A reprise de 2006. Agora, como farsa por Luiz Carlos Azenha
Em 2005 e 2006 eu era repórter especial da TV Globo. Tinha salário de
executivo de multinacional. Trabalhei na cobertura da crise política
envolvendo
o governo Lula.
Fui a Goiânia, onde investiguei com uma equipe da emissora o caixa dois do PT
no pleito local. Obtivemos as provas necessárias e as reportagens foram ao ar no
Jornal Nacional. O assunto morreu mais tarde, quando atingiu o Congresso e
descobriu-se que as mesmas fontes financiadoras do PT goiano também tinham
irrigado os cofres de outros partidos. Ou seja, a "crise" tornou-se
inconveniente.
Mais tarde, já em 2006, houve um pequena revolta de profissionais da Globo
paulista contra a cobertura política que atacava o PT mas poupava o PSDB. Mais
tarde, alguns dos colegas sairam da emissora, outros ficaram. Na época, como
resultado de um encontro interno ficou decidido que deixaríamos de fazer uma
cobertura seletiva das capas das revistas semanais.
Funciona assim: a Globo escolhe algumas capas para repercutir, mas esconde
outras. Curiosamente e coincidentemente, as capas repercutidas trazem ataques ao
governo e ao PT. As capas "esquecidas" podem causar embaraço ao PSDB ou ao DEM.
Aquela capa da Caros Amigos sobre o filho que Fernando Henrique Cardoso exilou
na Europa, por exemplo, jamais atenderia aos critérios de Ali Kamel, que exerce
sobre os profissionais da emissora a mesma vigilância que o cardeal Ratzinger
dedicava aos "insubordinados".
Aquela capa da Caros Amigos, como vimos estava factualmente correta. O filho
de FHC só foi "assumido" quando ele estava longe do poder. Já a capa da Veja
sobre os dólares de Fidel Castro para a campanha de Lula mereceu cobertura no
Jornal Nacional de sábado, ainda que a denúncia nunca tenha sido
comprovada.
Como eu dizia, aos sábados, o Jornal Nacional repercute acriticamente as
capas da Veja que trazem denúncias contra o governo Lula e aliados. É o que se
chama no meio de "dar pernas" a um assunto, garantir que ele continue
repercutindo nos dias seguintes.
Pois bem, no episódio que já narrei aqui no blog, eu fui encarregado de
fazer uma reportagem sobre as ambulâncias superfaturadas compradas pelo governo
quando José Serra era ministro da Saúde no governo FHC. Havia, em todo o texto,
um número embaraçoso para Serra, que concorria ao governo paulista: a maioria
das ambulâncias superfaturadas foi comprada quando ele era
ministro.
Ainda assim, os chefes da Globo paulista garantiram que a reportagem iria ao
ar. Sábado, nada. Segunda, nada. Aparentemente, alguém no Rio decidiu engavetar
o assunto. E é essa a base do que tenho denunciado continuamente neste blog:
alguns escândalos valem mais que outros, algumas denúncias valem mais que
outras, os recursos humanos e técnicos da emissora – vastos, aliás – acabam
mobilizados em defesa de certos interesses e para atacar outros.
Nesta campanha eleitoral já tem sido assim: a seletividade nas capas
repercutidas foi retomada recentemente, quando a revista Veja fez denúncias
contra o tesoureiro do PT. Um colega, ex-Globo, me encontrou e disse: "A fórmula
é a mesma. Parece reprise".
Ou seja, podemos esperar mais do mesmo:
– Sob o argumento de que a emissora está concedendo "tempo igual aos
candidatos", se esconde uma armadilha, no conteúdo do que é dito ou no assunto
que é escolhido. Frequentemente, em 2006, era assim: repercutindo um assunto
determinado pela chefia, a Globo ouvia três candidatos atacando o governo
(Geraldo Alckmin, Heloisa Helena e Cristovam Buarque) e Lula ou um assessor
defendendo. Ou seja, era um minuto e meio de ataques e 50 segundos de
contraditório.
– O Bom Dia Brasil é reservado a tentar definir a agenda do dia, com ampla
liberdade aos comentaristas para trazer à tona assuntos que em tese favorecem um
candidato em detrimento de outro.
– O Jornal da Globo se volta para alimentar a tropa, recorrendo a um grupo de
"especialistas" cuja origem torna os comentários previsíveis.
– Mensagens políticas invadem os programas de entretenimento, como quando
Alexandre Garcia foi para o sofá de Ana Maria Braga ou convidados aos quais a
emissora paga favores acabam "entrevistados" no programa do Jô.
A diferença é que, graças a ex-profissionais da Globo como Rodrigo Vianna,
Marco Aurélio Mello e outros, hoje milhares de telespectadores e internautas se
tornaram fiscais dos métodos que Ali Kamel implantou no jornalismo da emissora.
Ele acha que consegue enganar alguém ao distorcer, deturpar e
omitir.
É mais do mesmo, com um gostinho de repeteco no ar. A história se repete,
agora com gostinho de farsa.
Querem tirar a prova? Busquem no site do Jornal Nacional daquele período
quantas capas da Veja ou da Época foram repercutidas no sábado. Copiem as capas
das revistas que foram repercutidas. Confiram o conteúdo das capas e das
denúncias. Depois, me digam o que vocês encontraram.