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A guerra de outubro a março por Paulo Moreira Leite

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Protestos que levam mais de um milhão de pessoas as ruas não buscam reivindicações específicas. Buscam o poder

Quatro meses e dez dias depois de vencer o segundo turno da eleição presidencial, o governo Dilma Rousseff continua nas cordas.

As mobilizações do dia 13 foram vitoriosas. Mostraram que o governo mantém a conexão com sua base de eleitores — ainda que ela tenham se fragilizado depois da posse, pelo anuncio de medidas que ou eram desnecessárias e portanto erradas, ou eram necessárias e corretas mas foram mal explicadas e incompreendidas, o que dá no mesmo, do ponto de vista da percepção política.

O tamanho dos protestos do dia 15 não precisa ser exagerado mas foi enorme.

Um simples exercício de calculadora de celular, feito na minha frente por um jornalista com boa experência em cobertura de movimentos populares, já mostrava que era matematicamente impossível acreditar que a mobilização da avenida Paulista, em São Paulo poderia ter alcançado um milhão de pessoas — como foi calculado pela Policia Militar e divulgado pela TV Globo.
A divulgação de um número exagerado ajuda, obviamente, a engordar artificialmente o apoio social dos adversários do governo, o que é sempre útil para quem deseja fortalecer a disposição de ir para a rua e ampliar a participação em novos protestos que sem dúvida virão.

Também se pode ressalvar os dados sobre o protesto na capital federal. A julgar pelos números do Globo, a mobilização com faixas de Fora Dilma, em Brasília, foi menor do que o protesto fora FHC, de 1999, quando chegou a 75 000 pessoas, segundo o jornal.

Seja como for, neste domingo o país assistiu a um protesto colossal, um dos maiores de sua historia. Sociologicamente falando, foi basicamente uma parcela de eleitores de Aécio Neves que foi para a rua. Eram cidadãos de classe média, em sua maioria. Os mais influentes do ponto de vista social social, economico e cultural.
São cidadãos que têm uma mídia que expressa seus interesses, e acessam um Estado que, do ponto de vista histórico, sempre foi organizado para serví-los — uma das poucas excessões, nós sabemos, ocorreu nos 12 anos de governo Lula-Dilma.

É um exercício fútil perguntar o que essas milhares de pessoas queriam.
Muitos portavam faixas genéricas — como denuncia de corrupção, mais verbas para educação, etc — que servem para enfeitar a paisagem e acalmar consciências que preferem acreditar que não sabem o que está acontecendo. Fazem a alegria de comentaristas políticos que, interessados em apresentar uma visão favorável das manifestações, precisam lhes dar algum verniz de inocência cívica.
Na prática, elas querem o fim do governo Dilma, por qualquer via, qualquer oferta do cardápio. O impeachment é a a mais delicada e o golpe militar a mais grotesca.

É curioso reparar que faixas que propõem rupturas institucionais e ataques ao regime democrático puderam ser exibidas a luz do dia sem causar estorvo ou constrangimento. Cidadãos que professam convicções democráticas — sem dúvida, milhares podiam ser encontrados nos protestos — não deram sinal de que sentiram-se insultados ou sequer ofendidos por companhias ideológicas tão condenáveis.

A realidade é que protestos desse tamanho, com esse grau de articulação e especialmente com este conteúdo, não buscam reivindicações específicas. Buscam o poder, disputam o Estado.

Acham possível dispensar denúncias concretas capazes de comprometer a presidente num crime de responsabilidade, cometido durante o mandato — como define a Constituição para um processo de impeachment.
Não querem nem saber do calendário eleitoral, que faz parte das indispensáveis regras da nossa democracia, pela qual os presidentes são eleitos diretamente pelo povo, de quatro em quatro anos.

Trabalham num universo político paralelo, uma sombra. A constante referência à “intervenção militar” e outras variações anunciam abertamente uma tentativa de reverter o processo democrático. São um reflexo da influência política dos “velhos combatentes da ditadura” sobre as mobilizações de hoje no Brasil, processo que guarda semelhança com a atuação política dos oficiais italianos e alemãos após a Primeira Guerra Mundial, cuja mobilização está na origem dos movimentos que deram a origem ao fascismo e mesmo ao nazismo na Europa, como observa o professor Jean Tuchard em sua “Histoire des Idees Politiques.”

O esforço para vestir os protestos com símbolos nacionais — a começar por camisas da seleção brasileira — envolve um tipo peculiar de nacionalismo, que pouco tem a ver com o legítimo sentimento de amor e defesa de um país, sua cultura e suas tradições.
Na mesma obra, o professor Jean Touchard mostra que o fascismo e mesmo o nazismo, criaram um tipo peculiar de nacionalismo, “nacionalismo dos vencidos, dos humilhados. ” Parece óbvio que, no caso brasileiro, esse nacionalismo dos vencidos, não envolve uma derrota militar, mas social, produzida por mudanças relativamente modestas, mas reais, nas prioridades do Estado brasileiro, e também política, pela formidável ampliação de direitos ocorridas nos últimos anos, o que sempre foi inaceitável para cidadãos que ontem, na Paulista, portavam a faixa: “Quero meu país de volta”.

Essas mobilizações pretendem, com a força do número, pressionar as instituições do Estado, já alinhadas abertamente contra Lula-Dilma — do ministério público ao Congresso, passando pelo Supremo e pela Polícia Federal — a ignorar regras formais e escrúpulos políticos para abandonar o governo a própria sorte.

Se o roteiro está traçado, nada garante que será cumprido. Falta combinar com Dilma-Lula.

As manifestações de ontem trouxeram de volta uma discussão entre dirigentes do PT e aliados do governo. Há quem acredite que um protesto tão gigantesco, da oposição, precisa ser respondido por uma manifestação de tamanho equivalente — se for possível — por parte do governo. Discordo.
A mobilização social, evidentemente, é necessária e deve ser fortalecida em toda democracia. A manifestação do dia 13 mostrou isso. Minha avaliação é que poderiam ter ocorrido atos mais significativos, pela composição política, se tivesse havido uma preocupação maior com a formação de uma frente única para enfrentar adversários que planejam golpear a democracia.

Passeatas maiores ou menores não podem esconder o essencial, porém: os governos são eleitos para governar, o que implica, essencialmente, em tomar medidas para o bem da população.
Este é seu papel essencial, sua razão de ser — o motivo pelo qual pedem votos para todos os cidadãos numa eleição. Aí está seu verdadeiro teste e a garantia de sobrevivência.
Não se conhece conheço nenhum governo que tenha sobrevivido pela participação de um campeonato de passeatas e atos públicos.
O importante no momento reside na reconstrução de relações produtivas com os movimentos sociais, em especial com os trabalhadores.
Foi aí que os problemas do segundo mandato de Dilma começaram. E é aí que o futuro de seu governo irá se agravar ou se resolver. A Lula deve caber um papel cada vez mais importante, essencial.
Pacotes de medidas contra corrupção pode até ter sua utilidade, mas a necessária disputa sobre a Petrobras e a Lava-Jato não se resolve no terreno das medidas jurídicas. É uma questão de esclarecimento, de comunicação e disputa política. É preciso mostrar o que se passou na empresa, separando fatos e provas de mistificações e propaganda, como deixou claro José Sergio Gabrielli em seu esclarecedor depoimento a CPI.

Para quem avalia que este governo pode ser ruim, mas é muito melhor do que os outros que disputam seu lugar, a questão é agir rápido. Estamos falando de uma operação para permitir a direita recuperar o poder de Estado, que não foi capaz de conquistar legitimamente pelo voto. Seu objetivo é revogar, uma a uma, as conquistas dos últimos anos. Para usar uma expressão bastante comum nas narrativas sobre a Segunda Guerra Mundial, que jogaram um momento decisivo na história da humanidade, os protestos mostraram que “as tropas alemãs se aproximam de Moscou…”

Artigo publicado originalmente em http://paulomoreiraleite.com/2015/03/16/guerra-de-outubro-marco/

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