A desimportância do ex-PFL Por Maria Inês Nassif
Ex-PFL, cada vez menos
importante: O DEM conseguiu adiar o seu encontro com o passado até 2002,
quando rompeu com o PSDB e deixou de ser seu aliado preferencial. De lá para cá,
a lufada de ar obtida com a reconciliação com o PSDB, já no governo Lula, não
foi suficiente para deter a queda livre da importância do partido na democracia
representativa brasileira. Partido com organização muito semelhante à do PMDB –
é muito regionalizado, suas lideranças locais são altamente dependentes de
verbas de governos para manter a máquina partidária funcionando e não tem
lideranças nacionais capazes de viabilizar um projeto próprio de poder -, ganha
daquele partido, no entanto, em coesão interna e clareza ideológica.
Jamais
conseguiu romper, todavia, a contradição entre a convivência entre uma estrutura
partidária arcaica na base, que o sustentou enquanto esteve no governo nos
Estados mais pobres e atrasados da Federação e foi aliado ao governo federal, e
uma unidade ideológica na cúpula.
A radicalização da política em torno do PT e do PSDB tornou a
situação do ex-PFL muito delicada. Nos oito anos de governo Fernando Henrique
Cardoso (PSDB), em que houve uma harmoniosa aliança dos tucanos com o
liberalismo, o DEM se viu perdendo cada vez mais espaço como representação
ideológica dos setores conservadores. O PSDB, mais organizado nas regiões mais
ricas do país, teve chance maior de crescer junto a esse eleitor. A retórica,
hegemônica no período, de que a modernização do país obrigatoriamente passava
pela desregulamentação da economia, colou muito mais no PSDB do que no então
PFL. A imagem do partido, afinal, estava muito distante de tudo o que se
imaginasse como moderno: era um racha do PDS, partido que apoiou a ditadura
militar, e suas lideranças regionais não apenas eram oligarquias estaduais, mas
se projetaram nacionalmente como quadros políticos do regime
militar.
Ao longo da sua existência, o partido teve formuladores
(coisa que o PMDB jamais conseguiu depois da redemocratização) que detectaram
essas dificuldades estruturantes de organizar o partido como alternativa de
poder. O PFL sempre sobreviveu como apêndice de um projeto político que não era
seu. Durante os governos FHC, lideranças mais arejadas tentaram remover esses
obstáculos. O político que mais conseguiu andar nessa direção foi o deputado
Luiz Eduardo Magalhães, morto precocemente. As tentativas recentes, de guindar a
posições de comando políticos jovens, não conseguiram sequer arranhar a imagem
consolidada do partido, de arcaismo político.
A aliança do DEM com o PSDB em São
Paulo, que fez Gilberto Kassab chegar à prefeitura da capital, era a esperança
de tirar esse estigma da legenda conservadora e tentar crescer no Sudeste o que
decresceu no Norte e no Nordeste, em função da alta popularidade do presidente
Lula nas duas regiões. O último ano de governo do prefeito da maior capital do
país, no entanto, não foi dos melhores do ponto de vista administrativo. A
imagem de "gestão moderna" pode estar se desfazendo na água da chuva, assim como
está longe de ser anódina para a sua popularidade e para a do seu partido a sua
cassação pela Justiça Eleitoral, mesmo que ela tenha sido suspensa até o
julgamento da sentença pela segunda instância.
O escândalo do Distrito Federal, que levou para a cadeia José
Roberto Arruda, o único governador eleito pelo partido em 2006, e os problemas
enfrentados na capital paulista com a justiça desmontam o recurso político que
ainda deu algum gás ao ex-PFL enquanto este se manteve na oposição. A estratégia
foi a de tentar compensar as perdas que obteve enquanto purgava na oposição (a
estrutura de voto do DEM é dependente do poder público e sobrevive a duras penas
em uma conjuntura em que o partido não está no governo federal) com um discurso
agressivo e moral, na tentativa de galvanizar um setor ideológico da opinião
pública com dinheiro para financiar o partido verticalmente e votos para manter
sua importância no quadro partidário.
É mais ou menos essa a lógica da formação
da UDN, segundo a interpretação da cientista política Maria Victoria Benevides
em "A UDN e o Udenismo": sem grande estrutura nacional e sem romper com os
métodos tradicionais de fazer política, o antigo partido se articulava como
movimento, e foi assim que conseguiu uma unidade interna e uma representação
social, a despeito de ser um ajuntamento de lideranças da política tradicional.
Foi como movimento, e não como partido político, que conseguiu protagonismo no
fim do Estado Novo, em 1945, na queda do governo constitucional de Vargas, em
1954, e na deposição de João Goulart, em 1964.
Sem lideranças nacionais como as da UDN – que teve em seus
quadros o "herói" brigadeiro Eduardo Gomes e o jornalista Carlos Lacerda,
possibilidades de concretização de projetos de poder autônomos – e numa
realidade em que o poder ao qual se opõe não está em declínio, como acontecia
com o regime de 1945, o discurso moral do DEM não seguiu seu curso como o modelo
do passado. De qualquer forma, antes que conseguisse colocar na opinião pública
a imagem de redentor moral da Nação, o DEM foi alvejado pelo escândalo do
Distrito Federal. A exposição de irregularidades de captação de recursos de
campanha pelo prefeito Gilberto Kassab pela Justiça Eleitoral não é o melhor dos
mundos, menos pelo escândalo e mais pelo que ele pode esvaziar do discurso
udenista do partido – e isso mesmo que, no mesmo balaio, tenham sido cassados
vereadores de partidos da base governista federal.
A capacidade ofensiva do DEM se manteve no Senado, onde tem
uma bancada de 14 senadores. Mas até essa banda de música corre risco. Nessas
eleições, vence o mandato de nove deles – isto é, da bancada de 14 senadores,
apenas cinco terão mais quatro anos de mandato. Na Câmara, tem apenas 58
deputados dos 65 que elegeu em 2006 (em 1998 chegou a eleger 105). O partido
perdeu terreno nas disputas por governos estaduais na eleição passada e zerou
sua participação com a saída de Arruda do governo do DF. Agora, corre o risco de
ver minguar ainda mais as suas trincheiras no Legislativo.