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Aldeia Nagô
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A cadeira do dragão e o Coração de Estudante. Por Renato Queiróz

7 - 10 minutos de leituraModo Leitura

O golpe militar de 1964, consumado no amargo Dia da Mentira, trouxe consigo uma ironia impossível de ignorar. Vendido como “Revolução Redentora de 31 de março”, o golpe foi, na realidade, consolidado em 1º de Abril, uma data que simboliza falsidade e artimanhas. Era como se o próprio tempo quisesse marcar o início de um regime que se sustentaria em violência e mentiras.

Senta que lá vem História!

Enquanto os tanques avançavam pelas ruas, os generais forjavam calendários, moldando a história à sua maneira. Mas não houve redenção, apenas repressão. Não houve revolução, mas sim um pesadelo: Congresso fechado, Constituição destruída, e uma nação silenciada por cassações, torturas e desaparecimentos.

Nas primeiras horas daquele 1º de abril, o Brasil acordava sob a sombra de uma ditadura que logo revelaria suas garras. Nos porões do DOI-CODI, o sofrimento era uma prática comum.

Havia o pau-de-arara, no qual vítimas eram penduradas em barras de ferro, braços e pernas amarrados, submetidas a espancamentos e choques elétricos que transformavam o corpo em instrumento de dor. O afogamento simulado em toneis – quando não era o afogamento real de prisioneiros jogados ao mar – mergulhava as vítimas num estado de desespero absoluto. Enquanto os gritos abafados ecoavam pelas paredes das celas, do lado de fora, famílias esperavam por corpos que jamais seriam devolvidos, enquanto vozes desapareciam e histórias eram brutalmente interrompidas.

A cadeira do dragão metálica e fria trazia descargas elétricas que pareciam apagar qualquer vestígio de humanidade. Era um sistema projetado para calar.

No meio desse terror, a juventude se levantava.

Edson Luís de Lima Souto tinha apenas 18 anos e carregava nos olhos a esperança de quem deixava Belém em busca de um futuro.

No Rio de Janeiro, encontrou no restaurante Calabouço não só refeições a preços acessíveis, mas também um espaço de convivência, troca de ideias e resistência. Aquele ambiente era mais que um abrigo para estudantes de baixa renda; era um ponto onde a juventude sonhava e conspirava por um país diferente.

Na tarde de 28 de março de 1968, o Calabouço, que transbordava de vida, tornou-se palco de sangue, gritos, tiros e silêncio.

Edson estava presente no protesto contra o aumento do preço das refeições, algo que feria diretamente aqueles que já viviam no limite. Não havia armas nos bolsos, apenas vozes. Mas a polícia militar respondeu com brutalidade.

Um tiro à queima-roupa atravessou o peito de Edson, calando uma vida inteira de possibilidades.

O restaurante, antes símbolo de união e força estudantil, virou palco de indignação. Aqueles que acompanhavam o jovem no momento do disparo recusaram-se a permitir que ele fosse apagado pela estratégia do regime.

A morte de Edson Luís não seria mais uma nas estatísticas frias e distorcidas. Ali, naquele instante, decidiu-se que seu corpo seria levado pelas ruas, não para morrer em segredo, mas para gritar. A dor individual de sua perda transformou-se num grito coletivo.

Os colegas de Edson, temendo que seu corpo fosse ocultado pelas autoridades, o carregaram em passeata pelas ruas do Rio de Janeiro, até a Assembleia Legislativa, na Cinelândia. Lá, o corpo foi velado, diante de uma multidão que se uniu em protesto contra o autoritarismo.

O velório tornou-se um símbolo de resistência: médicos realizaram a autópsia no local, sob olhares atentos, enquanto cartazes denunciavam a barbárie com dizeres como “Mataram um estudante. Podia ser seu filho”.

No dia seguinte, no centro do cortejo, o caixão seguia seu caminho lento, coberto pela bandeira do Brasil, como se a pátria carregasse consigo o peso de uma injustiça irreparável. Em volta, mãos firmes de estudantes, políticos e artistas sustentavam a madeira, não só como um símbolo, mas como um ato de resistência.

A multidão, silenciosa em sua indignação, preenchia as ruas. Eram cerca de 60 mil pessoas marchando lado a lado, com passos que pareciam ecoar o lamento de um país ferido.

Rosas eram lançadas das janelas e o silêncio respeitoso da população contrastava com a dor latente nas ruas.

A morte de Edson Luís não foi em vão: tornou-se um marco de resistência, alimentando as chamas da luta contra o regime.

A morte de Edson Luís de Lima Souto desencadeou uma onda de protestos. Em 21 de junho de 1968, o centro do Rio de Janeiro virou trincheira.

Helicópteros despejavam gás lacrimogêneo do céu, enquanto estudantes e manifestantes enfrentavam cassetetes e tiros no chão. A polícia avançava com brutalidade; a multidão resistia com coragem. A repressão tentou silenciar, mas a Sexta-feira Sangrenta ficou cravada na memória como símbolo de luta.

Lá embaixo, a polícia avançava, brutal e sem trégua, golpeando corpos e calando vozes. Mas os manifestantes permaneciam firmes, enfrentando tiros e cassetetes com pedras e coragem.

Era a juventude que carregava nas mãos pedras e coragem, e no peito o fogo da indignação. O gás sufocava, os golpes vinham sem aviso, mas os corpos permaneciam erguidos. De todos os lados, a cidade parecia convergir para aquele epicentro de luta e desespero. Por trás das barricadas improvisadas, cada rosto escondia um nome, um sonho, uma história — histórias que o regime tentava apagar à força.

Aquele dia foi mais que um confronto; foi uma declaração de que o povo, mesmo em tempos de terror, tinha voz. A violência era absurda, mas a resistência era maior.

A Sexta-feira Sangrenta não foi apenas um evento; foi uma cicatriz, uma memória viva que atravessa os anos, lembrando que a luta pela liberdade nunca se rende.

A Sexta-feira Sangrenta foi mais que um confronto; foi o desespero estampado nas ruas, uma explosão de resistência em meio ao terror. Os estudantes, inflados pela dor da perda de Edson Luís, levantaram-se como uma força implacável, determinados a não deixar que seu sacrifício fosse esquecido. Cada bomba que caía, cada golpe desferido, reforçava o grito de liberdade que ecoava pelas barricadas improvisadas.

Apesar da violência, a população uniu-se aos estudantes, transformando pedras e coragem em resistência.

Meses depois, em 26 de junho, ocorreu a Passeata dos Cem Mil, organizada pelos movimentos estudantis e apoiada por artistas, intelectuais e religiosos. O ato, pacífico e imenso, consolidou-se como uma resposta poderosa ao regime.

O AI-5, decretado em 13 de dezembro de 1968, cravou o ponto mais cruel da ditadura. Fechou o Congresso, esmagou direitos, instaurou a censura e tornou a repressão política de Estado. Sob seu peso, a tortura, os desaparecimentos e as prisões arbitrárias se transformaram em rotina.

A geração que havia gritado nas ruas com esperança agora vivia cercada pelo medo. Artistas, estudantes e trabalhadores foram silenciados pelo exílio, pela morte ou pela tortura nos porões do DOI-CODI.

Alguns procuraram resistir pela luta armada, a guerrilha, mas regime, sufocou, tornou o terror seu método, apagando vidas e sufocando sonhos. A liberdade, naquele momento, era apenas uma memória distante.

Décadas depois, a memória de Edson Luís e de tantos outros encontrou voz em “Coração de Estudante”.

A música, composta por Wagner Tiso e eternizada por Milton Nascimento, carrega a inspiração da flor de mesmo nome, delicada, resiliente, que floresce em terras brasileiras como símbolo de resistência.

A melodia que viria a ecoar nos corações brasileiros nasceu das mãos hábeis de Wagner Tiso para o documentário Jango (1984), obra-prima do cineasta Silvio Tendler.

Nas telas, as imagens em preto e branco dançavam ao som daquela composição, tecendo a trágica epopeia de João Goulart – do sorriso confiante ao exílio forçado, da esperança democrática à noite escura da ditadura. Tendler, com sua câmera compassada, transformava cada quadro em páginas vivas de um livro que o Brasil teimava em não ler.

O cineasta dos sonhos interrompidos não se contentava em apenas registrar a história – ele a devolvia ao povo como espelho e martírio. Em Os Anos JK (1980), capturou o otimismo de uma era que prometia cinquenta anos em cinco, mas terminava em desilusão e morte suspeita. Em Tancredo – A Travessia (2010), revisitou a agonia de um país que, após respirar os ares da liberdade, via seu presidente eleito definhar em cirurgias complicadas. Cada filme seu é um ato de resistência, um grito contra o esquecimento.

Quando as ruas explodiram no clamor das Diretas Já (1983-1984), era a própria nação que se tornava protagonista de um documentário vivo.

Dante de Oliveira, autor da emenda das Diretas Já e Ulisses Guimarães eram meros condutores daquela torrente humana que inundava as praças.

Na Praça da Sé, um milhão de vozes desafiavam o silêncio imposto por vinte anos de chumbo. A derrota da emenda foi apenas um round – a luta continuaria nos corredores do Colégio Eleitoral, onde Tancredo Neves emergiu como símbolo de conciliação.

A eleição de Tancredo em 1985 trouxe o cheiro de chuva após longa estiagem. O país se preparava para o banquete da redemocratização quando, cruel ironia, o convidado de honra adoeceu. Suas últimas semanas foram um calvário público – cirurgias, boletins médicos, o vai-e-vem de políticos no hospital. Quando a morte finalmente veio em 21 de abril, era como se o próprio Brasil tivesse perdido o pai que o levaria de volta à democracia.

E assim, enquanto a melodia segue ecoando como testemunha silenciosa de nossa história, aprendemos que nenhuma ditadura – nem a das armas, nem a dos algoritmos, nem a do esquecimento – consegue apagar por completo a voz de um povo que insiste em cantar, em lembrar e em sonhar.

A música que nasceu para documentar o passado transformou-se em promessa: por mais que tentem impor novos silêncios, sempre haverá um coração de estudante pulsando nas ruas, um verso de protesto ecoando nas esquinas, uma memória viva a nos lembrar que ditadura nunca mais – em nenhuma de suas roupagens.

DITADURA NUNCA MAIS!

Aqui, Milton Nascimento e Wagner Tiso apresentaram Coração de Estudante em 2013, no Canal Brasil, como parte de uma celebração de suas carreiras e da importância histórica da música.

SONZAÇO!

Renato Queiroz é professor, compositor, poeta e um apaixonado pela história da música,.

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3 comentários

  • MESSIAS FRANCA DE MACEDO disse:

    Professor Renato, parabéns!
    Texto lapidar.
    Além de uma revisão histórica científica, uma narrativa que nos emociona no fundo da alma – e nos adverte: “O golpismo ainda não foi vencido.” Ministro Alexandre de Moraes.

    • Renato Queiroz disse:

      Messias, fico imensamente grato pela sua mensagem tão generosa sobre o texto que escrevi. Saber que ele conseguiu tocar e trazer reflexões importantes sobre a democracia é algo que me dá força para continuar. O nosso compromisso com a luta pela democracia permanece firme, sempre! Obrigado por suas palavras de incentivo e reconhecimento! Abraço!

      Agradeço também o link que você me enviou, e aqui compartilho.

      Em suas palavras:

      (…) uma argumentação respaldada porquanto proferida por um professor e emérito intelectual – e que não pertence ao campo da esquerda.”

      https://www.instagram.com/reel/DH9Nlm0SkCA/?igsh=emdicTc5cDJxNW4x

  • Carolina Gomes disse:

    Texto intenso e marcante, como esses dias, meses, anos de violência, tortura e morte, que ainda hoje tem gente que quer reeditar.
    Que sempre haja milhões de corações de estudantes a abafar a crueldade e estupidez dos tiranos de plantão.
    Parabéns pelas palavras, meu caro amigo!

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