Aldeia Nagô
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A favor do voto em lista por José Dirceu

5 - 7 minutos de leituraModo Leitura

O ex-secretário-geral da Presidência da República de Fernando Henrique
Cardoso Eduardo Graeff publicou nas páginas deste O Estado de S. Paulo o artigo
Contra o voto em lista (23/2, A2), cujo objetivo se observa no título, mas que
tem como resultado revelar a verdadeira face da oposição hoje no Brasil: a
falta de um projeto alternativo de país


Ao atacar o modelo de lista fechada, o
tucano atinge as próprias fraquezas de seu partido. Nas linhas do texto, fica
evidente que a oposição é um aglomerado sem propostas e despida de base social
sólida a que representar. Está, enfim, à deriva.

A fragilidade do fio condutor das críticas ao voto em lista é tão grande que
colabora para soterrar as ponderações mais razoáveis. Afinal, sustentar que
esse modelo não pode ser aprovado porque favoreceria o Partido dos
Trabalhadores (PT) é recorrer a um não argumento, que, de resto, esquece que o
PT já vem crescendo há duas décadas, ampliando suas representações, seu volume
de votos e número de governantes eleitos. E isso ocorre não porque o modelo
favorece, mas, essencialmente, porque o PT tem propostas amplamente discutidas
dentro do partido e com a sociedade e possui elevada capacidade de comunicação
e mobilização. A relação do PT com a sociedade é especial, de diálogo permanente,
daí os resultados nas urnas.

Justificar que o voto em lista causaria confusão entre partidos e eleitores,
desacostumados ao sistema, significa, na verdade, defender o modelo atual, pois
todas as demais mudanças deixariam os eleitores confusos. Trata-se de argumento
que ofende a inteligência do cidadão e minimiza o papel dos meios de
comunicação na difusão das informações. Além disso, o voto distrital misto,
defendido por José Serra nas eleições, é mais complexo do que o voto em lista.

Na verdade, a preocupação com a reforma política não se deveria voltar para um
cálculo hipotético sobre quais forças se beneficiam desta ou daquela proposta,
pois o resultado já é conhecido: a reforma não é aprovada. O que deve nortear o
debate é que sentido – ou quais sentidos – deve ter o sistema
político-partidário e eleitoral do Brasil nas próximas décadas. Queremos um
modelo pautado na figura do candidato ou que valorize os programas dos
partidos? Que dimensão o voto deve assumir com vista a aproximar o eleitor do
partido? Como adotar mecanismos capazes de limitar o espaço que o poder
econômico tem hoje nos resultados eleitorais? Essas são algumas das reais
questões que temos de enfrentar na discussão da reforma política.

É preciso incutir no debate a perspectiva de que todos os modelos têm prós e
contras, ou seja, as mudanças a serem realizadas poderão dirimir as falhas do
nosso atual sistema na medida em que apontarem para os mesmos sentidos. Se a
preocupação é com a criação de espaços de estrangulamento da pluralidade da
representação política, há meios de se evitarem tais efeitos colaterais. O que
não se pode admitir é que o Brasil caminhe para um modelo em que se amplia a
importância das personalidades em detrimento dos programas políticos. Essa é
uma tendência que precisa ser combatida.

O voto em lista prevê que o eleitor escolha as melhores propostas, votando nos
partidos – e não nas pessoas. Ao contrário do que se tenta transformar em
verdade, para vetar previamente a ideia, há mais de um jeito de fazer a
composição dessa lista: pode ser exclusivamente da direção do partido; pode ser
da direção, atendendo à proporcionalidade de votações dos militantes; pode ser
resultado de votações nominais dentro do partido. É importante, enfim, que esse
processo seja acompanhado e fiscalizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O consenso sobre como será a mecânica ainda está por se fazer, em processo que
passa por amplo debate com a sociedade e no Congresso Nacional.

Mas a principal vantagem do voto em lista é, sem dúvida, pôr em debate na
sociedade os projetos que os partidos representam. O cerne da disputa são os
projetos, as concepções de  condução da coisa pública e os
rumos que queremos para o futuro. No fundo, é isso que está em jogo numa
eleição, não a pessoa do candidato. E devemos valorizar isso no novo sistema
eleitoral. A variante do voto distrital misto acaba por conferir menos espaço
aos programas partidários do que o voto em lista, e o voto distrital puro – ou
ideias como o "distritão" – fere os princípios da proporcionalidade e
da soberania do voto, que conferem maior liberdade ao cidadão para votar e
escolher seus representantes.

Além desse, os outros pontos essenciais da reforma que atendem aos mesmos
objetivos do voto em lista são: o fim da coligação proporcional, a instituição
para valer da cláusula de desempenho e, especialmente, a fidelidade partidária
e o financiamento público das campanhas. São questões que ainda carecem de
debate, e a sociedade tem de se apoderar desses temas para indicar os caminhos
das mudanças. O desejável é que os partidos se articulem e funcionem como
irradiadores de informação e centros de discussão.

Felizmente, há integrantes da oposição que estão interessados em discutir o que
é melhor para o eleitor e para o País. O grau de avanço do texto da reforma
passa pelo tamanho da participação dos atores políticos do campo governista e
de oposição. Para mim, parece claro que a nossa direção deve ser a de um
sistema que estimule um debate eleitoral de melhor nível, de viés programático,
não personalista, que fortaleça os partidos como instituições representativas e
que impeça a predominância do poder econômico.

Não há por que temer os avanços democráticos. Esse é o motivo de ser da reforma
política.

José Dirceu é advogado, ex-ministro da Casa
Civil e membro do Diretório Nacional do PT.

Texto publicado no jornal O Estado de S.Paulo , edição de 20/03/2011

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