Aldeia Nagô
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Caetano, a Folha & a Falha por Lino Bocchini

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Neste domingo, em artigo no jornal O Globo, Caetano Veloso manifestou-se sobre a polêmica das biografias, debate que tomou o noticiário cultural nos últimos dias.

O artista integra o recém-formado grupo Procure Saber, que congrega também nomes como Chico Buarque, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Gilberto Gil e Djavan e é presidido pela empresária e ex-mulher de Caetano, Paula Lavigne. Em resumo, o grupo quer não apenas manter os impedimentos legais que existem sobre a publicação de biografias não-autorizadas como também aumentar os obstáculos, criando, por exemplo, a obrigatoriedade de se pagar um percentual das vendas ao biografado, argumentando que sem ele a biografia não existiria.

A iniciativa nasceu porque a Anel, a Associação Nacional dos Editores de Livros, entrou com uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra uma interpretação dos artigos 20 e 21 do Código Civil que vem sendo usada por artistas e Justiça para censurar biografias não autorizadas como as de Roberto Carlos, Lampião ou Paulo Leminski.

Em seu artigo no jornal carioca, intitulado “Cordial”, Caetano diz ser contra a censura – “Censor, eu? Nem morta!” – em um texto cheio de referências e recados, como aos “ex-roqueiros bolsonaros”. De forma quase poética, caetanesca, não diz nada diretamente, mas fala muito. Deixa claro que é a favor, sim, de algum tipo de limite ou controle ao trabalho dos biógrafos. E solta essa: “repórter da Folha cita trechos de algo dito por Paula Lavigne em outro contexto para responder a sua carta ao leitor. Logo a Folha, que processou, por parodiá-la, o blog Falha de S. Paulo”.

Sim, a Folha censurou

A repórter em questão é a colunista social do jornal Mônica Bergamo, que bateu boca com Paula Lavigne no Twitter. Para quem não sabe, a Folha processa a mim, Lino Bocchini, e a meu irmão, Mário, por conta de um blog de paródia que abrimos em 2010 em meio às eleições presidenciais, o Falha de S. Paulo. O blog, de nome claramente irônico, buscava desmontar o discurso de imparcialidade e apartidarismo do jornal. Fazíamos e publicávamos fotomontagens e críticas bem-humoradas com os medalhões da empresa da família Frias, tendo como alvo principal Otavio Frias Filho, diretor de redação da Folha e dono do Grupo Folha ao lado do irmão, Luís.

Usávamos a paródia para “tirá-los do armário”, ou seja, para mostrar que eles, como qualquer veículo de imprensa, têm lado – no caso, o jornal trabalhava pela eleição de José Serra. Nossa iniciativa não foi, digamos, bem aceita. Após um mês de blog recebemos em casa, sem aviso prévio, uma liminar do jornal nos obrigando a tirar a Falha de S. Paulo do ar, sob ameaça de multa de R$ 1.000 por dia. Vou repetir: ameaça de multa de R$ 1.000 por dia. A alegação da Folha? “Uso indevido da marca”. A mesma liminar nos avisava sobre um processo de 88 páginas do jornal contra nós, no qual éramos acusados, entre diversas irregularidades fantasiosas (negadas pela Justiça, aliás), de querer enganar o leitor da Folha, nos passando pelo jornal.

Ao ler a ação completa descobrimos que o jornal dos Frias havia pedido originalmente uma multa bem maior, de R$ 10 mil por dia, caso não saíssemos do ar. Foi o juiz que assinou a liminar quem baixou o valor para um décimo do solicitado pelos Frias.

Vale reforçar: a Folha de São Paulo, que se diz democrática, pediu à Justiça que multasse a mim e meu irmão em R$ 10 mil a cada dia que mantivéssemos o nosso site do ar dali pra frente. Esta informação é pública, está no processo.

Mais: não satisfeito, o jornal pedia ainda uma compensação financeira extra, por danos morais. Tudo argumentando que tratava-se apenas de seu direito de proteger a marca, que nada tinha a ver com o conteúdo crítico. E agora, neste domingo, obrigada por Caetano, a empresa repete sua vergonhosa versão, tanto em sua versão on-line como na impressa: “O compositor se refere à ação movida pela Folha contra o blog Falha de S. Paulo, criado pelos irmãos Mario e Lino Bocchini, por violação da propriedade da sua marca – e não por parodiar o jornal”.

Ã-hã… De Marcelo Tas a Gilberto Gil (que bem lembrou que Caetano no passado muitas vezes usou a expressão Falha para referir-se à Folha), passando por toda blogosfera nacional, ninguém teve dúvidas do que se tratava: uma clara e violenta censura bancada pela Folha. E que obteve sucesso, nos tirando do ar.

As consequências são ainda piores: por seu caráter inédito na literatura jurídica brasileira, pode abrir uma jurisprudência, um precedente nocivo a todos nós. Por essa singularidade, o caso foi notícia internacional. Wired, Financial Times e outros destacaram o processo. A organização Repórteres sem Fronteiras condenou a censura em um comunicado que circulou mundo afora em três línguas. Julian Assange condenou duramente a censura da Folha em entrevista ao Estadão. E por aí foi.

Mas voltemos a Caetano e as biografias. Por que ele citou o caso da Falha? Me parece claro que era um recado querendo dizer algo como: “Folha, você que censurou um blog não tem moral para me chamar de censor”.

No fundo Caetano e Folha têm, em comum, um desejo muito grande de controlar sua imagem, e querem fazê-lo a qualquer custo – inclusive sacrificando a liberdade de expressão do país inteiro, por exemplo.

Como se fosse possível, no mundo atual, alguém ter controle total da imagem do que for. Nem o ditador norte-coreano King Jon-Il consegue. Caetano e Folha estão irmanados nessa discussão, tentando cada qual esconder sua “Falha”. O divertido é que agora não é mais uma briga de Davi contra Golias, como Susana Singer, a ombudsman do jornal, classificou a disputa minha e de meu irmão com a Folha. Agora é Golias contra Golias. Que sigam brigando por muito tempo e expondo as vísceras de parte a parte. Ganham o Brasil e a liberdade de expressão.

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P.S.: A ação da Falha está no seguinte pé: Nos julgamentos de 1ª e 2ª instância o jornal teve sua vitória (segue vetado o endereço www.falhadespaulo.com.br ), mas tivemos as nossas (a Justiça liberou a crítica e derrubou as ameaças financeiras). Mas não estamos satisfeitos. Eu e meu irmão estamos cuidando dos trâmites burocráticos para ir ao STJ e/ou STF, pedindo em Brasília o direito de voltar ao ar. Caetano e Folha que nos desculpem, mas liberdade de expressão não pode ser pela metade.

(Lino Bocchini é editor de mídia on-line de CartaCapital. Este texto foi publicado originalmente no Blog do Lino.)

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