Tunai e o encanto de certas canções. Por Renato Queiróz
Em uma pequena cidade de Minas Gerais, chamada Ponte Nova, nasceu José Antônio de Freitas Mucci, mais conhecido como Tunai, em 13 de novembro de 1950.
Senta que lá vem História.
Tunai cresceu em um ambiente musical. Sua mãe era de um grupo de seresta e de um coral de 40 vozes. Sua irmã, Auxiliadora, era crooner no clube local. E seu irmão mais velho, o compositor, músico e cantor João Bosco, já dendilhava o violão.
Encantado, aos 11 anos, Tunai escancarou o seu talento em um festival escolar cantando bossa nova.
Quando cursava Engenharia Civil em Ouro Preto, Tunai percebeu, de vez, sua verdadeira paixão, a música.
Mudou para o mar do Rio de Janeiro, mergulhou na carreira artística.
Em 1977, João Bosco o apresentou ao letrista Sergio Natureza. Essa parceria rendeu grandes frutos, incluindo a estreia de Tunai para o grande público em 1978, quando Fafá de Belém interpretou “Se eu disser”. No ano seguinte, Elis Regina gravou “As aparências enganam”, que se tornou um grande sucesso.
Tunai também colaborou com diversos letristas e suas músicas foram gravadas por outros grandes nomes da MPB, entre eles, Simone, Gal Costa, Nana Caymmi, Milton Nascimento, Beto Guedes, Roupa Nova, Elba Ramalho, Ivete Sangalo, Sérgio Mendes e Maria Betânia.
Entre suas composições de sucesso, outras conhecidas são “Raras maneiras”, “Depois das dez”, “Só de amor”, “Tinha de ser”, “Água na boca”, “Olhos negros”, “Apaixonada”, “Frisson”, “Eternamente” e “Certas Canções”.
Em uma tarde tranquila, há um bom tempo, em Salvador, uma dessas canções coube na minha alma.
Estudante, eu voltava do Colégio 2 de Julho para casa, no ônibus, quando o motorista aumentou o volume do rádio – nessa época era comum.
Perto da Fonte Nova, os versos de “Certas Canções”, de Milton Nascimento e Tunai, ecoaram no coletivo envolvendo todos numa reflexão sobre a magia e o encanto das canções.
Milton Nascimento, em um depoimento, revelou que “Certas Canções” foi inspirada em “Ebony and Ivory”, de Paul McCartney e Stevie Wonder. A harmonia e melodia de Tunai, combinadas com a inspiração de Milton, deram origem a uma música icônica que se tornaria um clássico da MPB.
Milton, conta: “Fiz essa música inspirado em ‘Ebony and Ivory’ (Paul McCartney e Stevie Wonder). Assim que ‘Ebony and Ivory’ acabou de tocar no rádio, matutei: Como eu não pensei nisso antes? Era o marfim e o ébano, o branco e o preto convivendo em harmonia no instrumento.” Conversavam sobre isso…
Algum tempo depois, Tunai lhe mandou uma música e pediu para ele escrever a letra. “Certas Canções” nasceu completamente inspirada na harmonia e melodia de Tunai e em “Ebony and Ivory”.
A primeira versão de “Certas Canções” foi lançada em 1982, no álbum “Ânima” de Milton. O álbum foi produzido por Marco Mazzola para a gravadora Ariola.
Um dia desses, estava na rua observando o movimento, cada uma tem uma trilha particular. Uma música tocava quase distante, e os versos de Milton e Tunai ecoavam em minha mente, novamente. “Certas canções que ouço cabem tão dentro de mim”, pensei, enquanto via um transeunte com fones de ouvido, provavelmente imerso em sua própria playlist.
A beleza de certas canções está em sua capacidade de nos transportar para outros lugares, de compreender e nos fazer sentir compreendidos. É como se, por um momento, os compositores tivessem lido nossos pensamentos e traduzido em notas, acordes e palavras aquilo que nem sabíamos que sentíamos.
“Como não fui eu que fiz?”, me perguntei, com a sintonia da situação.
A tarde avançava, e o sol, partindo, tingindo as nuvens e os azuis de céu, de laranjas, de cor de fogo, de âmbar e outros citrinos, irradiando tons mutantes quase indefinidos no mar cintilante.
Tunai faleceu no Rio de Janeiro em 26 de janeiro de
2020, mas seu legado musical continua a encantar gerações, provando que certas e muitas canções realmente têm o poder de tocar a alma. Sua obra continua presente e eterna em muitas canções.
Tunai é SONZAÇO!
Renato Queiroz é professor, compositor, poeta e um apaixonado pela história da música,.