Aldeia Nagô
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A imprensa brasileira Por Eugenio Bucci

5 - 7 minutos de leituraModo Leitura

Desde o dia
14 de março, domingo retrasado, este jornal circula com novo projeto
gráfico. O
redesenho foi lançado numa edição histórica, com uma tiragem que
ultrapassou
meio milhão de exemplares, e vários artigos esmiuçaram os fundamentos da
mudança
na paginação. Mas, entre as análises sobre estética e legibilidade, uma
notícia
passou sem chamar a atenção: justamente a que reportava o juízo que o
cidadão
brasileiro faz da sua própria imprensa. A quantas anda a credibilidade
do
jornalismo?


Sobre o tema
da credibilidade, essa edição do dia 14 trouxe uma reportagem
esclarecedora,
assinada por Daniel Bramatti: 91% acham que mídia é arma anticorrupção. A
partir
de uma pesquisa que o Instituto Análise realizou especialmente para o
Estado, a
matéria mostrou que o conceito dos jornais no Brasil é positivo e, mais
que
isso, está associado ao combate à corrupção. Ótimo. Sinal de que o
público
entende que os jornais existem para fiscalizar o poder. Mas a mesma
pesquisa
apontou um senão: aos olhos de um quarto dos entrevistados, a imprensa
não é tão
apartidária quanto deveria ser.

Comecemos
pelo lado bom dos resultados. Metade do público afirma que quem mais
apura os
casos de corrupção no País são os jornalistas. Isso significa que, do
ponto de
vista dos entrevistados, se outras instituições falham, pelo menos a
imprensa dá
o alarme e vai atrás. Para 88%, a maioria das "denúncias" feitas nas
reportagens
acaba se provando verdadeira. Coerentemente, nada menos que 97% são a
favor de
que a imprensa investigue e divulgue casos e suspeitas de corrupção e
92% são
contrários a qualquer censura.

Agora o lado
preocupante. Quando perguntados se os órgãos jornalísticos são
equilibrados nas
"denúncias" que fazem, apenas 69% consideram que sim. Para 24%, o
jornalismo
pátrio é tendencioso (outros 7% não opinaram). Temos aí uma luz amarela.
Numa
pesquisa como essa, em que os índices de aprovação ficam na casa dos
90%, um
contingente de 24% de desconfiados não é nada
irrisório.

Antes de
prosseguirmos, faço um esclarecimento. O leitor há de ter notado que
venho
usando a palavra denúncia sempre entre aspas. Explico-me. O termo
"denúncia",
que a pesquisa adotou sem maiores reservas, é impreciso e pode apequenar
o papel
da imprensa. Denúncia quer dizer acusação. Se o jornalismo for visto
como
tribuna acusatória, será péssimo para os jornais, para os leitores e
para a
democracia.

Não é tão
difícil de entender por quê. Na Justiça, quem faz denúncia é o
Ministério
Público. Os advogados cuidam da defesa. Assim, quando acolhe uma
denúncia, o
Judiciário acolhe também uma defesa. O julgamento só virá depois que os
dois
lados se manifestarem. Por analogia, se a imprensa se ocupasse apenas de
"denúncias", teríamos de inventar uma segunda imprensa para fazer as
vezes dos
advogados de defesa e ainda uma terceira, à qual caberia julgar.
Portanto, não
há muito sentido em supor que o jornalismo deva sair denunciando gente
por aí.
Não é para isso que ele serve.

A imprensa
não tem – nem poderia ter – a função de acusar quem quer que seja. Ela
não é o
Ministério Público. O que ela pode pretender de melhor é apurar
livremente os
fatos. Ela investiga irregularidades na conduta das autoridades, por
certo – mas
não acusa, não defende nem julga. Se informar devidamente, terá cumprido
o seu
papel com dignidade: terá oferecido ao cidadão os elementos necessários
para que
ele forme sua própria opinião.

É verdade
que, por vezes, as evidências de corrupção são tão clamorosas que a mera
publicação de uma reportagem, por mais sóbria que seja, assume ares de
denúncia
contundente. Tudo bem, isso acontece, mas, aí, quem acusa são os fatos,
não o
jornalista. Repórteres não existem para fazer "denúncias". A finalidade
do seu
trabalho é fazer reportagem.

Voltemos,
então, aos 24% que entendem que o nosso jornalismo é parcial. É bem
verdade que,
na sua rotina, a imprensa deve mesmo ser mais dura com o governo do que
com
aqueles que não exercem funções públicas, mas isso não significa que ela
deva
ser feroz contra o governo e dócil com a oposição. Se uma parte do
público sente
que ela peca por esse tipo de desequilíbrio, algo vai mal. Se 24% dos
entrevistados afirmam que os jornais resvalam no partidarismo, algo
realmente
vai mal.

Quanto a isso
não há margem para dúvidas. O modo como a pergunta foi feita aos
entrevistados
foi explícito, direto. Antes de formular a questão, o pesquisador citava
"o
mensalão do PT, a corrupção de Sarney e do Senado, os gastos secretos de
cartões
de crédito da Presidência, o mensalão do DEM no DF, e o mensalão de
Minas, que
envolveu um senador do PSDB". Só depois, indagava: "Você acha que a
imprensa só
faz denúncias contra um lado ou denuncia todo mundo, como o PT, o PSDB, o
DEM, o
PMDB, etc.?"

Foi a esse
estímulo que os entrevistados reagiram. Foi a partir disso que um quarto
deles
se manifestou insatisfeito com o partidarismo das notícias que
recebe.

Enfim, a
pesquisa do Instituto Análise trouxe boas novas para os jornalistas,
dando conta
de que o público aprecia e valoriza os jornais. Mas trouxe também este
recado
muito claro: o princípio do apartidarismo talvez venha sendo
negligenciado.

Os
responsáveis pela condução dos veículos jornalísticos deveriam olhar
para esse
recado com mais rigor. Vivemos um momento delicado, em que muitos
procuram
desqualificar a instituição da imprensa como se ela não passasse de um
aparelho
sob controle da oposição. Os editores, se estiverem conscientes, não
darão
pretextos e muito menos argumentos aos profetas da polarização. Imprensa
informa: não faz denúncia nem faz campanha. Quanto mais os cidadãos
estiverem
convencidos disso, melhor.

Artigo publicado originalmente em
O Estado de São
Paulo

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