Aldeia Nagô
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A miséria moral de ex-esquerdistas por Emir Sader

4 - 5 minutos de leituraModo Leitura

Alguns sentem satisfação quando alguém que foi de esquerda salta
o muro, muda de campo e se torna de direita – como se dissessem: “Eu sabia, você
nunca me enganou”, etc., etc. Outros sentem tristeza, pelo triste espetáculo de
quem joga fora, com os valores, sua própria dignidade – em troca de um emprego,
de um reconhecimento, de um espaçozinho na televisão.


O certo é que nos
acostumamos a que grande parte dos direitistas de hoje tenham sido de esquerda
ontem. O caminho inverso é muito menos comum. A direita sabe recompensar os que
aderem a seus ideais – e salários. A adesão à esquerda costuma ser pelo
convencimento dos seus ideais.

O ex-esquerdista ataca com especial fúria
a esquerda, como quem ataca a si mesmo, a seu próprio passado. Não apenas renega
as idéias que nortearam – às vezes o melhor período da sua vida -, mas precisa
mostrar, o tempo todo, à direita e a todos os seus poderes, que odeia de tal
maneira a esquerda, que já nunca mais recairá naquele "veneno" que o tinha
viciado. Que agora podem contar com ele, na primeira fila, para combater o que
ele foi, com um empenho de quem "conheceu o monstro por dentro", sabe seu efeito
corrosivo e se mostra combatente extremista contra a esquerda.

Não
discute as idéias que teve ou as que outros têm. Não basta. Senão seria tratar
interpretações possíveis, às quais aderiu e já não adere. Não. Precisa chamar a
atenção dos incautos sobre a dependência que geram a "dialética", a "luta de
classes", a promessa de uma "sociedade de igualdade, sem classes e sem Estado".
Denunciar, denunciar qualquer indicio de que o vício pode voltar, que qualquer
vacilação em relação a temas aparentemente ingênuos, banais, corriqueiros, como
as políticas de cotas nas universidades, uma política habitacional, o apoio a um
presidente legalmente eleito de um país, podem esconder o veneno da víbora do
"socialismo", do "totalitarismo", do "stalinismo".

Viraram pobres
diabos, que vagam pelos espaços que os Marinhos, os Civitas, os Frias, os
Mesquitas lhes emprestam, para exibir seu passado de pecado, de devassidão
moral, agora superado pela conduta de vigilantes escoteiros da direita. A
redação de jornais, revistas, rádios e televisões está cheia de ex-trotskistas,
de ex-comunistas, de ex-socialistas, de ex-esquerdistas arrependidos, usufruindo
de espaços e salários, mostrando reiteradamente seu arrependimento, em um
espetáculo moral deprimente.

Aderem à direita com a fúria dos
desesperados, dos que defendem teses mais que nunca superadas, derrotadas, e daí
o desespero. Atacam o governo Lula, o PT, como se fossem a reencarnação do
bolchevismo, descobrem em cada ação estatal o "totalitarismo", em cada política
social a "mão corruptora do Estado", do "chavismo", do
"populismo".

Vagam, de entrevista a artigo, de blog à mesa redonda,
expiando seu passado, aderidos com o mesmo ímpeto que um dia tiveram para atacar
o capitalismo, agora para defender a "democracia" contra os seus detratores.
Escrevem livros de denúncia, com suposto tempero acadêmico, em editoras de
direita, gritam aos quatro ventos que o "perigo comunista" – sem o qual não
seriam nada – está vivo, escondido detrás do PAC, do Minha casa, minha vida, da
Conferência Nacional de Comunicação, da Dilma – "uma vez terrorista, sempre
terrorista".

Merecem nosso desprezo, nem sequer nossa comiseração, porque
sabem o que fazem – e os salários no fim do mês não nos deixam mentir, alimentam
suas mentiras – e ganham com isso. Saíram das bibliotecas, das salas de aula,
das manifestações e panfletagens, para espaços na mídia, para abraços da
direita, de empresários, de próceres da ditadura.

Vagam como almas
penadas em órgãos de imprensa que se esfarelam, que vivem seus últimos sopros de
vida, com os quais serão enterrados, sem pena, nem glória, esquecidos como
serviçais do poder, a que foram reduzidos por sua subserviência aos que crêem
que ainda mandam e seguirão mandado no mundo contra o qual, um dia, se rebelaram
e pelo que agora pagam rastejando junto ao que de pior possui uma elite
decadente e em vésperas de ser derrotada por muito tempo. Morrerão com ela,
destino que escolheram em troca de pequenas glórias efêmeras e de uns tostões
furados pela sua miséria moral. O povo nem sabe que existiram, embora participe
ativamente do seu enterro.

Artigo
publicado originalmente em www.cartamaior.com.br

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