Aldeia Nagô
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A esperança e o preconceito: as três batalhas de 2010 por Arlete Sampaio

6 - 8 minutos de leituraModo Leitura

Simone de Beauvoir disse
que "a ideologia da direita é o medo". O medo foi o grande adversário de
todas
as campanhas de Lula. Desta vez, o fato de Lula ser governo desfaz
grande parte
das ameaças que antes insuflavam o temor entre os setores populares. O
grande
adversário dessa campanha não é mais o medo; tampouco é Serra, candidato
de
poucas alianças, sem programa e que esconde seu oposicionismo no
armário. O
grande adversário são os que estão por trás do tucanato e o utilizam
como
recurso político de uma guerra elitista, preconceituosa, autoritária e
desigual.
O artigo é de Arlete Sampaio.


Arlete Sampaio

 

A campanha de 2010 não é apenas uma, mas pelo
menos três grandes batalhas combinadas. Uma disputa política, dos que apóiam as
conquistas do governo Lula contra aqueles que sempre as atacaram e agora se
esquivam de dizer o que pensam e o que representam. Uma disputa econômica, dos
que defendem o protagonismo brasileiro e sabem da importância central do estado
na sustentação do crescimento, contra os que querem eletrocutar nossas chances
de desenvolvimento com a proposta de "choque de gestão" e de esvaziamento do
papel do estado. Finalmente, uma disputa ideológica entre, de um lado, a
esperança de um país mais justo, igualitário e sem medo de ser feliz, contra, do
outro lado, a indústria da disseminação de preconceitos.

Na disputa política, a popularidade do presidente
Lula criou uma barreira que a oposição prefere contornar do que confrontar.
Serra não quer aparecer como aquilo que ele realmente é: o anti-Lula. O mesmo
anti-Lula que ele próprio foi em 2002 e que Alckmin fez as vezes, em 2006. Daí a
tentativa de posar como "pós-Lula". A oposição irá para a campanha na vergonhosa
condição de fingir que não é oposição, que concorda com o que sempre atacou, que
quer melhorar o que tentou, a todo o custo, destruir. Os eternos adeptos da
idéia de que o Brasil não pode, não dá conta e não consegue, agora, empunham o
discurso de que o Brasil pode mais.

Diante do fato de que alguém precisa assumir o
impopular ataque ao governo e ao presidente, para alvejar a candidatura
governista, surgiram duas frentes. A mais aberta e declarada é realizada pela
imprensa mais tradicional, a que tem relações orgânicas com o grande
empresariado brasileiro e com uma elite política que a ela é comercialmente
afiliada.

Na ânsia de conseguir, contra Dilma, o que não conseguiu em
2006 contra Lula, esta imprensa tomou para si a tarefa de tentar derrotar ambos.
Para tanto, tem enveredado em um padrão autoritário que significa um retrocesso
claro até se comparado a seu comportamento na época da ditadura. Naquela época,
a ditadura era a justificativa de suas manchetes. Hoje, não. Se não fosse pela
democracia e pela mídia regional e alternativa, a situação seria igual à vivida
quando era mais fácil ter notícias fidedignas a partir da imprensa internacional
do que pela grande imprensa brasileira.

Um exemplo: o tratamento dado à participação do
presidente Lula na cúpula nuclear em Washington. Dois dos mais tradicionais
jornais brasileiros (Estadão e Folha) deram manchetes idênticas ("Obama ignora
Lula…"), numa prova não de telepatia, mas de antipatia. Um editorial ("O
Globo", 14/4) chegou a dizer que "Lula isola Brasil na questão nuclear". Se
contássemos apenas com esses jornais, teríamos que apelar à Reuters, ao Wall
Street Journal, ao Financial Times ou à Foreign Policy para sabermos que a China
mudou de posição por influência do Brasil e declarou oficialmente sua opção pelo
diálogo com Teerã.

Seria demais pedir que se reproduzisse, por exemplo,
o destaque dado à cúpula dos BRICs, que no jornal Financial Times e na revista
Economist foram bem maiores do que o conferido à cúpula de Washington. Até hoje,
porém, o fato de nosso país estar galgando a posição de pólo dinâmico da
economia mundial, de modo acelerado, é visto com desdém pelos que não acreditam
que o Brasil pode mais.

A questão nuclear teve a preferência porque cai
como uma luva à tentativa de trazer para 2010 a questão do terrorismo, além de
demonstrar a relação que existe entre as campanhas anti-Dilma, declaradas e
mascaradas. A questão do terrorismo é um curioso espantalho invocado pelos
próprios corvos (para usar uma imagem apropriada ao lacerdismo que continua vivo
na direita brasileira e em parte de sua imprensa). A diferença sobejamente
conhecida e reconhecida entre guerrilha e terrorismo e o fato de que os grupos
armados brasileiros sempre se posicionaram contra o terrorismo como forma de
luta política são esquecidos. Durante a ditadura, os grupos armados eram
acusados de terroristas pela mesma linha dura que arquitetava explodir um
gasoduto no Rio e bombas no Riocentro para inventar terroristas que, de fato,
não existiam. A parte da imprensa que, por conta própria, reedita o
autoritarismo faz jus ao título de "jornalismo linha dura".

No campo da política econômica, a batalha será
igualmente ferrenha e desigual, apesar dos feitos extraordinários de Lula. Seu
governo é de fato o primeiro na história do País a conseguir combinar
crescimento econômico, estabilidade (política e econômica) e redução das
desigualdades. Segundo estudos, o Brasil conseguiu avançar em termos sociais em
ritmo mais acelerado do que o alcançado pelo estado de bem-estar social europeu
em seus anos dourados. Mesmo isso não tem sido suficiente para abalar a aposta
de alguns setores da elite econômica de que a principal tarefa a ser cumprida é
a de tornar o Brasil o país com o estado mais acanhado dentre os BRICs. São os
que querem o Brasil mirando o Chile, e não a China, em termos econômicos. Para
alguns, que sempre trataram o Brasil como um custo em sua planilha, não importa
o tamanho do país, e sim o tamanho de suas empresas.

O que se vê até o
momento não é nada diante do que ainda está por vir, dado o espírito de "é agora
ou nunca" da direita em sua crise de abstinência. Os ataques declarados são
amenos diante da guerra suja que tem sido travada via internet, por mercenários
apócrifos que disseminam mensagens preconceituosas.

Dilma é "acusada" de não ter marido, de não ter
mestrado, de não ter sido parlamentar. As piores acusações não são sobre o que
ela fez, mas sobre o que ela não fez. As mais sórdidas são comprovadas mentiras,
como a de ter sido terrorista.

Simone de Beauvoir disse que "a ideologia da
direita é o medo". O medo foi o grande adversário de todas as campanhas de Lula,
e ele foi vencido em duas, dentre cinco. Desta vez, o fato de Lula ser governo
desfaz grande parte das ameaças que antes insuflavam o temor entre os setores
populares. O grande adversário dessa campanha não é mais o medo; tampouco é
Serra, candidato de poucas alianças, sem programa e que esconde seu
oposicionismo no armário. O grande adversário são os que estão por trás do
tucanato e o utilizam como recurso político de uma guerra elitista,
preconceituosa, autoritária e desigual.

A oposição cometeu o ato falho
de declarar que "o país não tem dono", mostrando que ainda raciocinam como na
época em que venderam grande parte do patrimônio público e trataram o Brasil
como terra de ninguém. Mas, por sorte, o país tem dono, sim. É o povo
brasileiro. E, mais uma vez, é apenas com ele que contaremos quando outubro
vier.

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