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Uma verdade que não faz falta no inquérito. Por Moisés Mendes

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Teve um tempo em que o Brasil debatia se os torturadores da ditadura poderiam ser enquadrados e condenados por crime de lesa humanidade.

O país cansou do debate e o que vale, mesmo que com resistências pontuais, é o que o Supremo decidiu em 2010: os torturadores que trabalharam para os militares são protegidos pela anistia.

É uma proteção ampla, geral, irrestrita e ofensiva a todos os perseguidos, presos, violentados e mortos pela ditadura. É uma ofensa eterna aos seus familiares.

Não fizemos aqui nem mesmo tentativas consistentes de mudar o que havia sido feito na pressa, em 1979, para que os torturadores não ficassem impunes.

Como Argentina, Chile e Uruguai fizeram, mesmo que parcialmente e ainda com controvérsias a resolver. Mas foram em frente e mexeram em anistias imperfeitas.

O Brasil que desistiu de debater sobre tanta coisa está agora envolto pela polêmica sobre as diferenças entre crime político e crime com motivação política.

Juristas e especialistas diversos se esbaldam, porque há muito tempo o que mais debatemos são as sombras, os déficits, os excessos e as arbitrariedades cometidas em nome de alguma lei que existe ou do vazio deixado por uma deveria existir.

O caso do assassinato do petista Marcelo Arruda pelo bolsonarista Jorge Guaranho nos empurra para mais uma discussão em que todos, no Facebook, no Instagram, no Twitter e nas redes dos tios do Whats, são mobilizados a dizer alguma coisa.

Coisas que não foram ditas com a mesma ênfase quando o Supremo soterrou qualquer chance de condenação na área criminal de torturadores que agiram em nome do poder político de pós-64.

Coisas que poucos falaram quando, somente a partir de 1997, o Brasil começou a enquadrar torturadores em geral como autores de um crime específico.

Estamos debatendo se o bolsonarista cometeu ou não um crime por motivação política, mas há até bem pouco nem sabíamos se alguém poderia ser enquadrado por envolvimento nas mais variadas formas de tortura.

Há no caso de Foz do Iguaçu, para os leigos que se enfiam na conversa, uma obviedade que não precisa da tradução de especialistas: alguém matou alguém pelo impulso do ódio político.

O debate que se dá em torno de formalidades (a delegada não poderia tipificar o crime como político) só nos conduz para mais um labirinto das hermenêuticas.

Já discutimos sobre coerção coercitiva como método de imposição de arbitrariedades, sobre escuta telefônica ilegal de réus por ordem de um juiz e sobre a delação resultante da tortura da prisão preventiva sem fim, porque essa poderia ser tolerada.

Tudo em nome do combate à corrupção consagrado pelo lavajatismo desavergonhado, que teve apoio das elites, de certos integrantes do Supremo e da imprensa.

O que importa agora, no caso de Foz do Iguaçu, é que o país sabe que o crime aconteceu pelo descontrole um de um fascista.

Um extremista foi mobilizado para a violência por um líder que, quando desafiado a usar uma arma, entregou a pistola ao bandido que o confrontou com a sua insignificância.

A delegada do Paraná não tinha como escapar da encruzilhada. Se admitisse a motivação política, oficializaria o que todo mundo sabe, e se não admitisse provocaria um debate interminável sobre sua decisão.

O que se conclui é que pouco interessa se a motivação para o crime consta formalmente do relatório da delegada. Isso já não faz falta no inquérito.

Passam a ser irrelevantes as discordâncias sobre o que difere um crime político de um crime com motivação política.

Um militante da democracia foi morto por um ativista do fascismo. O país sabe bem o que aconteceu e por que aconteceu.

Moisés Mendes

Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

Artigo publicado originalmente em Uma verdade que não faz falta no inquérito – Moisés Mendes – Brasil 247

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