A dificuldade de discutir temas nacionais por Luis Nassif
Há poucas semanas, o
intelectual e jornalista francês Ignacio Ramonet – editor do influente Le Monde
Diplomatique – lançou um livro, "A explosão do periodismo", onde discute as
transformações recentes na mídia mundial, com a crise da chamada grande
imprensa e o avanço da Internet.
Nele, destaca uma das
grandes distorções ocorridas com o chamado "quarto poder" (aqueles veículos que
influenciam diretamente as estruturas de poder) nos últimos vinte anos.
Segundo ele, "à pergunta
sobre "o que é uma notícia", os meios de comunicação tendem a analisar tudo sob
a ótica da audiência. Produzem-se notícias que podem interessar ao maior número
de pessoas, não aquela que seja mais útil para a população, mais esclarecedora
em matéria de economia, ecologia, política, de tal modo que os grandes meios de
comunicação perderam de vista sua missão".
Hoje em dia, há enorme
dificuldade em se discutir temas relevantes através da mídia. "O jornalismo de
especulação, de entretenimento e de espetáculo triunfa, em detrimento da
exigência de qualidade", continua ele.
Três exemplos sobre as
dificuldades em se aprofundar os grandes temas.
1. O caso do "livro que
ensinava português errado".
Desde 1999 há uma diretriz
no MEC – promulgada no tempo de Paulo Renato de Souza – para preparar os novos
alfabetizados a não discriminarem pessoas do seu ambiente que falam errado. O
livro em questão abordava o tema em meia página. Não ensinava a falar errado,
mas a não discriminar quem falava errado. No entanto, durante uma semana o país
discutiu em torno da falsa informação de que o livro ensinava a falar errado.
2. O sigilo das obras das
Olimpíadas.
A Casa Civil propôs um novo
método de licitação de obras para a Copa e para as Olimpíadas – recomendado
pela OCDE (a organização dos principais países industrializados). Por ela,
licita-se o projeto e a obra completa. E, para não combinarem o lance entre si,
os competidores não podem saber, antes do resultado, qual o valor orçado para a
obra. Depois de escolhido o vencedor, todos os dados (inclusive o valor orçado)
tornam-se públicos.
Há uma bela discussão
técnica comparando os dois métodos de licitação: o atual, no qual o licitante
define o projeto, em todos seus detalhes, e o novo, saber qual é mais eficiente
para conseguir preços melhores e para evitar conluios de competidores". No
entanto, tudo ficou reduzido à falsa questão da "licitação secreta.
3. O sigilo secreto dos
documentos oficiais.
A discussão, no caso, é se
se devem abrir todos os documentos ou preservar aqueles que contenham
informações estratégicas ou delicadas.
Lembro do caso da venda de
tório para o Iraque, em 1982. Foi uma aventura do governo militar. Mas a
divulgação dos documentos agora aumentaria a pressão da Agência Internacional
de Energia (AIE) sobre o processo de enriquecimento do urânio brasileiro –
fruto de um belíssimo trabalho tecnológico da Marinha.
Em vez de uma discussão
aprofundada sobre quais temas podem ou não ser reservados, reduziu-se toda a
polêmica a uma simplificação falsa, como se a opção fosse entre manter todos os
documentos em sigilo ou abrir todos.