Aldeia Nagô
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A obsessão e o complexo de vira-lata por Celso Amorim

4 - 6 minutos de leituraModo Leitura

Até os jornais brasileiros tiveram de noticiar. Uma força-tarefa criada pelo
Conselho de Relações Exteriores, organização estreitamente ligada ao
establishment político/intelectual/empresarial dos Estados Unidos, acaba de
publicar um relatório exclusivamente dedicado ao Brasil, -pontuado de elogios e
manifestações de respeito e consideração


Fizeram parte da força-tarefa um
ex-ministro da Energia, um ex-subsecretário de Estado e personalidades destacadas
do mundo acadêmico e empresarial, além de integrantes de think tanks, homens e
mulheres de alto conceito, muitos dos quais estiveram em governos
norte-americanos, tanto democratas quanto republicanos. O texto do relatório
abarca cerca de 80 páginas, se descontarmos as notas biográficas dos
integrantes da comissão, o índice, agradecimentos etc. Nelas são analisados
vários aspectos da economia, da evolução sociopolítica e do relacionamento
externo do Brasil, com natural ênfase nas relações com os EUA. Vou ater-me aqui
apenas àqueles aspectos que dizem respeito fundamentalmente ao nosso
relacionamento internacional.

Logo na introdução, ao
justificar a escolha do Brasil como foco do considerável esforço de pesquisa e
reflexão colocado no empreendimento, os autores assinalam: "O Brasil é e será
uma força integral na evolução de um mundo multipolar". E segue, no resumo das
conclusões, que vêm detalhadas nos capítulos subsequentes: "A Força Tarefa (em
maiúscula no original) recomenda que os responsáveis pelas políticas (policy
makers) dos Estados Unidos reconheçam a posição do Brasil como um ator global".
Em virtude da ascensão do Brasil, os autores consideram que é preciso que os
EUA alterem sua visão da região como um todo e busquem uma relação conosco que seja
"mais ampla e mais madura". Em recomendação dirigida aos dois países, pregam
que a cooperação e "as inevitáveis discordâncias sejam tratadas com respeito e
tolerância". Chegam mesmo a dizer, para provável espanto dos nossos
"especialistas" – aqueles que são geralmente convocados pela grande mídia para
"explicar" os fracassos da política externa brasileira dos últimos anos – que
os EUA deverão ajustar-se (sic) a um Brasil mais afirmativo e independente.

Todos esses raciocínios e
constatações desembocam em duas recomendações práticas. Por um lado, o
relatório sugere que tanto no Departamento de Estado quanto no poderoso
Conselho de Segurança Nacional se proceda a reformas institucionais que deem
mais foco ao Brasil, distinguindo-o do contexto regional. Por outro (que
surpresa para os céticos de plantão!), a força-tarefa "recomenda que a
administração Obama endosse plenamente o Brasil como um membro permanente do
Conselho de Segurança das Nações Unidas. É curioso notar que mesmo aqueles que
expressaram uma opinião discordante e defenderam o apoio morno que Obama
estendeu ao Brasil durante sua recente visita sentiram necessidade de
justificar essa posição de uma forma peculiar. Talvez de modo não totalmente
sincero, mas de qualquer forma significativo (a hipocrisia, segundo a lição de
La Rochefoucault, é a homenagem que o vício paga à virtude), alegam que seria
necessária uma preparação prévia ao anúncio de apoio tanto junto a países da
região quanto junto ao Congresso. Esse argumento foi, aliás, demolido por David
Rothkopf na versão eletrônica da revista Foreign Policy um dia depois da
divulgação do relatório. E o empenho em não parecerem meros espíritos de porco
leva essas vozes discordantes a afirmar que "a ausência de uma preparação
prévia adequada pode prejudicar o êxito do apoio norte-americano ao pleito do
Brasil de um posto permanente (no Conselho de Segurança)".

Seguem-se, ao longo do texto,
comentários detalhados sobre a atuação do Brasil em foros multilaterais, da OMC
à Conferência do Clima, passando pela criação da Unasul, com referências bem
embasadas sobre o Ibas, o BRICS, iniciativas em relação à África e aos países
árabes. Mesmo em relação ao Oriente Médio, questão em que a força dos lobbies
se faz sentir mesmo no mais independente dos think tanks, as reservas quanto à
atuação do Brasil são apresentadas do ponto de vista de um suposto interesse em
evitar diluir nossas credenciais para negociar outros itens da agenda
internacional. Também nesse caso houve uma "opinião discordante", que defendeu
maior proatividade do Brasil na conturbada região.

Em resumo, mesmo assinalando
algumas diferenças que o relatório recomenda sejam tratadas com respeito e
tolerância, que abismo entre a visão dos insuspeitos membros da comissão do
conselho norte-americanos- e aquela defendida por parte da nossa elite, que
insiste em ver o Brasil como um país pequeno (ou, no máximo, para usar o
conceito empregado por alguns especialistas, "médio"), que não deve se atrever
a contrariar a superpotência remanescente ou se meter em assuntos que não são
de sua alçada ou estão além da sua capacidade. Como se a Paz mundial não fosse
do nosso interesse ou nada pudéssemos fazer para ajudar a mantê-la ou obtê-la.

Artigo publicado originalmente na Carta Capital.

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