A Bahia é Afro-Barroca. Por Sérgio Siqueira
Apesar da agitação, invasões,miséria, violência, carros para cima e pra baixo, você ainda vê a velha Salvador, imaginário que já foi do mundo. Os pássaros que cantam sumiram, um ou outro que aparece meio perdido, é logo pego e posto na gaiola, apesar da lei dizer que prender pássaros da fauna brasileira é crime sem fiança, cana.
De manhã cedo as gaiolas desfilam pela Garibaldi e outras avenidas, com os derradeiros papa-capins.
A verdadeira Bahia , você ainda enxerga na saída do ilê da Liberdade, na criação de Mateus Aleluia, na pulsação da Baiana System, na orquestra Rumpilez, nos dinossauros , como Riachão e Novos Baianos, só citando 2 exemplos, únicos, sempre atuais, basta ouvi-los ou assistir os brilhantes documentários ” Riachão e “Os Filhos de João” o primeiro de Jorge Alfredo e o outro de Henrique Dantas, ambos vencedores em Brasília.
A Bahia está em Roberto Mendes e ultimamente vi 4 músicas dele de abalar, em parcerias com Jorge Portugal e Capinam. Tenho também acompanhado alguns coletivos de arte que buscam o novo e tem coisas interessantes. Acompanhei Rebeca Matta, artista de alma, costurar com sua turma o manto do bispo Rosário, tão bem interpretado pelo ator João Miguel, que realmente transcendeu.
A tradição e a vanguarda sempre foi a cara da Bahia e temos que reverenciar Edgard Santos que implantou pioneiramente as Universidades de Arte no Brasil, trazendo profissionais a frente do tempo para cá, que se encantaram ao se depararem com nossa cultura popular, ensinaram, aprenderam, misturaram. Aqui a vanguarda bebe na fonte da raiz, tem muitas fontes e matrizes fortes é cultura forte, elas são o alimento para o novo.
Quem quiser conhecer a Bahia , tem que ir pelas quebradas, o poeta Manoel de Barros já dizia, que é la que estão os melhores araticuns. Aqui o heroí é o Caboclo e o ídolo maior, embora oficialmente não achem, é Gregório de Mattos, que deveria ter estátua no Pelourinho e a peça apresentada pelo ator Ricardo Bitencourt, percorrendo as escolas da cidade. Quer queiram ou não, em Gregório está a alma baiana, que muitos torcem o nariz e tem medo, por ele não ter tido papas na língua, Gregório não tinha, carimbou a cidade, como a cidade dos dois F e foi expulso dela, era perigoso para o sistema.
Essa cidade unida ao Recôncavo pela baía de Todos os Santos é afro-barroca, por isso única. Mateus Aleluia em entrevista a Andrezão Simões, no Roda, explicou essa simbiose de uma maneira simples, e queiram ou não, são essas duas vertentes que dão a base sólida a nossa cultura. Mateus Aleluia ao falar de sua infância e de sua formação contou, uma lembrança forte, aquela que quando você é criança, ela entra no subconsciente e não sai mais, ele disse :
” Em Cachoeira eu dormia com as batidas de atabaques e os cânticos dos terreiros de candomblé que chegavam até a cidade, rompendo o silêncio da noite. E acordava, com o repicar dos sinos das igrejas e os cantos gregorianos e rezas em latim “.
A Bahia é isso, Afro Barroca por natureza.