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A camiseta de Lula e a ONU por Vitor Hugo Soares

4 - 6 minutos de leituraModo Leitura

O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na ONU, denunciando os golpistas de Honduras, trouxe a memória o sindicalista Lula de quatro décadas atrás.






Foi
um impacto, não nego. A câmera da televisão enquadrou a cara enfezada de Luiz
Inácio Lula da Silva com toques de algum aprendiz americano do baiano Glauber
Rocha. Era quarta-feira, 23 de setembro de 2009 e o presidente do Brasil
caminhava para a tribuna onde faria, por praxe diplomática, o primeiro discurso
na abertura da 64ª Assembleia Geral das Nações Unidas – proeminência da qual o
dirigente brasileiro soube tirar proveito como raramente se viu naquele pedaço
globalizado de Nova Iorque.

Mesmo
metido em terno de corte impecável, cabelo e barba agora tomados de incontáveis
fios brancos – mas aparados e cuidados por bom barbeiro de Brasília ou de São
Bernardo – a imagem que a TV mandava para o mundo, empurrava a memória para São
Paulo de uns 30 anos atrás.

A
cidade onde em cada esquina se vendia aquela camiseta de algodão, com o desenho
do então líder dos operários metalúrgicos do ABC. Lula com pinta de "sapo
barbudo", como definiu o gaúcho Leonel Brizola ao retornar do longo exílio
decorrente do golpe que derrubou o governo democrático do presidente João
Goulart. Na camisa, o desenho do rosto do então líder operário de cabelos
desgrenhados, cara amarrada, e o aviso escrito em tom vermelho: "Não mexa
comigo. Hoje eu não tô bom!"

Lembram?
Até em Montevidéu e Buenos Aires vi algumas delas penduradas nas barracas da
feira de San Telmo e nos quiosques da Corrientes ou, do outro lado do Rio da
Prata, na Avenida 18 de Julio, onde ainda era possível tropeçar com exilados
brasileiros em cada esquina, mesmo depois da expulsão de Brizola para os
Estados Unidos, pelos ditadores da turma da Operação Condor que mandavam por
lá.

Mas
o que quero mesmo dizer é: raras vezes nos últimos tempos, Lula esteve tão
parecido com o cara da camiseta, como nesta semana, em Nova Iorque. É só
conferir as imagens – o que não é fácil, porque a mídia brasileira
(especialmente os jornais impressos e as grandes redes de TV), cobriu o assunto
com displicente e estranha má vontade. Quase sempre em tom irônico ou
abertamente ofensivo em relação às vítimas do golpe e benevolente, para dizer o
mínimo, com os golpistas.

Vale
observar que Lula modificou de última hora sua fala do chefe de Estado sobre
temas mundiais mais candentes – como a crise financeira que amedrontou o mundo
e o aquecimento global que ameaça o futuro do planeta – para introduzir um tema
tipicamente latino-americano. A velha e sempre daninha tentação golpista contra
regimes democráticos e as liberdades fundamentais no continente.

Esta
questão, que parecia superada, foi retomada em junho passado, a partir da
surpreendente, audaciosa e violenta deposição do presidente eleito de Honduras.
Sob o argumento que tentava convocar um plebiscito para mudar a constituição e
poder disputar um segundo mandato, Manuel Zelaya foi tirado da cama de
madrugada, de pijama, com armas apontadas para sua cabeça por milires
emcapuçados. Levado à força para o aeroporto, foi posto dentro de um avião
militar e expulso de seu país e do governo legitimamente conquistado.

Episódio
que agora recrudesce com consequências imprevisíveis, a partir do retorno do
presidente – de surpresa para o ditador civil posto em seu lugar – , abrigado
na embaixada brasileira em Tegucigalpa, em meio a cortinas de fogo e fumaça que
o episódio levanta. Lula, o primeiro a gritar na primeira hora do golpe, não
muda de tom.

Na
ONU defendeu a imediata recondução do presidente eleito de Honduras ao cargo e
exigiu a inviolabilidade da embaixada brasileira como preliminar para outras
negociações legais e diplomáticas. Disse de forma clara e com a expressão
apropriada, que se o fórum mundial em geral, e em particular o Conselho de
Segurança não tomar uma posição firme desta vez sobre a crise em Honduras,
outros golpes se seguirão.

"Não
somos voluntaristas. Mas sem vontade política não se pode enfrentar e corrigir
situações que conspiram contra a paz, o desenvolvimento e a democracia… A
comunidade internacional exige que Zelaya reassuma imediatamente a Presidência
de seu país e deve estar atenta à inviolabilidade da missão diplomática
brasileira na capital hondurenha".

Ontem,
em Pittisburgh, onde desembarcou para a reunião do G-20, o presidente não
baixou o tom. Insiste na urgência do Conselho de Segurança da ONU entrar com
firmeza no caso, "pois os golpistas estão exagerando, estão quase exigindo que
o presidente eleito democraticamente peça desculpas por estar em Honduras".

E
reservou as farpas finais para os que seguem firmes nas teorias de conspiração
do Brasil mexendo os cordões em Honduras, ou priorizam nos espaços de
informação mais o chapelão de Zelaya que a efetiva cobrança de responsabilidade
dos que tocam, de fato, esta nova aventura golpista na América Latina.

"Vocês
vão ter que acreditar num golpista ou em mim"
, disse Lula, ainda sem tirar a camiseta dos anos 70.

Façam suas apostas

Artigo publicado originalmente na revista digital Terra Magazine

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