A favor das ações afirmativas por Marta Suplicy
Tenho muito forte a convicção da necessidade de ações afirmativas para os negros. Essa posição vem de minha experiência morando nos EUA nos anos 1960, vivendo a batalha pela inclusão por meio de cotas raciais desta parcela excluída.
Por não falar bem inglês, fui colocada num curso de proficiência, juntamente com outros estudantes. Para minha surpresa, eu era a única branca numa classe de estudantes americanos. Eles quase que falavam pior que eu. Era um dialeto que na versão oral virava outra língua.
Não demorei para entender o porquê daquele grupo. As consequências para o país passei a entender mais tarde.
Entrar numa universidade da Ivy League (a seleção das 10 melhores dos EUA) só era e continua sendo possível com notas muito altas. Aqueles estudantes não tinham a mais leve chance de estar ali ou acompanhar as aulas sem um reforço forte. Passados 50 anos, eles formariam uma sólida classe média e ocupariam altos postos na condução do país. Um deles, estudante em outra destas universidades de excelência, chegaria à presidência dos EUA.
Essas oportunidades propiciaram a qualificação de milhares de jovens que levariam gerações para chegar ao patamar que hoje conquistaram. Eu vi acontecer, por isso acredito.
Sei que há negros que conseguem quebrar a barreira do preconceito. Não é a realidade da maioria. Olhe em volta. Quantos negros colegas no seu escritório? No seu clube? Na escola de seus filhos? Na fila do cinema ou nos restaurantes que você frequenta? Repare, agora, quantos em situação de serviçal.
Os números mostram que tanto brancos pobres como negros que ingressaram por cotas nas universidades brasileiras têm se superado.
Daqui a algumas gerações não necessitaremos mais de cotas. Entretanto, toda ação para agilizar esta ascensão ainda é necessária. Nos beneficiários da Lei Rouanet, poucos são os que apresentam projetos e menos ainda os que, se aprovados, conseguem captar recursos.
Neste Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra -em São Paulo, declarado feriado na nossa gestão- o Ministério da Cultura lança editais em diversos segmentos para criadores, produtores e artistas que se declarem negros.
A Fundação Biblioteca Nacional (FBN) fará a implantação de 30 pontos de leitura e formação de autores negros em todas as capitais. Estes novos talentos serão publicados em livros e irão percorrer o Brasil na “Caravana de Escritores”, ao lado de nomes já consagrados. Também serão oferecidas bolsas para pesquisadores negros.
Estamos instituindo o Prêmio Funarte Grande Otelo para investir em criação, produção e fazer com que artistas e produtores negros ocupem palcos, ruas, escolas e galerias de arte de todo o país. Fomentaremos 33 projetos nas categorias artes visuais, circo, dança, música, teatro e preservação da memória, além de pesquisa da produção artística negra no Brasil.
Por meio de nossa Secretaria do Audiovisual, vamos premiar seis produções em curta-metragem. Trabalhos dirigidos e produzidos por jovens negros, de 18 a 29 anos, com temática livre e a possibilidade de utilização de técnicas de animação.
Estas propostas amparam-se no Plano Nacional de Cultura e no Estatuto da Igualdade Racial, que prevê o combate à discriminação e às desigualdades étnicas e a implementação de incentivos e prioridade no acesso aos recursos públicos.
O governo Dilma, através destas ações afirmativas do Ministério da Cultura, combate o preconceito e investe na expressão artística para preservar nossas raízes. Neste caminho, todos nós sairemos maiores.
Artigo publicado originalmente em http://www1.folha.uol.com.br
MARTA SUPLICY, 67, é ministra da Cultura. Foi prefeita de São Paulo (2001-2004), ministra do Turismo (2007-2008) e senadora (2011-2012)