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Uma mulher enfrenta os fascistas da cidade que tentou parar o Brasil. Por Moisés Mendes

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O Brasil não ficou sabendo, mas Casca parou nessa segunda-feira com a certeza de que iria parar o Brasil. Casca tem 9 mil habitantes e fica no nordeste do moderno agro pop gaúcho.

O comércio fechou, os operários foram mandados embora, os carros quase não circularam e até os sabiás ficaram em casa.

Casca tinha certeza de que iria abalar o Brasil com a sua decisão de imitar Bolsonaro e não fazer nada. É a mesma certeza dos patriotas que estão acampados diante de QGs do Exército.

Quase todo o comércio parou. Os que não são bolsonaristas e não pretendiam fazer a ‘greve’ foram convidados a fechar as portas. Casca é uma cidade com medo.

Quem não fechasse iria engrossar uma lista que circula nas redes sociais. São lojas, serviços e profissionais autônomos das mais variadas áreas que devem ser boicotados porque teriam vínculos com o PT, o lulismo e o comunismo.

Dissemina-se junto com a lista a sugestão para que estrelas vermelhas sejam afixadas nas portas dos prédios dos inimigos pelos próprios petistas. Tudo com grande naturalidade, como se a perseguição tivesse sido normalizada.

A advogada Janaíra Ramos, uma das perseguidas, é uma raridade. A advogada fala da perseguição, em meio ao silêncio geral, e comenta as ameaças em nome da cidadania e de uma estratégia pela sobrevivência.

O que ela diz em entrevistas poucos têm coragem de dizer:

“Se nos calarmos nesse momento, iremos permitir que o fascismo se concretize como prática social. Optei por reagir”.

A advogada torna pública a sua situação e a de outros ameaçados, por entender que essa também é uma forma de se proteger.

Há um detalhe nas listas ameaçadoras de sabotagem aos que (é o que afirmam os fascistas) ameaçam com a volta do comunismo.

O detalhe é que a maioria dos nomes citados, de profissionais liberais ou donas ou sócias de alguma empresa, é de mulheres. A lista da extrema direita caça as mulheres de Casca.

Bolsonaro teve 72,28% dos votos no município. Mulheres que nunca explicitaram posição política estão sendo apontadas como parte do plano de tomada do Brasil pelo comunismo.

Um sócio de Janaíra no escritório de advocacia votou em Bolsonaro. Não importa. Ele não serve de habeas e ela será caçada.

A advogada comunicou o cerco ao Ministério Público da cidade e aguarda uma resposta. Não anda a pé. Já foi acusada em rede social por um jovem de que compra sentenças. O rapaz admitiu o crime e fará uma retratação pública.

Janaíra faz a pergunta que o ministro Alexandre de Moraes e o Ministério Público Federal de São Paulo formulam e que eles mesmos terão de responder: quem financia essa gente?

Quem sustenta o golpismo dos patriotas das estradas? Quem patrocina, desde 2018, o gabinete do ódio das milícias digitais?

Janaíra também quer saber quem são os líderes do esquema de caça aos ‘comunistas’ de Casca. O Ministério Público terá de descobrir, com o suporte político dos democratas da cidade.

O sistema de Justiça e as instituições vão precisar das vozes de muitas Janaíras. Não há como tentar imitar Alexandre de Moraes numa cidadezinha tomada pelo fascismo.

Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

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