A polêmica do Segundo Sol Por Luis Rocha
A Rede Globo estreará nos próximos dias uma novela que terá como cenário a cidade de Salvador, Bahia, cuja população é majoritariamente negra. Porém, para “surpresa” geral, o elenco principal será predominantemente branco.
Obviamente que essa situação gerou protestos, haja vista que a ficção não representará a realidade étnica racial dos soteropolitanos. Resta-nos então uma questão: Quais seriam os motivos que prevaleceram e acabaram por gerar essa situação aviltante?
A mídia televisiva consiste em um conglomerado de empresas, em sua grande maioria de natureza privada, que operam mediante concessão pública. Portanto, é sabido de todos que o objetivo principal das empresas privadas é a obtenção de lucro. Este, por sua vez, é obtido com a venda de espaços para a publicidade, que ocorrem durante os intervalos das programações. Todo esse grande aparato é montado a fim de atrair o maior número de pessoas possível para assistir à programação. Consequentemente, verão as mensagens dos patrocinadores. É evidente que a grande concorrência das emissoras acontece em busca de audiência. O objetivo das emissoras de TV é anunciar para vender produtos e serviços.
Os patrocinadores procuram veicular as peças publicitárias junto ao seu público de interesse, vinculando os diversos produtos e serviços às programações e aos potenciais consumidores que os assistem. O período que compreende de dezoito horas à meia noite é considerado como horário nobre. Este é o momento em que o maior número de pessoas economicamente ativas estariam em seus lares, compondo a audiência. Sem sombra de dúvidas é o público mais disputado por empresas de TV.
Até aí nada de anormal se não houvesse o acréscimo de um elemento social que estruturou a sociedade brasileira, se tornando o seu principal construto, e que repercute objetivamente nos nossos dias: o racismo. A TV brasileira é marcada pela presença majoritária de personagens brancos, estes sempre em posições de superioridade econômica e social em relação aos negros que, não raro, são estigmatizados em posições degradantes eu estereotipadas.
Mas o que isso tem a ver em relação à questão publicitária citada anteriormente, e a novela que acontecerá em Salvador, onde os negros, mais uma vez, não terão vez? Em resposta eu vos digo: A chamada classe média brasileira, principal alvo das peças publicitárias, em grande parte, tem aversão a negros e pobres. A sociedade branca, em sua maioria (maioria porque, caso contrário, a sociedade seria outra) não suporta ver a imagem do negro na TV em condições de igualdade, frequentando os seus lares, senão em condição subalterna, ou ainda, como seres humanos que pareçam ser merecedores de respeito. Seriam obrigados a terem contato diário com esse segmento da sociedade, e, certamente, se sentiriam incomodados. Isso é tão verdadeiro que dificilmente os publicitários buscam associar a imagem dos seus produtos e serviços aos negros. Os racistas e preconceituosos desejam ver reforçados os seus valores e suas posturas sectárias, permitindo-lhes que permaneçam em suas zonas de conforto e não se sintam ameaçados em relação às suas posições de privilegiados no cenário social.
No que pese o pequeno avanço alcançado no cenário econômico em relação à população negra, o público da classe mais abastada é em sua maioria branco. A programação televisiva é feita para agradar a este público, que compõe a maioria dos que possuem mais poder aquisitivo, com capacidade para consumir em maior proporção os diversos produtos veiculados pelos patrocinadores.
Sabemos que o público consumidor não é formado exclusivamente por brancos, sendo notório que uma significativa parcela da população negra também adquire os produtos. Porém, as empresas preferem ignorar esse fato em prol de um pacto traçado com essa elite perversa. Os negros não são bem representados na totalidade das produções ou nas peças publicitárias. Uma programação que apresentasse um maior número de negros certamente iria irritar os que velam pela permanência dos padrões racistas, e estes imperam na sociedade brasileira. Para eles, se ocorresse o contrário, as empresas correriam o risco de protestos e boicotes, e consequente perda de receitas.
Essa situação acaba por gerar um círculo vicioso. A partir do momento em que os negros não são representados de forma digna, a imagem negativa prevalece no imaginário social gerando as consequências que todos nós sabemos: a desumanização e criminalização da sua existência. Precisamos romper esse círculo e fazer a sociedade entender que, onde há privilégios para uns, deixa de existir os ligítimos direitos de outros.
Diante dessa realidade, nos resta o alento ao saber que estamos cada vez mais atentos a tudo isso. É crescente o número de pessoas que questionam essa postura discriminatória e racista das produções artísticas em consonância com a burguesia ignóbil. Precisamos tomar posição de maneira contundente em aversão a essas posturas, promovendo movimentos de protesto e boicotes aos programas nos quais não estivermos representados. Em razão das consequências eles certamente terão que repensar as suas concepções externadas nesses posicionamentos tão repugnantes.