Aldeia Nagô
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A gestão de Lula por Roberto Saturnino Braga

4 - 5 minutos de leituraModo Leitura

Vou irritar muito os amigos que não gostam do Lula. Porque vou dizer algo que vai muito além da declaração de que gosto dele, votei e não me decepcionei um milímetro sequer.





Não esperei, como outros
companheiros de ideais, não esperei nem desejei que ele avançasse com mais
ímpeto em direção ao nosso farol socialista no horizonte Não desejei porque
tenho mais de quarenta anos de política e acompanhei bem de perto a frustração
da jornada João Goulart, que não quis, por uma questão de caráter, fidelidade aos
que sustentaram sua trajetória política, não quis recuar, moderar e negociar
com o Capital, mesmo sabendo que era necessário.

Vou irritar todos os que não se conformam de ter um Presidente que não possui a
leitura nem a cultura das elites; um Presidente que realmente fala demais e
freqüentemente comete erros e impropriedades nessa fala que a mim também me
deixam agastado. Mas eu, ao longo desses anos, absorvi, apreendi, em
definitivo, o espírito da democracia, a sua essência, e principalmente o valor
dela, Democracia, valor realmente primacial em si mesmo.

O espírito da democracia não distingue, sob o ponto-de-vista político, a
cultura do trabalhador da cultura da elite. A democracia pede, sim, que o líder
tenha as qualidades da liderança, do bom-senso, da credibilidade e da
representatividade; que tenha a percepção da totalidade que constitui a Nação e
dos anseios que ela cultiva no momento histórico. E estas são as qualidades do
brasileiro Lula, trabalhador inteligente, político, emérito negociador, que
chegou ao cenário no momento histórico que oferecia ao Brasil, e ao líder que
preenchesse as condições requeridas, a oportunidade da grande gesta política.

Lula preencheu essas condições e vai marcar a História do Brasil com o mesmo
cunho profundo de Getúlio Vargas, o fundador do nosso Estado Republicano, e
Juscelino Kubitschek, o conquistador do nosso Território. Lula chegou no
momento de instaurar a efetiva democracia, dar verdade a esta Democracia,
mostrá-la ao mundo, e, com a grandeza do Brasil, mover o mundo em direção a uma
democratização planetária.

O mundo reconheceu finalmente, e definitivamente, que o Estado tem um papel
relevante na Economia, o que quer dizer que a Política desempenha este papel,
isto é, que a Economia é Política. O mundo reconheceu o G-20, um enorme avanço
em relação ao G-8, e um passo importantíssimo em direção ao G-50 ou ao G-100. O
mundo jogou no lixo o tal “consenso de Washington” e aceitou que o mercado e o
sistema financeiro têm que estar submetidos a regras políticas de defesa da
ética e dos povos; que os dispositivos chamados paraísos fiscais são
incompatíveis com esta ética; que o estabelecimento dessas regras e dessa
fiscalização requer organismos internacionais comprometidos com elas, o que
quer dizer, FMI, OMC, etc… reformulados em função daquela meta de
democratização do mundo. E que esta reformulação deve chegar à própria ONU. O
mundo reconheceu que a defesa da natureza e a preservação ambiental são
exigências tão ou mais prioritárias quanto às do dinamismo econômico. O mundo
moveu-se, numa inequívoca e substancial mudança política

Pois bem: nesta mudança do mundo, neste movimento político do mundo, o Brasil
teve um papel destacado, e Lula foi uma presença de relevo.

Não se pode medir ainda a potência sísmica da crise; nem a dimensão dos
estragos que ela ainda fará no Brasil. Pode ser que a sua gravidade destrutiva
continue agindo, excitando os povos e reclamando novas reuniões e medidas
globais muito mais vigorosas e até perigosas para o capitalismo. Mas o que
mudou está mudado, sem retrocesso. Ainda não foi muito de mudança concreta, mas
o novo consenso há de resultar, sem dúvida, em algum rearranjo global efetivo,
mais humano, mais igualitário, mais democrático. E mais ético.

Pode ser que a
crise produza muito mais desemprego, empobrecimento e indignação entre os
brasileiros, e que Lula venha a terminar seu mandato em 2010 sob um julgamento
até negativo. Mas o que fez está feito. O Brasil nunca mais deixará de praticar
políticas econômicas de promoção e de democratização da riqueza dirigidas pelo
Estado, e nunca mais deixará de ser considerado, pelo mundo, um país sério e
respeitável. E esta marca histórica é, definitivamente, do Presidente Lula.
Artigo publicado originalmente em http://www.plurale.com.br/DetalhaConteudo.asp?cod_not=5043&cod_caderno=2 

Roberto Saturnino Braga – Engenheiro, ex-Deputado Federal e ex-Senador pelo Estado do Rio de Janeiro, foi prefeito da cidade do Rio de Janeiro.

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