Três da Madrugada – A solidão que transborda de um poema. Por Renato Queiroz
Na madrugada de 09 de novembro de 2022, despertei sem razão aparente, quase às três da manhã. A insônia me trouxe à mente um poema e seu autor, Torquato Neto. Lembrei também de Gal Costa, que faleceria, inesperadamente, horas depois, de manhã, era uma quarta-feira.
Decidi escrever este texto pelas coincidências daquele dia.
Senta que lá vem História
Torquato Pereira de Araújo Neto, Torquato Neto, nascido em 9 de novembro de 1944, em Teresina, PI, e falecido em 10 de novembro de 1972, no Rio de Janeiro, RJ, foi um poeta, jornalista e letrista brasileiro, ligado à contracultura.
Defensor das vanguardas artísticas como a Tropicália, o cinema marginal e a poesia concreta, ele circulava no efervescente meio cultural brasileiro da época. Era filho do defensor público Heli da Rocha Nunes e da professora primária Maria Salomé da Cunha Araújo.
De Teresina, mudou-se para Salvador aos 16 anos, onde foi contemporâneo de Gilberto Gil no Colégio Nossa Senhora da Vitória (Marista).
Torquato envolveu-se ativamente na cena soteropolitana, onde conheceu Gil, Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethânia.
Em 1962, mudou-se para o Rio de Janeiro para estudar jornalismo, mas nunca se formou.
Trabalhou para diversos veículos da imprensa carioca, com colunas sobre cultura, um polemista.
Escrevia a coluna “Geléia Geral” no jornal Última Hora, cobrindo a vida cultural brasileira, com foco na música, cinema e literatura.
Reclamava que a MPB “estava parada”, mesmo sendo os anos de “Fa-Tal” de Gal Costa, “Transa” de Caetano Veloso, “Construção” de Chico Buarque e o disco de Roberto Carlos com “Detalhes”. John Lennon lançava “Imagine”.
Torquato recomendava atenção ao Pink Floyd, ainda distante de lançar “The Dark Side of The Moon”.
Os Novos Baianos começavam a se aproximar de João Gilberto, influenciando o clássico “Acabou Chorare”.
No cinema, Torquato apoiava os “undigrudis” como Ivan Cardoso e Rogério Sganzerla, criticando o “cinema novo” de Cacá Diegues e Arnaldo Jabor, exceto Glauber Rocha. Trabalhou com Glauber Rocha como assistente de direção no filme “Barravento”. Entusiasmado com as câmeras Super 8, Torquato previu que todos seriam cineastas um dia.
Porém, seu envolvimento com música, cinema e literatura não o segurou na vida, deprimido com a falta de liberdade da ditadura e “a falta de bom gosto que começava a reinar”.
Torquato cometeu suicídio um dia após seu 28º aniversário, trancando-se no banheiro e abrindo o gás do aquecedor.
Todos ficaram profundamente abalados.
A música “Cajuína”, do álbum “Cinema Transcendental” (1979), foi composta anos depois, inspirada por um encontro de Caetano com o pai de Torquato, Dr. Heli, em Teresina. Durante essa visita, Dr. Heli, consolando a perda do amigo, ofereceu a Caetano uma cajuína e uma rosa-menina, mimos que Torquato gostava, resultando na criação de uma das suas mais belas canções.
Torquato Neto deixou um legado duradouro, sendo lembrado por sua criatividade e capacidade de transitar por diferentes áreas artísticas, sempre com uma abordagem inovadora e impactante.
Deixou suas crônicas musicais, suas letras: “Geléia Geral”, “Minha Senhora”, “Zabelê” e “Louvação” com Gilberto Gil, outras com Caetano Veloso, Edu Lobo, Jards Macalé, a parceria póstuma de “Go Back” com os Titãs, cartas e poesias.
Torquato, entretanto, morreu sem realizar um sonho, publicar um “livrinho…”
Um ano após a morte de Torquato, Ana Maria de Araújo Duarte, sua viúva, e o poeta Waly Salomão (1943 – 2003), muito seu amigo, publicaram o volume póstumo “Os Últimos Dias de Paupéria”, reunindo suas poesias, letras e textos.
“Três da Madrugada” é um poema de Torquato Neto que ganhou música de Carlos Pinto e foi lançado por Gal Costa em um compacto em 1973, encartado no clássico livro “Os Últimos Dias de Paupéria”.
Aqui, Gal Costa magistralmente interpreta “Três da Madrugada”.
SONZAÇO!
Renato Queiroz é professor, compositor, poeta e um apaixonado pela história da música,.