Aldeia Nagô
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Solidariedade. Por Zuggi Almeida

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Zuggi_Almeida

“Dez sacos de areia, 12 sacos de brita, 5 sacos de cimento, mais as ferragens e formas da laje ” Essa foi a lista deixada por D. Margarete, que Nestor encontrou no domingo pela manhã sobre o criado mudo.

A esposa tinha saído cedo para ir a missa, mas, decidiu não despertar do sono angelical seu marido.

Nestor era um homem de hábitos metódicos, muito religioso, bom cunhado, excelente vizinho. Casado com D. Margarete há dez anos. Nunca tiveram filhos.

Desde a época do noivado Nestor já exercia a profissão de vendedor autônomo, mantendo a rotina de quinze dias na capital e quinze dias em viagens pelo interior do estado.
D. Margarete já estava acostumada com aquelas idas e vindas do marido.

Agora, Nestor tinha a oportunidade de realizar o sonho de D. Margarete – colocar uma laje sobre a casa herdada dos pais dela -, e mesmo sendo um domingo foi à casa de material de construção do bairro comprar os itens da grande obra. 
A parte técnica dos cálculos da construção ficou a cargo de Roque, pedreiro formado pela U.P.C – Universidade da Prática Cotidiana e responsável pela realização de quase todos os puxadinhos do bairro. Roque era mestre no traço do cimento. Avaliação e execução feitas todas “no olho”. A equipe para bater a laje foi convocada e a execução marcada para a semana seguinte. Uma feijoada com cerveja em fartura seriam servidas para o pessoal da obra no fim dos trabalhos.

D. Margarete tomada pela emoção da realização, embora praticante do catolicismo, resolveu fazer uma visita à madame Zoraide, consultora esotérica com currículo recheado por salvações de casamentos ameaçados, efetivação de clientes em bons cargos públicos. Dizem alguns, que a cartomante ajudou um deles a acertar na mega–sena. Embora, isso nunca tenha sido provado.

D. Margarete tinha um bom motivo para antecipar os fatos, afinal, segundo ela, os vizinhos tinham o estranho hábito de torcer contra a evolução da família dela, inclusive imaginava que o casal sem filhos era fruto do “olho gordo” das solteironas do bairro sobre Nestor.

Madame Zoraide jogou as cartas e isso aumentou a ansiedade e a adrenalina em D. Margarete.
O olhar analítico de madame Zoraide varreu as cartas sobre a mesa
O olhar curioso de D. Margarete acompanhava atento.
Uma pausa demorada, um pigarro de madame Zoraide.
Mais doses de adrenalina circulando nas veias de D. Margarete.
Madame Zoraide com ar sério disse que a construção da laje era um novo passo na vida conjugal, que via ali o crescimento para família, ampliação, novos seres entre eles.

Mudança.

Recomendou também, o sacudimento para afastar o mau-olhado dos invejosos e entregou uma lista com nomes das folhas do sacudimento para comprar na barraca da feira.

D. Margarete saiu da consulta transformada, levando no rosto um misto de felicidade e sensualidade. Logo comprou todas as folhas. Naquela noite fez amor com Nestor como nunca tinha feito em todo tempo de casamento.
No domingo marcado, o pessoal do mutirão chegou cedo à casa de Nestor e daí em diante, só aconteceu solidariedade intercalada com algumas doses de birita e às quatro da tarde, a laje estava pronta. Roque, o empreiteiro, recomendou que a laje fosse molhada dariamente “é pra curar o cimento” disse. A feijoada foi servida. O samba comeu no centro.

Uma semana após, a grande inauguração da laje e Nestor tratou de contratar um carro de telemensagem, D. Margarete recebeu flores, ouviram-se o pipocar de foguetes e todos se preparam para subir até laje para participar do café da manhã.
O carro de mensagens chegou, as palavras de agradecimentos de Nestor ecoaram pela rua e daí o foguetório. O carro saiu e um táxi chegou em seguida parando na porta de Nestor. Dele desceram uma senhora grávida e duas crianças.

Nestor ouviu seu nome ser chamado, olhou para trás e desmaiou.

Em frente à casa de Nestor estavam D. Almerinda com Nestorzinho, nove anos e o irmão, Wendel de três de idade.

O que D. Margarete não sabia,era que todas as viagens de Nestor nos últimos dez anos do casamento foram para São Tomé de Paripe, no subúrbio de Salvador. Também não sabia que aquela prole em crescimento era administrada por Nestor durante quinze dias todos os meses do ano. Esse era o motivo do seu marido nunca ter saído em férias.

Segunda-feira, após um dia de desmaios sucessivos de Nestor, D. Margarete retornou à casa de madame Zoraide. As cartas foram expostas sobre a mesa, a advinha, observou… observou… e fez uma pergunta a D. Margarete:
– A senhora colocou os três maços grandes de arruda no sacudimento da laje?

D. Margarete respondeu inquirindo.
– Mas madame e era arruda ? Não era alfazema ?

Madame Zoraide foi enfática.
– Tai, minha filha, você botou alfazema. Você não sabe que alfazema é coisa pra chamar menino?

Dessa vez quem desmaiou foi D. Margarete.

Madame Zoraide nunca falhou nas suas previsões.

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