Aldeia Nagô
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Os “Grandes Temas” agora são os da Pátria Grande – segunda parte por Fernando Pacheco

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Como prometido no artigo passado, adentraremos aqui em discutir propostas gerais para aprofundar a integração latino-americana, em especial a sul-americana, que se encontra num estágio bem avançado, porém com impasses que precisam ser superados.

De antemão, destacamos que, em nossa opinião, a integração não é fetiche doutrinário, mas estratégia inescapável para evitar um processo de recolonização do continente. Estratégia que passa por um projeto regional de desenvolvimento, amparado nos fundamentos que permitiram à América Latina  crescer de forma coordenada com a distribuição de renda, ampliação dos serviços públicos e expansão de direitos.

Assim, antes de tudo, é imprescindível  que a América Latina e do Sul seja, efetivamente, uma região geoeconômica única, e que o cimento desta condição, é se constituir como região culturalmente única, embora pluriétnica e multicultural. Em poucas palavras: a integração deve constituí-las enquanto povo, em sentido clássico.

A ampliação da integração, com estes propósitos, portanto, pressupõe o fortalecimento da integração física entre os países. O horizonte de ampliação de trocas comerciais encontra-se limitado pelo déficit de infraestrutura. É por meio do aumento dos fluxos reais que os povos se encontram e intercambiam, que as sociedades civis organizadas aprofundam sua cooperação e os governos podem trocar análises sobre o impacto de suas intervenções.

O atual Conselho de Planejamento e Infraestrutura da Unasul (Cosiplan), que absorveu a velha IIRSA, por exemplo, possui uma extensa carteira de investimentos anualmente renovados e repactuados por implementar. Ela esbarra no financiamento, que é um nó da integração como um todo. Também há, no âmbito do bloco do Cone Sul, o Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM), que visa reduzir as assimetrias entre seus membros, mas há uma questão crucial: sua carteira de projetos dificilmente contempla projetos binacionais, servindo para potencializar intervenções puramente locais e, mesmo com o advento da Unasul, há pouco diálogo entre FOCEM e a carteira do Cosiplan, em termos de projetos e investimento, para otimizar as intervenções  aprovadas e planejadas.

Um dos fatores que podem explicar tal situação decorre da pesada herança neoliberal, que esgotou a capacidade de investimento dos países e negligenciou a política de planejamento econômico. Somente a partir da segunda metade dos anos 2000, com a reversão democrática da direção política dos países, reorientados por suas populações aos caminhos do Estado como indutor do crescimento distributivo, dos serviços públicos e do planejamento do desenvolvimento, possibilitou a melhoria da situação fiscal e a afirmação da intenção política da integração em amplo sentido.

Uma saída estruturante é urgente. A integração, efetivamente, precisa incorporar a linha-mestra que proporcionou uma década de avanços econômicos e sociais ao continente: a ação do poder público, do Estado. Só que, neste caso, como está se falando de integração, há que se imaginar uma iniciativa pública também integrada e voltada exclusivamente à ela. Em outras palavras: se projetos de caráter multinacionais não forem financiados pelos próprios tesouros nacionais destinando recursos exclusivamente para inversões voltadas à integração, dificilmente terão viabilidade, pois esbarrarão no imediatismo nacional, no interesse de mercado local e nas possibilidades de financiamento dos bancos que operam projetos no continente. Sem contar o descrédito, a partir da insegurança, do setor privado para a exploração de tais intervenções, seja pelo histórico recente das antigas carteiras, seja pelo momento de crise econômica.

É neste sentido e sob tais diretrizes que deve se erguer o prometido Banco do Sul e é sob este prisma que deve ser travado o diálogo, não por cada país, mas pelas estruturas já existentes de comunidades e blocos formados, com organismos como o BID, por exemplo. No âmbito das nações é preciso fortalecer ou criar (como no caso do Brasil) instituições financeiras estatais com capacidade de financiar as exportações (Eximbanks) e que trabalhem de forma coordenada com objetivos comerciais comuns dos blocos econômicos.

Um segundo desafio é ter uma agenda de desenvolvimento com integração, que se estruture em mecanismos de redução das assimetrias econômicas, regionais e sociais entre os Estados soberanos da região, sob as bases da complementaridade produtiva e a construção da produção com valor agregado.

Isso implica restabelecer os critérios tributários de financiamento externo, financiamento interno e atuação comercial das empresas locais e multinacionais exógenas aos países do continente. Por outro lado, implica em financiar associação entre empresas da região. Do ponto de vista regional, é essencial formular uma agenda de desenvolvimento territorial que inverta o padrão de agravamento das desigualdades regionais entre os países do continente e internamente a eles, fortalecendo projetos que integram o Norte e o Nordeste brasileiro aos países do norte da América do Sul e Caribe, por exemplo. Socialmente, é preciso, fomentar políticas que equilibrem em níveis superiores os indicadores sociais da região, com incentivos e metas comuns, a exemplo da erradicação do analfabetismo, da desnutrição, das epidemias e da miséria, com cooperação e difusão das experiências exitosas de todos os países do bloco.

É esta visão integrada, com financiamento e pactuada de modo coordenado e consciente a partir do denominador comum do modelo político-social ainda hegemônico na região que chamamos de projeto regional de desenvolvimento.
Outro desafio é que a integração deve ser correspondida pelo aumento do intercâmbio cultural e de conhecimento, de forma a criar um ambiente de convivência e compreensão da diversidade cultural dentro da região e o fortalecimento das percepções positivas diante das alteridades no continente. É cada vez mais urgente a intensificação da mobilidade de universitários no interior do continente. Essa política tem fundamental importância para proteger a reunião da “fuga de cérebros” e dar centralidade às instituições de pesquisa, universidades e, conseqüentemente, ao próprio pensamento continental. Este processo também precisa de um financiamento instigado pelo “Estado da Pátria Grande” e  voltado à estratégia integracionista. Sem um profundo sentimento de pertencimento aportado num vigoroso desenvolvimento científico a “soberania regional” não terá viabilidade.

Uma missão importante é incluir o continente e a cooperação coordenada e planejada de seus blocos no centro das novas coalizões globais abertas pela crise econômica, política, social e ambiental, especialmente os BRICS, desenvolvendo-o no sentido de ser uma trincheira do “direito ao desenvolvimento” do Sul, sob paradigmas opostos ao laissez-faire, ao unilateralismo e ao imperialismo. Uma nova “hegemonia emergente” é possível, revestindo tais nações em players não apenas da economia, mas também da política e do social.

O quinto desafio é o da estabilidade institucional e democrática da região. O fato de as urnas terem dado a vitória aos governos progressistas nos últimos anos não pode significar a redução do nível de atenção que deve ser dado à questão das democracias latino-americanas. Eventos como a tentativa de golpe contra Hugo Chávez, as duas tentativas de golpe contra o PT no Brasil, pela via midiática em 2005, e por um julgamento de exceção em 2012/3, o processo sumário de impedimento de Fernando Lugo, e o golpe militar contra Manuel Zelaya, em 2009, são alertas de que os setores conservadores comprometidos com o imperialismo não se resignarão. Os mecanismos de controle e arbitragem do continente (OEA) e das Nações Unidas não foram capazes de evitar a supressão das garantias democráticas nesses casos e em algumas situações foram usadas na defesa dos interesses inconfessáveis dos países ricos, a exemplo do assédio persecutório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre a Venezuela, e da negatica de livre trânsito à aeronave do Estado Plurinancional da Bolívia que transporta o Presidente Evo Morales, ato em frontal desacordo com a Convenção de Viena (1960). Neste quesito, o fortalecimento da participação social vinculada aos instrumentos de planejamento, controle e execução dos Estados-Nacionais e nos organismos endógenos aos blocos latino-americanos é imprescindível.

Por fim, é necessária a demarcação ideológica neste caminho de desenvolver a integração.

Uma referência nodal é, sem dúvida, o Mercosul, que ressurge em expressão ressignificada a partir da ação de governos de partidos progressistas nos principais países da região no início dos anos 2000 que, embora preserve impasses comerciais grandes, avançou política e economicamente de maneira inquestionável. Ser o espaço de gestação de um projeto regional que vai muito além de interesses comerciais e pactos aduaneiros é a missão fundamental do Mercosul, e a entrada da Venezuela é sinal positivo nesse sentido para além da força econômica, populacional e territorial que agrega ao Bloco, mas porque o conecta com uma outra experiência importante que é  a ALBA, que tenta delinear aspectos de  uma cooperação que une as dimensões da política, do social e da economia de modo radicalmente solidário.

Daqui retornamos ao ponto crucial da transição geracional: essas tarefas devem partir especialmente dos jovens engajados em partidos progressistas que governam na região e dos que estão ocupando posições importantes nesses governos e na liderança de movimentos sociais que cooperam estrategicamente com eles, compreendendo o funcionamento da máquina pública e apresentando soluções inovadoras para os desafios colocados, assim como atualizando as bandeiras de luta no sentido de emparedar os inimigos da integração e deste embrião de projeto regional de desenvolvimento. Semear a prática do diálogo e da troca de experiências a partir da visão da mesma geração sobre os mais variados temas é o método que colocará o jovem como protagonista da integração, de seus necessários desdobramentos em escala planetária e dos conceitos que se pretende agregar a ela.

Com colaboração de Leopoldo Vieira

Fernando Pacheco é coordenador de relações internacionais da executiva nacional da Juventude do PT.

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