A boa hora da comunicação alternativa por Flávio Aguiar
Uma boa parte da mídia
alternativa no Brasil se faz com organizações do tipo empresarial,
ainda que, em geral, sejam pequenas ou médias empresas (ou
cooperativas), por oposição às grandes corporações que dominam os
mercados privados publicitários e/ou de concessão de verbas públicas.
Está mais do que na hora de se buscar regras de financiamento que, para
além das visões mercadológicas estreitas, garantam uma verdadeira
pluralidade na construção da informação no Brasil. O artigo é de Flávio
Aguiar.
Surge
em boa hora a proposta de criação de uma Associação Brasileira de
Empresários da Comunicação Alternativa. Ela vem maré montante da 1ª
Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que se realizará de 14
a 17 de dezembro próximo, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em
Brasília. A proposta é pertinente, inclusive, a partir do uso da
palavra "Alternativa" para qualificar o empreendimento e, por tabela,
seus empreendedores.
A expressão não vem sem controvérsia. Há
quem a repudie, por várias razões. Primeiro, vamos a um pouco de
história. A expressão "Imprensa alternativa" (então se falava muito
pouco em "mídia") ganhou ímpeto no Brasil dos anos 70 (1) . Ela
surgiu de várias fontes (entre elas esse escriba), como uma resposta ao
carinhoso apelido que o escritor João Antonio deu aos jornais, em geral
pequenos, que se contrapunham à censura da ditadura militar e à
auto-censura praticada no jornalismo convencional brasileiro: "imprensa
nanica".
O termo "nanica" não ofendia nem desqualificava. Pelo
contrário, trazia à tona a metáfora de Davi contra Golias. Pitoresco,
dava o sabor de um certo heroísmo, quixotesco ou não, à atividade dos
grupos de jornalistas e intelectuais que se reuniam em cooperativas ou
com outras formas de organização para se opor à hegemonia que a
ditadura e a auto-proclamada "grande imprensa" construíam diariamente
no campo da informação – não sem conflitos entre si, como atestam os
casos de censura, por exemplo, ao Estadão e em outros episódios.
Mas
se ele não desqualificava, tampouco qualificava muito. Não me refiro ao
campo moral, mas sim ao conceitual. Deixava brechas importantes. Por
exemplo: como qualificar o gigantesco empreendimento de Última Hora, de
Samuel Wayner, de quem nos considerávamos herdeiros? Esse
empreendimento nada tivera de "nanico". Mas fora sim alternativo.
Alternativo a quê? À busca de hegemonia pela então "grande imprensa" na
sua luta (sanha, talvez) para derrubar Getúlio Vargas. O Tribuna da
Imprensa, de Carlos Lacerda, era, na verdade, um "nanico" que só
cresceu com o manto protetor de Roberto Marinho, com seu O Globo, e de
outros órgãos da imprensa conservadora.
Assim, "na história
brasileira os freqüentes alternativos seriam jornais [ou mídia, no
sentido atual, mais amplo] que se oporiam ou se desviariam das
tendências hegemônicas na imprensa convencional brasileira, que esta
pretende [cartelizando-se] tornar hegemônicas no país" (2).
Além
de ter profundidade histórica, a expressão "alternativa (o)" ganhou
ampla aceitação acadêmica. O exemplo mais conspícuo disso é o clássico
Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa, de
Bernardo Kucinski (3), tese de doutorado defendida pelo autor
em 1991, na ECA/USP. Também deve-se citar que o termo "alternativa (o)"
tem larga aceitação internacional, em várias línguas, na esteira do
pensamento de Noam Chomsky, Edward S. Herman, Mike Gunderloy e outros,
em contraposição ao que denominam, em inglês, a "mainstream mídia",
que, valendo-se do "propaganda model", definido pelo primeiro, perseguiriam a construção de um "manufactured consent".
Os
que se opõem ao termo preferem, em geral, outras expressões, mas elas
padecem de particularismo (como no caso de "mídia de esquerda", "dos
trabalhadores", "popular", etc.) ou vão ao encontro de palavras que os
próprios próceres da mídia convencional (também chamada de corporativa
ou conservadora) usam para se qualificar: "livre", "independente", por
exemplo. Pode-se perguntar: "livre" ou "independente" do quê? Essas
últimas expressões recendem a uma visão também convencional, aquela
mesma que quer vender o peixe de que é possível um jornalismo "isento",
"neutro", e outros pingentes da coroa liberal com que a mídia
tradicional quer se cingir.
Quanto ao fato da proposta ser para
a formação de uma associação de empresários, também isso vem em boa
hora. É inegável que uma boa parte da mídia alternativa no Brasil se
faz com organizações do tipo empresarial, ainda que, em geral, sejam
pequenas ou médias empresas (ou cooperativas), por oposição às grandes
corporações que dominam os mercados privados publicitários e/ou de
concessão de verbas públicas, mediante publicidade ou outros meios
(isenção de impostos, etc.). Está mais do que na hora de se buscar
regras de financiamento que, para além das visões mercadológicas
estreitas, garantam uma verdadeira pluralidade na construção da
informação no Brasil, para que, ao invés do "manufactured consent"
que a "grande mídia" quer impor cotidianamente, se dêem asas a
possibilidade da dissensão, do contraditório, do múltiplo, em larga
escala.
Esperemos que a iniciativa se concretize, já a partir da 1ª Confecom.
Notas
(1)
V. Aguiar, Flávio – "Imprensa alternativa: Opinião, Movimento, Em
Tempo". Em Martins, Ana Luiza e De Luca, Tânia Regina (orgs.) –
História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008.
(2) V. Aguiar, Flávio – op. cit., nota 1, p. 236.
(3) São Paulo: Edusp, 2003. 2a. ed.
Artigo publicado originalmente em http://www.cartamaior.com.br