A vingança é, vamos combinar, um dos mais intensos prazeres da existência humana. Compreendo, portanto, o alvoroço de muitas pessoas que, inconformadas com as injustiças cometidas no mensalão do Valúbio, esfregam as mãos a espera do mensalão do Vazeredo.
Este alvoroço foi reforçado com a notícia de que os responsáveis pelo mensalão PSDB-MG tem prazo de 40 dias para ouvir as últimas testemunhas e encaminhar o julgamento.
Supondo que, mesmo desmembrados, os réus do mensalão PSDB-MG recebam o mesmo tratamento daquele dispensado ao Valúbio, não vejo motivo para comemorar.
Também não vamos pensar que no mensalão PSDB-MG haverá uma volta do Cipó de Aroeira, como dizia aquela música de Geraldo Vandré.
Engano.
Não se trata de uma guerra de propaganda. Do Chico Anísio dizendo: “sou…mas quem não é?”
Bobagem pensar em justiça compensatória.
Não há José Dirceu, nem José Genoíno nem tantos outros que eles simbolizam no mensalão PSDB-MG. Se houvesse, não seria o caso. Porque seria torcer pela repetição do erro.
Essa dificuldade mostra como é grave o que se faz em Brasília.
Sem ilusões.
O julgamento que se encerra, em Brasília, foi flexível na aceitação de provas. Esteve longe de demonstrar a “compra de votos,” tese principal da acusação e do relator. E aí é bom prestar atenção a uma ideia que começa a circular. Só precisa “comprar votos”quem precisa de base parlamentar. Ocorre que o mensalão PSDB-MG se refere a uma campanha derrotada. Logo, não era preciso “comprar” votos. Portanto…não é a mesma coisa.
Acho que é preciso estar com a visão muito desfocada para não enxergar as diferenças entre os dois mensalões, seus personagens e seus símbolos.
Acho que o esforço, hoje, para valorizar o mensalão PSDB-MG só ajuda a quem pretende minimizar o erro cometido por parte do STF.
Mais uma homenagem a Chico Anysio na linha de “Sou mas…quem não é…?”
Não critico, obviamente, quem foi condenado com provas claras e robustas. Condeno as sentenças com base no “é plausível”, “não é possível”, “todo mundo sabe” e assim por diante. Muitas provas foram demonstradas no grito e não com base numa exposição paciente e completa de fatos. Como corruptos não confessam, a negativa dos acusados passou a ser considerada como prova de que estavam mentindo. As vezes, estavam. Em outras, talvez não. Mas a prova cabe à acusação, certo?
Não há nenhuma razão para pensar que a Polícia Federal e o Ministério Público tenham sido mais severos, eficientes e implacáveis para investigar o PSDB, concorda?
A soma de dois erros não faz um acerto. Só complica mais a coisa.
A coisa é a criminalização da política no Brasil.
Estive no mais recente encontro da Federação Nacional de Prefeitos, ontem, em Vitória, e posso testemunhar. Na base da sociedade, que é o município, a situação é muito mais grave e complicada.
Participando de um debate com 40 prefeitos de cidades de porte médio – como Foz do Iguaçu, no Paraná, Suzano, em São Paulo, Bajé, no Rio Grande do Sul, Vitória, no Espírito Santo – descobri que os prefeitos enfrentam uma situação cerco judicial permanente.
Claro que temos, nas prefeituras, os mesmos índices de delinquência que encontramos na sociedade brasileira – seja entre médicos, empresários, e até juízes, não é mesmo?
Mas o fato é que o prefeito de Cariacica, na vizinhança de Vitória, denunciou que foi proibido de seguir um programa de distribuição de livros didáticos em escolas municipais porque aquilo não correspondia a visão “do ministério público” sobre suas obrigações em relação a educação da cidade. O prefeito de Foz do Iguaçu denunciou que recebeu uma multa de R$ 2 milhões em função de mudanças que fez no sistema de saúde pública da cidade. Detalhe: enquanto não revertesse as mudanças, seria obrigado a pagar R$ 5 000 por dia. Tudo com dinheiro de seu bolso, pois era uma acão contra ele, prefeito, e não contra a administração. Em Caratinga, o prefeito teve sua casa invadida às 5 da manhã quando se divulgou que pretendia comprar um terreno vizinho aos seus. Em clima de SWAT, os policias perguntavam onde estavam os euros, os dólares, etc…
Não tenho a menor condição de julgar cada um desses fatos. Publico o que foi colocado no plenário, por autoridades eleitas, que tem a responsabilidade de conduzir a vida de milhares de brasileiros naquele ambiente decisivo, que é a cidade onde vivem com suas famílias.
Pode parecer estranho, mas é o mesmo problema.
Vivemos um ambiente de criminalização da política, que teve o seu auge no julgamento do mensalão, quando pessoas foram condenadas por crimes que não foram demonstrados de forma robusta, contra todos os réus. Acho muito possível que a mesma situação se repita no mensalão PSDB-MG. E é claro que isso se repete com muitos prefeitos.
Quem tem razão é André Singer. Constatada a condenação errada de José Dirceu, ele pede a revisão de sua sentença. Eu acho que essa solução se impõe, também, a outros réus, a começar por José Genoíno, condenado porque cumpriu suas obrigações como presidente do partido, sem que se tenha registro de nenhuma atitude comprometedora, indevida ou suspeita.
O debate é este.
Artigo publicado originalmente em http://colunas.revistaepoca.globo.com/paulomoreiraleite/
* Jornalista desde os 17 anos, foi diretor de redação de ÉPOCA e do Diário de S. Paulo. Foi redator chefe da Veja, correspondente em Paris e em Washington. É autor do livro A mulher que era o general da casa — Histórias da resistência civil à ditadura.