Aldeia Nagô
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A Grande Mídia agoniza. Viva a Mídia Livre! por Michelle Amaral da Silva

12 - 16 minutos de leituraModo Leitura

Enquanto
os jornalões e revistas semanais apostaram na oposição cega e vêm perdendo
lucratividade e tiragem, a investigação, opinião e análise sérias estão nos
blogs e veículos alternativos.



Colaboradores: Vinicius Souza e
Maria Eugênia Sá.










A
grande mídia agoniza em praça pública. Os chamados jornalões como o Jornal do
Brasil, O Globo, Folha de S. Paulo e Estadão, além das revistas semanais como
Veja, IstoÉ e Época jamais terão novamente o poder e a influência que tiveram
ou pensavam ter num passado recente. E as grandes redes de TV como Globo e
Bandeirantes devem seguir o mesmo caminho, apesar de sua derrocada ser mais
lenta devido aos custos de produção, à capilaridade regional por meio das
afiliadas e à penetração que têm nos rincões mais escondidos do Brasil. Para
essas, contudo, também é só uma questão de tempo. No lugar dos meios de
comunicação tradicionais, surge uma nova, ampla e heterogênea gama de veículos,
alguns impressos mas a maioria digital. É a mídia alternativa, ou livre. E
nesse embate tem sido fundamental a interatividade proporcionada pelos Blogs e
sites de entidades, sindicatos, jornalistas, estudantes, profissionais liberais
e até donas de casa. As pessoas comuns finalmente têm um megafone virtual para
sua voz e estão juntas construindo o conhecimento e um entendimento melhor
sobre o mundo real em que vivem.

O
ponto de virada foram as últimas eleições presidenciais em 2006 e o processo se
agudiza quanto mais nos aproximamos do pleito de 2010. A Grande Mídia foi
aliada de primeira hora e apoiadora destacada do golpe civil-militar de 1964,
sendo por isso um dos setores mais beneficiados pela ditadura. Um dos exemplos
flagrantes é acordo inconstitucional com a estadunidense Time-Life que deu a
Roberto Marinho US$ 6 milhões que lhe permitiram construir a Globo em 1965 e torná-la
a mais influente rede de TV do país nos anos seguintes. Outros acordos, no
entanto, foram menos claros, como os retratados pela pesquisadora Beatriz
Kushnir no livro "Cães de Guarda – Jornalistas e Censores, do AI-5 à
Constituição de 1988" em que são apresentados casos como o do funcionário
da Abril enviado por Victor Civita para treinar os censores em Brasília, e dos
bastidores da Folha da Tarde, Jornal do mesmo grupo da Folha de S. Paulo que
cedia as vans de entrega para transportar presos políticos para sessões de
tortura. Com as benesses da ditadura, a Folha se tornou o diário de maior
circulação no país. Certamente um agrado para quem em editorial de 1971 chama o
governo militar de "sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio
popular", e mais, que "está levando o Brasil pelos seguros caminhos do
desenvolvimento com justiça social".

Nos
anos 1980, com o apoio ao movimento pelas Diretas Já e o discurso de jornalismo
"profissional, imparcial e isento", como se isso fosse possível, a Folha
atingiu o seu ápice em tiragem e credibilidade. Na virada da década a Globo
mostrou todo o seu poder "elegendo" Fernando Collor de Melo com o debate
editado no Jornal Nacional, e ajudando a derrubá-lo inflando os
"caras-pintadas". Mas a decadência viria na sequência. O início do fim foi a
conspiração da mídia na criação do "escândalo do mensalão", até hoje não
provado, com o objetivo declarado pela oposição de "sangrar até a morte" o
Governo Lula. Contudo, apesar das manchetes, dossiês e aloprados, não
conseguiram eleger seu candidato. E na esteira dos poucos veículos e blogs que
então remavam contra a maré, como a revista Carta Capital e os diários de
Internet de jornalistas do porte de Luís Nassif (http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/)
e Paulo Henrique Amorim (http://www2.paulohenriqueamorim.com.br/)
, descobrimos que era possível comprar matérias de capa em revistas do porte e
da antiga credibilidade de IstoÉ.

A
Veja, então, abriu uma cova sob seus pés, enveredando totalmente para a ficção,
os assassinatos de reputação e a falta de qualquer escrúpulo ou critério
jornalístico, sempre em benefício de acordos comerciais e da oposição cega ao
governo. Para não nos alongarmos em exemplos, basta citar os 22 capítulos da
série "O Caso de Veja" (http://luis.nassif.googlepages.com/
), que no auge chegou a ter link em cerca de 800 blogs. O problema é que o
resto da Grande Mídia embarcou com tudo na onda achando que poderiam vender
mais jornal com oposição a qualquer custo e manchetes cada vez mais
sensacionalistas e não com o investimento em jornalismo sério. O resultado tem
sido exatamente o inverso. Segundo os números do Instituto Verificador de
Circulação – IVC, em fevereiro desse ano as vendas dos dez maiores jornais
diários do país caíram 6,45% em relação à fevereiro de 2008. E a queda só não
foi maior por causa de jornais mais populares, como o mineiro Super Notícia (R$
0,25 e segundo no ranking nacional) cuja circulação caiu "apenas" 3,3%. A
tiragem da Folha, com quase 300 mil exemplares por dia, por exemplo, caiu 6,6%
no período. O Globo foi além, com queda de 9,3%, mas ainda abaixo do Estadão
(-15,3%). Os números globais do IVC, no entanto, mostram que a circulação de
jornais no Brasil cresceu 5% em 2008, puxada exclusivamente por veículos fora
do ranking dos dez maiores.

Todos
os grandes jornais tiveram perdas pesadas de circulação durante toda a última
década apesar do aumento da população e da alfabetização. A Folha caiu de uma
média diária em 2000 de 429.476 exemplares (chegou a tirar 1,25 milhão de
exemplares com vendas de fascículos de um atlas aos domingos em 1995) para
298.352 em março desse ano. O Estadão foi de 391.023 para 217.414; o Diário de
S. Paulo de 151.831 para 61.088; e o Jornal da Tarde de 58.504 para 50.433. Nos
outros estados acontece o mesmo: O Dia tirava 264.752 em 2001 e hoje não chega
a 100 mil exemplares; O Globo caiu de 334.098 em 2000 para 260.869. O Extra
caiu menos, de 264.715 para 258.324; assim como o Correio Braziliense (de
61.109 para 52.831). Já o Correio do Povo foi de 217.897 exemplares diários em
2000 para 155.774 em março último.

"Os
jornais vêm perdendo tiragem desde o meio da década de 1990, mas até 2006 os
colunistas garantiam uma certa pluralidade na mídia que eu chamo de ‘formadora
de opinião’, que é fundamentalmente manipuladora, só que isso acabou", disse
Nassif na mesa redonda "A mídia em debate", promovida pela Agência Carta Maior
no último dia 24 de abril (http://www.cartamaior.com.br/templates/tvMostrar.cfm?evento_tv_id=52).
"O exemplo mais claro é que os ‘formadores de opinião’ apostaram todas as suas
fichas no Gilmar Mendes como grande figura da oposição e o transformaram em uma
unanimidade: o sujeito mais odiado do Brasil". De fato, apesar da Globo ter
tentado manipular os telespectadores contra o Ministro Joaquim Barbosa, o vídeo
da discussão entre os dois, amplamente divulgado pelo YouTube (http://www.youtube.com/watch?v=sIUdUsPM2WA),
mostra para quem quiser ver, as grosserias de Gilmar Mendes com o colega.
Apesar disso, no final de semana seguinte apenas a Carta Capital trouxe o
assunto na capa. A Veja, que havia dado uma capa elogiosa a Barbosa quando esse
denunciou os supostos participantes do mensalão como "quadrilha", deu uma
notinha interna com o preconceituoso título "O dia de índio de Joaquim
Barbosa", (tudo a ver com uma editora que tem 30% de suas ações nas mãos do o
grupo de mídia sul-africano Naspers, que apoiou o Apartheid). Merval Pereira,
do O Globo, seguiu a linha de que Barbosa teria "um histórico de
desentendimentos com vários outros ministros", e aproveitou para dar a
informação de que Mendes tem uma foto de FHC em sua mesa de trabalho. Já Josias
de Souza, em seu Blog na Folha Online, afirma que Mendes tenta "colocar panos
quentes", mas que Barbosa "é o recordista de processos pendentes de julgamento
no STF" e que "Na ponta do lápis, já se indispôs com seis colegas". Mas basta
abrir os mais de 700 comentários ao texto original de Josias de Souza sobre o
bate-boca para ver de que lado está a população. Isso se ainda estiverem lá,
porque a UOL deletou o link para uma enquete sobre qual juiz tinha razão na
discussão assim que viu os resultados esmagadores. Vão às ruas, jornalistas! Ou
pelo menos leiam direito o recado da Internet.

Com
a pluralidade e a articulação entre os blogs, portais e sites de análises que
surgiram principalmente depois das eleições de 2006, o povo já não engole tão
fácil qualquer manipulação. E exige, nas ruas e na Internet, a retratação e o
reposicionamento dos veículos. Quando a Folha usou a desculpa de mais um
editorial contra o presidente da Venezuela Hugo Chavez para introduzir no
Brasil o vocábulo "ditabranda" e depois chamou dois conceituados professores
universitários de cínicos e mentirosos por não aceitarem essa nomenclatura, o
Movimento dos Sem Mídia (http://edu.guim.blog.uol.com.br/)
convocou uma protesto em frente ao jornal. A notícia correu de blog em blog,
sem qualquer divulgação mais organizada. Em uma manhã de sábado com cara de
chuva, mais de 500 pessoas compareceram ao local, obrigando a direção da Folha
a voltar atrás e afirmar em nota assinada pela redação que foi "um erro"
utilizar a expressão. Mas infelizmente o jornal não se emendou.

No
último dia cinco de abril, a Falha novamente tenta manipular seus leitores com
uma grosseira "revisão histórica". Em matéria de capa com o objetivo claro de
torpedear a futura candidatura presidencial da Ministra da Casa Civil Dilma
Rousseff, o jornal deturpou uma entrevista dada pelo antigo dirigente militar da
Vanguarda Armada Revolucionária Palmares – VAR Palmares, para afirmar em
manchete que "Grupo de Dilma planejou sequestro de Delfim". Pior, o jornal
publicou também na primeira página o que seria uma "ficha policial" da ministra
que teria sido fornecida pelos arquivos do DOPS com os crimes a ela atribuídos.
Imediatamente o entrevistado Antonio Roberto Espinosa desafiou a Falha a
publicar (ainda que apenas na versão online) a íntegra da entrevista gravada
para provar que ele jamais disse que Dilma saberia do tal plano de sequestro,
que no final não ocorreu. A negação da própria ministra também ficou escondida
no meio do texto interno e suas dúvidas sobre a autenticidade da ficha passaram
ao largo. Foram necessários mais 20 dias e muita mobilização na Internet para o
que jornal publicasse, novamente sem destaque em uma página interna, que houve
"um erro técnico" ao dizer que a ficha pertenceria ao DOPS, já que "a imagem"
na verdade teria sido enviada "por uma fonte" e que sua "autenticidade, pelas
informações hoje disponíveis, não pode ser assegurada – bem como não pode ser
descartada".

A
tal ficha é uma fraude tosca produzida provavelmente por antigos torturadores e
que circula na Internet em sites de direita há mais de um ano. De acordo com
Espinosa, o "provável autor, é o hoje coronel reformado (na época major) Lício
Augusto Ribeiro Maciel, o Dr. Asdrúbal, torturador e assassino de dezenas de
pessoas em Xambioá. A seguir foi reproduzida por dois dos mais conhecidos blogs
da direita mais reacionária, também alimentado por quadros subalternos do
regime militar, o ‘Ternuma’, do notório coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra,
e o ‘A verdade sufocada – As histórias que a esquerda não quer contar’, também
mantido por sargentos e oficiais de baixo escalão dos porões". Não por
coincidência, a desculpa da Folha de que não poderia provar a fraude é a mesma
usada pela Veja há alguns anos para publicar um dossiê forjado por Daniel
Dantas para acusar vários membros do Governo Lula de possuírem contas ilegais
em paraísos fiscais. Com isso, e assegurando o anonimato da fonte da "imagem",
o jornal tenta se eximir de futuros processos judiciais. O próprio ombudsman do
jornal, Carlos Eduardo Lins da Silva, em seu artigo "Até ver se a ficha cai" de
03/05/2009 (um mês após a publicação da ficha forjada), lamenta que a Redação
"encerrou a apuração desse episódio seriíssimo e não acha necessário rever
procedimentos de checagem de informações", que apesar do "Manual" do jornal
prever a identificação de fontes que passem "informações erradas" isso não foi
e nem será feito no caso, além de nenhum funcionário ser punido. Ele, no
entanto, tem "poder" apenas para "sugerir" mudanças.

Mas
se os jornais, revistas e TVs estão perdendo leitores e credibilidade com suas
fraudes e manipulações, a quem interessa a publicação desse tipo de matéria?
Obviamente à oposição! E a alguns interesses comerciais dentro das "empresas
jornalísticas". Nesse ponto, novamente a Internet e sua vasta rede de
colaboradores comuns, gente do povo, tem muito a contribuir. "O blog é um show
dos leitores na construção do conhecimento", diz Nassif. "Quando publiquei o
relatório interno do STF sobre o suposto grampo telefônico, em poucos minutos
quatro técnicos e engenheiros enviaram mensagens informando que o rastreamento
era equivocado, tendo sido feito de dentro para fora e não de fora para dentro
do prédio e a única possibilidade seria de alguma equipe externa de TV. Algum
tempo depois, outro leitor foi buscar as imagens do STF no Google Earth e
demonstrou que para haver um grampo externo, a recepção teria que ter sido
feita necessariamente do estacionamento do STF, do Congresso ou do Palácio do
Planalto e que à 1:00 da manhã certamente haveria um registro de quem estaria
nesses locais. Assim, a Policia Federal não pode fechar esse caso porque teria
que afirmar categoricamente que o Presidente do Supremo mentiu deliberadamente
com o objetivo de plantar uma notícia falsa na imprensa".

Também
na Internet, por meio dessa rede de blogs, é possível rastrear uma série de pagamentos
sem licitação realizados diretamente pelo Governo de São Paulo aos
representantes da Grande Mídia. Por meio da Secretaria de Educação, o candidato
do PSDB, José Serra, transferiu à Editora Abril, da Veja, os endereços
residenciais de todos os professores da rede pública para que recebessem a
revista Nova Escola. São 220 mil assinaturas no valor de R$ 3,7 milhões. Se
forem incluídos os exemplares do Guia do Estudante, também da Abril, o custo
total aos cofres públicos estaria perto de R$ 10 milhões somente no segundo
semestre de 2008. Esse ano, segundo o contrato 15/014/09/04 publicado no Diário
Oficial em 15 de abril, são mais R$ 12.963.060,72 para 25.702 assinaturas da
Revista Recreio, também da Abril, por 608 dias. Mas os jornalões não podiam ficar
de fora, por isso estão sendo adquiridas esse mês mais 5.449 assinaturas da
Folha de S. Paulo e 5.449 assinaturas do Estadão para distribuição em todas as
escolas da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo, tudo, claro, sem
licitação. Os processos administrativos não trazem o período de assinatura e
nem o valor dos contratos. Mas se for pelo valor integral (como ocorreu nos
outros casos citados) da assinatura anual de cada jornal todos os dias da
semana, estamos falando em algo em torno de R$ 7 milhões. Por outro lado, o
Movimento dos Sem Mídia estima que a Folha tenha perdido dois mil assinantes
somente durante o episódio da "ditabranda". Nada mais justo do que o governo de
São Paulo recompensar um jornal aliado, certo?

Publicado
originariamente na Ideias em Revista – SisejufeRJ – abril/maio 2009

Vinicius
Souza e Maria Eugênia Sá são jornalistas, fotógrafos e documentaristas
independentes.

http://mediaquatro.sites.uol.com.br

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