Aldeia Nagô
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A Batalha de Honduras e a América Latina por Greg Grandin – The Nation

9 - 13 minutos de leituraModo Leitura

A obstinação de Micheletti foi encorajada por aqueles que vêem a crise
em Honduras como uma chance de interditar o avanço da esquerda na
América Latina. Um mês e meio depois de Zelaya ter sido afastado, o
pequeno e desesperadamente pobre país da América Central se tornou
palco de uma grande batalha que poderá desenhar a política hemisférica,
inclusive a política externa de Barack Obama, para os próximos anos. A
fixação em Chávez é muito útil para desviar a atenção da pobreza que
corrói a região, bem como do fracasso do modelo econômico neoliberal
promovido por Washington nas últimas décadas. O artigo é de Greg
Grandin.


Roberto Micheletti, que tomou o poder em Honduras depois do golpe de 28
de junho, tem estado sob intensa crítica da comunidade internacional
por rejeitar um compromisso negociado pelo presidente Oscar Arias, da
Costa Rica, o qual permitira a Manuel Zelaya, o presidente
democraticamente eleito, forçado ao exílio pelos militares, retornar
como líder de um governo de reconciliação. Mas a obstinação de
Micheletti foi encorajada por aqueles que vêem a crise como uma chance
de interditar o avanço da esquerda na América Latina. Um mês e meio
depois de Zelaya ter sido afastado, o pequeno e desesperadamente pobre
país da América Central se tornou palco de uma grande batalha que
poderá desenhar a política hemisférica, inclusive a política externa de
Barack Obama, para os próximos anos.

Nos anos de 1980 Honduras
serviu como um estágio para as operações anticomunistas de Ronald
Reagan na Nicarágua, em El Salvador e na Guatemala, e como um portal
para a Nova Direita Cristã derrotar a Teologia da Libertação. A cruzada
anticomunista da América Central tornou-se algo como o esquadrão da
morte do Código Da Vinci, agregando um bloco carnavalesco incluindo a
primeira geração de neocons, torturadores latino-americanos,
oligarquias regionais, cubanos anti-Castro, mercenários, ideólogos do
Opus Dei e enormes púlpitos evangélicos.

A campanha para
expulsar Zelaya e impedir sua restauração ao poder reuniu os velhos
camaradas dessa batalha, inclusive figuras sombrias, como Fernando
"Billy" Joya (que, nos anos 80 foi membro do Batalhão 316, uma unidade
paramilitar hondurenha responsável pelo desaparecimento de centenas, e
que agora trabalha como assessor de segurança de Micheletti) e os
veteranos do Irã-Contras, como Otto Reich (que dirigiu o gabinete de
diplomacia pública de Reagan, que malversou o dinheiro público para
manipular a opinião pública a apoiar a guerra dos Contra contra a
Nicarágua). Os generais hondurenhos que depuseram Zelaya receberam seu
treinamento militar no auge da guerra suja, inclusive com cursos na
notória Escola das Américas. E a atual crise revela uma química
familiar entre as hierarquias católicas conservadoras e os Protestantes
evangélicos que, com uma mão deram suporte ao grupo, e cristãos
progressistas que estão sendo atacados pelas forças de segurança, pela
outra.

Aliados à coalizão do golpe estão novos atores, como o
venezuelano Robert Carmona Borjas, que em 2002 se envolveu na tentativa
de derrubar o presidente venezuelano Hugo Chávez. De acordo com a
analista de América Latina Laura Carlsen, Carmona, trabalhando junto
com Reich, voltou suas atenções para Honduras depois do fracasso na
tentativa deter a vitória eleitoral da esquerda na Venezuela. Começando
em 2007, a Fundação Arcadia de Carmona lançou uma campanha midiática
para desacreditar Zelaya, acusando seu governo de corrupção. Como
escreveu Carlsen, a "natureza politizada da ofensiva anti-corrupção da
Arcadia estava clara desde o começo". Carmona, bem como Otto Reich,
acusaram o presidente Zelaya de ‘cumplicidade’ com vários crimes. A
cruzada foi similar ao modo como o Instituto Republicano Internacional
ligado a grupos de "promoção da democracia" desestabilizaram o
presidente haitiano Jean-Bertrand Aristide, resultando em sua derrubada
em 2004.

Outro recém chegado na batalha é Lanny Davys,
ex-assessor de Hillary Clinton e atual lobista, que foi contratado
pelos empresários que deram suporte ao golpe para pressionar o
Departamento de Estado de Clinton a reconhecer o governo Micheletti. A
ala de Clinton no Partido Democrata tem vínculos profundos com
neoliberais latino-americanos que presidiram as ruinosas políticas de
liberalização de mercados nos anos de 1990, agora vastamente deslocadas
do poder por novos membros da esquerda regional. Os consultores de
pesquisas de Clinton, como Stanley Greenberg e Doug Schoen, vêm
trabalhando em muitas de suas campanhas eleitorais [da América Latina],
sempre do lado perdedor.

Três anos atrás a região, localizada
na esfera de influência dos EUA pelo Acordo de Livre Comércio da
América Central, parecia imune às mudanças que vinham ocorrendo na
América do Sul, que tinham levado a esquerda ao poder na maioria dos
países. Mas então, os Sandinistas voltaram ao poder na Nicarágua em
2006. Recentemente, a FMLN [Frente Farabundo Martí de Libertação
Nacional] ganhou a presidência em El Salvador, e a Guatemala, liderada
pelo presidente de centro-esquerda Álvaro Colom, está testemunhando o
ressurgimento de um pesado ativismo, a maior parte contra as
corporações transnacionais que exploram minérios e biocombustíveis.

Em
Honduras, Zelaya agitou o cenário ao aumentar o salário mínimo e pedir
desculpas pelas execuções de crianças de rua e membros de gangues,
levadas a cabo pelas forças de segurança, nos anos 90. Ele fez
movimentos para reduzir a presença do exército dos EUA e se recusou a
privatizar a Hondutel, a empresa estatal de telecomunicações, uma
negociação que Micheletti, como presidente do Congresso, pressionou
para que se realizasse. Zelaya também vetou a legislação, apoiada por
Micheletti, que baniu a venda da pílula do dia seguinte. Considerando o
vergonhoso apoio do presidente nicaraguense Daniel Ortega às posições
anti-aborto da igreja católica, a qual resultou numa legislação que
condena a trinta anos de prisão a mulher que o praticar, essa foi
talvez a medida mais corajosa tomada por Zelaya. Ele também aceitou
ajuda internacional, na forma de petróleo a baixo custo da Venezuela.
Seria impossível superestimar o ódio que a classe dominante da América
Central tem de Chávez, cuja presença é vista por trás de todos os
protestos massivos e de todas as manifestações pela democratização
política e econômica da região. O presidente de um conselho empresarial
hondurenho disse recentemente que Chávez "tinha Honduras na sua boca.
Ele era um gato com um rato na boca, que foi embora".

A
fixação em Chávez é muito útil para desviar a atenção da pobreza que
corrói a região, bem como do fracasso do modelo econômico neoliberal
promovido por Washington nas últimas décadas. Quarenta por cento dos
centro-americanos, e mais de 50% dos hondurenhos vivem na pobreza. A
obsessão por Chávez também distrai do fato de que sob a igualmente
desastrosa "guerra contra as drogas" de Washington, os cartéis do
crime, profundamente arraigados nas famílias das oligarquias militares
e e tradicionais, levou boa parte da América Central à condição que o
Gabinete para a América Latina de Washington chama de "estados
cativos".

Para a Casa Branca, Honduras está provando ser um
difícil e inesperado teste de política externa. Depois de condenar o
golpe, Obama entregou a gestão da crise ao Departamento de Estado. Em
vez de trabalhar diretamente com a Organização dos Estados Americanos
(OEA), a Secretária de Estado Hillary Clinton nomeou unilateralmente
Oscar Arias, quebrando compromissos e ignorando as preocupações de
muitos outros governos latino-americanos de que negociações garantiriam
muito mais legitimidade ao golpe. Até agora Clinton tem relutado em
aplicar uma série de possíveis sanções, inclusive congelando contas
bancárias daqueles que protagonizaram o golpe, para forçar Micheletti a
aceitar o plano de Arias. E para aqueles que vêem Micheletti como a
última linha contra o avanço de chavismo – seja em Honduras, na
Guatemala, El Salvador ou em qualquer outro lugar da América Latina – o
retorno de Zelaya, mesmo a tão poucos meses de término do seu mandato,
é inaceitável.

No fim dos anos 70 a revolução sandinista
revelou os limites da tolerância de Jimmy Carter com o nacionalismo do
Terceiro Mundo. Quanto mais Carter tentava apaziguar os falcões na sua
administração, mais ele era acusado de vacilar, pavimentando assim o
caminho para os neoconservadores sob Reagan, para usar a América
Central como amostra de sua linha dura.

Hoje, uma dinâmica
similar está tomando lugar. Os republicanos se alinharam ao redor de
Micheletti, enviando uma delegação congressual, liderada por Connie
Mack para visitar Tegucigalpa. Em mais uma página da história da
estratégia da direita na América Latina, eles acusaram Obama,
associando-o com Chávez. Obama disse: "Esse é o tipo de expediente
ostensivo que os Republicanos, fora da agenda doméstica, vêm adotando.
A posição da Venezuela em Honduras é idêntica à do Brasil e do Chile –
e, nessa questão, a da União Européia". Mas os ataques da direita são
efetivos, em larga medida porque assim auto-descritos liberais
repetidamente se enfileiram na demonização não apenas de Chávez, como o
fez Lanny Davis recentemente, mas também de esquerdistas como Evo
Morales e Rafael Correa, no Equador.

No começo de Agosto, o
Departamento de Estado pareceu estar dando suporte aos republicanos,
declarando numa carta ao senador republicano Richard Lugar que "as
ações provocativas" de Zelaya "desencadearam os eventos que levaram ao
seu afastamento". Essa declaração, bem como os mornos esforços para
pressionar Micheletti, são um mau presságio quanto à disposição da
administração Obama em resistir à pressão da direita.

O
próprio Obama continua a enviar sinais confusos. Numa cúpula de
presidentes do México, Canadá e EUA em Guadalajara, em agosto, ele
reclamou que "os críticos que dizem que os EUA não intervieram
suficientemente em Honduras são os mesmos que dizem que sempre
interviemos e que os Yankees precisam sair da América Latina. Não se
pode ter ambas as coisas". Contudo, ninguém na América Latina está
pedindo uma intervenção unilateral dos EUA, mas, antes, que Washington
trabalhe multilateralmente com a OEA. Ao nomear Oscar Arias, os Estados
Unidos efetivamente sobrepujaram a OEA. Assim como Obama fez essas
observações, os presidentes da América do Sul, que se encontraram em
Quito, no Equador, reafirmaram sua condenação do gole e disseram que
não vão reconhecer qualquer presidente eleito sob o atual regime – um
passo que o Departamento de Estado de Clinton se recusou a dar.

O
fracasso em restaurar o poder de Zelaya enviará uma clara mensagem aos
conservadores latino-americanos de que Washington tolerará golpes, uma
vez que esses tenham sido propiciados com o pretexto democrático. Como
observou recentemente o historiador Miguel Tinker num ensaio publicado
em Common Dreams
eles já entendem que Honduras pode ser um ponto de virada. Um homem de
negócios conservador venceu a presidência no Panamá. Em junho, na
Argentina, o partido de centro-esquerda peronista de Cristina Fernández
sofreu uma derrota relativa e perdeu o controle do Congresso. E
pesquisas mostram que as próximas eleições presidenciais no Chile e no
Brasil possivelmente implicarão perdas maiores para a esquerda.

Enquanto
isso, Zelaya está convocando apoiadores dos arredores para pressionarem
pelo seu retorno. Em Honduras, os protestos continuam e a contagem de
corpos dispara. Ao menos 11 apoiadores de Zelaya foram assassinados
desde o golpe. O último, Martín Florencio Rivera, foi apunhalado até a
morte depois de ter deixado o velório de uma outra vítima. Micheletti,
por sua vez, está recolhido em Tegucigalpa, apostando que pode
alavancar, por fim, o apoio internacional, até que a agenda da eleição
presidencial em novembro seja regularizada. O curso futuro da política
latino-americana pode estar em jogo.

Greg Grandin é
professor de história na New York Univesity e um dos grandes
especialistas em história latino-americana dos Estados Unidos. É autor
do recentemente publicado Empire’s Workshop: Latin America, The United
States, and the Rise of the New Imperialism(Metropolitan).

Artigo publicado originalmente no The Nation, em 12 de agosto de 2009

Tradução: Katarina Peixoto

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