Aldeia Nagô
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A estratégia do Medo por Michael Moore

6 - 8 minutos de leituraModo Leitura

Algumas coisas que a mídia não diz sobre a crise nos EUA


Em
um artigo intitulado "Querem nos meter medo", o cineasta Michael Moore
(foto) conta como centenas de milhares de pessoas entupiram os
telefones e correios eletrônicos dos congressistas dos EUA contra a lei
proposta pelo governo Bush para salvar os bancos em crise. E aponta
como Wall Street e seu braço midiático (as redes de TV e outros meios)
seguem com a estratégia de atemorizar a população.

Michael Moore – Página 12

Quem
acompanha a cobertura da crise nos Estados Unidos feita pela imprensa
brasileira pode ser levado a acreditar que a política está
"atrapalhando" a busca de uma solução para o problema. Essa afirmação
vem sendo feita todos os dias por vários jornalistas e colunistas
econômicos em todo país, supostamente especializados no assunto. A
aprovação da proposta de ajuda aos bancos quebrados é apontada como uma
condição necessária para evitar o caos. Há vários silêncios nesta
cobertura, aqui e também nos EUA.

Em um artigo intitulado "Querem nos meter medo",
o cineasta Michael Moore conta como centenas de milhares de pessoas
entupiram os telefones e correios eletrônicos dos congressistas dos EUA
contra a lei proposta pelo governo Bush para salvar os bancos em crise.
E aponta como Wall Street e seu braço midiático (as redes de TV e
outros meios) seguem com a estratégia de atemorizar a população,
omitindo, entre outras coisas, que a proposta apresentada ao Congresso
não trazia qualquer esperança para os pobres mortais ameaçados de
perder suas casas hipotecadas (Marco Aurélio Weissheimer)

Tradução do artigo de Michael Moore publicado no jornal Página 12:

Querem nos meter medo

Todos
diziam que a lei seria aprovada. Os especialistas do universo já
estavam fazendo reservas para celebrar nos melhores restaurantes de
Manhattan. Os compradores particulares em Dallas e Atlanta foram
despachados para fazer as primeiras compras de Natal. Os homens loucos
de Chicago e Miami já estavam abrindo as garrafas e brindando entre
eles muito antes do café da manhã.

Mas o que não sabiam era que
centenas de milhares de estadunidenses tinham acordado pela manhã e
decidido que era tempo de se rebelar. Milhares de chamadas telefônicas
e correios eletrônicos golpearam o Congresso tão forte como se Marshall
Dillon (Comissário Dillon, personagem de uma série de televisão) e
Elliot Ness tivessem descido em Washington D.C. para deter os saques e
prender os ladrões.

A Corporação do Crime do Século foi detida
por 228 votos contra 205. Foi um acontecimento raro e histórico.
Ninguém conseguia lembrar de um momento onde uma lei apoiada pelo
presidente e pelas lideranças de ambos os partidos fosse derrotada.
Isso nunca acontece. Muita gente está se perguntando por que a ala
direita do Partido Republicano se uniu à ala esquerda do Partido
Democrata para votar contra o roubo. Quarenta por cento dos democratas
e dois terços dos republicanos votaram contra a lei.

Eis o que aconteceu:

A
corrida presidencial pode estar ainda muito parelha nas pesquisas, mas
as corridas no Congresso estão assinalando uma vitória esmagadora dos
democratas. Poucos questionam a previsão de que os republicanos
receberão uma surra no dia 4 de novembro. As previsões indicam que os
republicanos perderão cerca de 30 cadeiras na Câmara de Representantes,
o que representaria um incrível repúdio a sua agenda. Os representantes
do governo têm tanto medo de perder seus assentos que, quando apareceu
esta "crise financeira" há duas semanas, deram-se conta que estavam
diante de sua única oportunidade de separar-se de Bush antes da
eleição, fazendo algo que fizesse parecer que estavam do lado da
"gente".

Estava vendo ontem C-Span, uma das melhores comédias
que assisti em anos. Ali estavam, um republicano depois do outro que
apoiaram a guerra e afundaram o país em uma dívida recorde, que tinham
votado para matar qualquer regulação que mantivesse Wall Street sob
controle – ali estavam, lamentando-se e defendendo o pobre homem
comum.Um depois do outro, usaram o microfone da Câmara baixa e jogaram
Bush sob o ônibus, para baixo do trem (ainda que tenham cotado para
retirar os subsídios aos trens também), diabos, teriam jogado o
presidente nas águas crescentes de Lower Ninth Ward (bairro de Nova
Orleans) se
pudessem prever outro furacão.

Os valentes 95
democratas que romperam com Barney Frank e Chris Dodd eram os
verdadeiros heróis, do mesmo modo como aqueles poucos que votaram
contra a guerra em outubro de 2002. Reparem nos comentários dos
republicanos Marcy Kaptur, Sheila Jackson Lee e Dennis Kucinich.
Disseram a verdade. Os democratas que votaram a favor do pacote o
fizeram em grande parte porque estavam temerosos das ameaças de Wall
Street, que se os ricos não recebessem sua dádiva, os mercados
enlouqueceriam e então adeus às pensões que dependem das ações e adeus
aos fundos de aposentadoria. E adivinhem? Isso é exatamente o que fez
Wall Street! A maior queda em um único dia no índice Dow da Bolsa de
Valores de Nova York.

À noite, os apresentadores de televisão
gritavam: os estadunidenses acabaram de perder 1,2 bilhão de dólares na
Bolsa! É o Pearl Harbour financeiro! Caiu o céu! Gripe aviária!
Obviamente, quem conhece a bolsa sabe que ninguém "perdeu" nada ontem,
que os valores sobem e baixam e que isso também acontecerá porque os
ricos compraram agora que estão baixo, os segurarão, depois os venderão
e logo em seguida os comprarão novamente quando estiverem baixos de
novo. Mas, por enquanto, Wall Street e seu braço de propaganda (as
redes de TV e os meios de comunicação que possuem) continuarão tratando
de nos meter medo. Algumas pessoas perderão seus empregos. Uma débil
nação de fantoches não suportará muito tempo esta tortura. Ou poderemos
suportar?

Eis no que acredito: a liderança democrata na Câmara
baixa esperava secretamente todo o tempo que esta péssima lei
fracassasse. Com as propostas de Bush derrotadas, os democratas sabiam
que poderiam então escrever sua própria lei que não favoreça apenas os
10% mais ricos que estavam esperando outro lingote de ouro. De modo que
a bola está nas mãos da oposição. O revólver de Wall Street, porém,
aponta para suas cabeças. Antes que dêem o próximo passo, deixem-me
dizer no que os meios de comunicação silenciaram enquanto se debatida
essa lei:

1. A lei de resgate NÃO prevê recursos para o chamado
grupo de supervisão que deve monitorar como Wall Street vai gastar os
700 bilhões de dólares;

2. A lei NÃO considerava multas, sanções ou prisão para nenhum executivo que roubar dinheiro público;

3.
A lei NÃO fez nada obrigar aos bancos e aos fundos de empréstimo a
renovar as hipotecas do povo para evitar execuções. Esta lei não
deteria uma sequer execução!

4. Em toda a legislação NÃO havia
nada executável, usando palavras como "sugerido" quando se referiam à
devolução do dinheiro do resgate a ser feito pelo governo.

5.
Mais de 200 economistas escreveram ao Congresso e disseram que esta lei
poderia piorar a crise financeira e provocar ainda MAIS uma queda.

É hora de nosso lado estabelecer claramente as leis que queremos aprovar.

Tradução para o espanhol: Celita Doyhambéhére

Tradução para o português: Marco Aurélio Weissheimer

Publicado originalmente em: www.cartamaior.com.br

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