos interesses privados no Estado, de maneira que o Odebrecht filho precisou pagar milhões para tirá-la do poder e conseguiu. Por isso, decepcionar-se e exigir autocrítica do PT configuram ingenuidade e má fé. Ingenuidade porque pode-se criticar esse projeto e alegar desconhecimento sobre os meandros da institucionalização, mas depois de 14 anos não dá ficar surpreso com seus limites e contradições. Má fé porque essa esquerda surpresa com os meandros do Estado fica batendo cabeça tentando acabar com o petismo e o Lula no lugar de cumprir a sua maior tarefa nesse momento de colapso da política brasileira: cabe a ela elaborar um projeto de país alternativo à conciliação e mostrar as condições concretas de efetivá-lo nos marcos da balconização do Estado, criando as condições de superá-lo.

Quanto ao PT, acho que devemos defender o nosso projeto de nação sempre e assumir de uma vez por todas o que ocorre na prática, sobretudo depois do último PED: uma identidade partidária de centro-esquerda, tensionanda internamente por forças de esquerda. Isso vai deflagrar um diálogo mais verossímil com as demais forças do campo progressista e nos dará oportunidade de demonstrar que as contradições agudas da institucionalização podem ser diminuídas na longa duração.

Porque não há como negar que depois de 14 anos de governos petistas, caminhávamos para aquilo que Boaventura de Sousa Santos define como “socialismos no século XXI”: um regime pacífico e democrático assente na complementaridade entre a democracia representativa e a democracia participativa; legitimidade da diversidade de opiniões, não havendo lugar para a figura sinistra do “inimigo do povo”; modo de produção menos assente na propriedade estatal dos meios de produção do que na associação de produtores; regime misto de propriedade onde coexistem a propriedade privada, estatal e coletiva (cooperativa); concorrência por um período prolongado entre a economia do egoísmo e a economia do altruísmo, digamos, entre Windows Microsoft e Linux; sistema que saiba competir com o capitalismo na geração de riqueza e lhe seja superior no respeito pela natureza e na justiça distributiva; nova forma de Estado experimental, mais descentralizada e transparente, de modo a facilitar o controle público do Estado e a criação de espaços públicos não estatais; reconhecimento da interculturalidade e da plurinacionalidade (onde for caso disso); luta permanente contra a corrupção e os privilégios decorrentes da burocracia ou da lealdade partidária; promoção da educação, dos conhecimentos (científicos e outros) e do fim das discriminações sexuais, raciais e religiosas como prioridades governativas.

Professora na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – UFBA

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