Aldeia Nagô
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A primavera dos amordaçados por Jorge Guimarães

7 - 10 minutos de leituraModo Leitura

Chego ao Brasil após uma viagem de trabalho ao exterior de duas semanas.
Viagem que, agora percebo, ocultou o que estava acontecendo por aqui. Porque
não se consegue sentir o pulso de uma nação estando fora dela, apesar da
internet.



E o que encontro é esse quadro político desalentador para qualquer
cidadão sinceramente devotado a lutar para que, um dia, tenhamos uma democracia
de verdade neste país.

Diria que a situação é mais do que desalentadora; é alarmante. E a gravidade
dela requer medidas graves e corajosas. Alguém tem que fazer alguma coisa
para interromper um processo que ameaça causar um grave retrocesso político no
Brasil. Está se formando uma armadilha que, se ninguém fizer nada para
desarmá-la, tem tudo para devolver o poder a falsos democratas, a gangsters que
amealharam fortunas imensas durante a ditadura militar.

Detalhe: refiro-me às famílias Marinho, Mesquita, Frias e Civita, que
erigiram Globo, Estadão, Folha e Veja graças a muito dinheiro público que
receberam de doação da ditadura militar.

Com recursos espoliados da Nação, essas famílias ricas erigiram um aparato
de propaganda política que durante décadas a fio foi capaz de seduzir corações
e mentes de parcela majoritária do povo brasileiro de forma a que votasse
sempre naqueles que manteriam a desigualdade de renda estarrecedora que
persiste há muito, mas que, na última década, diminuiu mais do que em qualquer
outro período da história.

Em meados da década passada, começou uma reação dessa máquina de propaganda
conservadora a processo redistribuidor de renda que apenas iniciava. O governo
Lula desencadeou esse processo passando por cima de um aparato político que,
então, pairava acima da nação, sendo capaz de exercer pressão quase
irresistível sobre a sociedade e sobre os Poderes constituídos – Executivo,
Legislativo e Judiciário.

Com seu carisma pessoal, com a caneta do Poder Executivo e com a militância
que reuniu em torno de si Luiz Inácio Lula da Silva fez o índice de Gini ter a maior melhora em cinqüenta anos,
caindo de 0,58 para 0,50 entre 2003 e 2009 – ainda não se sabe a quanto caiu em
2010.

Para tanto, o governo anterior colocou pobres na universidade – que, antes,
era exclusividade dos setores mais abastados da sociedade – como nunca antes na
história deste país, tirou dezenas de milhões da miséria e fez do Brasil um
player global, retirando-o das sombras em que era mantido por governantes
eleitos sob influência dos países ricos.

Como se sabe – vale explicar -, o índice de Gini mede a concentração de
renda nos diversos países do mundo. E é disso que se trata, de distribuição de
renda. Esse é um processo traumático porque, para dar a muitos, há que tirar de
poucos e esses que detêm essa parcela imensa e injusta da riqueza nacional
certamente jamais aceitarão perder seus privilégios, até porque têm paixão por
sentirem-se "diferenciados" ou "exclusivos".

Essa mentalidade está nas propagandas para vender produtos aos ricos
brasileiros. Cartão de banco, comércio, vivendas, bairros, restaurantes,
escolas, tudo o que o dinheiro pode comprar para "diferenciar" uma parcela
minúscula da sociedade do seu conjunto. E como tudo isso custa muito caro, a
maioria tem que pagar para que a ínfima minoria tenha tais "exclusividades"

Lula conseguiu interromper esse processo criando oportunidades para os mais
pobres e, para tanto, valeu-se apenas de sua verve, de seu carisma e da sua
coragem quase sobrenatural, ou seja, de elementos de caráter de tal ordem de
grandeza que o retiraram da pobreza extrema do Sertão nordestino e o levaram à
Presidência da República em poucas décadas,

Esse é o exemplo e é isso o que falta ao país nessa encruzilhada histórica.
Todavia, Lula e Pelé, entre outros fenômenos em diversas áreas, são prodígios
que talvez este país nunca veja iguais. Por isso, haverá criar pequenos Lulas,
por exemplo. Quem sabe milhares deles em um país de milhões. Um pequeno
exército de pessoas capazes de pôr um objetivo na mira e persegui-lo sem
titubear e sem mudar de rumo.

Estamos em uma situação grave. A sucessora escolhida por Lula decidiu que
conseguirá conviver com o sistema, fazê-lo aceitar o processo redistribuidor em
curso. Nesta semana, reuniu-se informalmente com jornalistas de grandes meios
de comunicação que vêm fustigando o padrinho político dela e o seu próprio
governo, inclusive pedindo que o povo vá às ruas contra esse governo.

Enquanto isso, os veículos dos jornalistas que Dilma tentou amansar tratam
de fustigar o partido dela, seu governo e o homem que convenceu os brasileiros
a votarem nela. No mesmo dia em que a Folha noticia a entrevista concedida pela
presidente, o jornal a acusa de ter permitido a instalação dos corruptos que
ela ora demite do Ministério dos Transportes.

Se Lula está ou não de acordo com essa estratégia, ainda vamos saber nos
próximos dias. Mas uma coisa é certa: a presidente Dilma Rousseff estancou o
enfrentamento da elite conservadora que pretende arrasar o PT e seus aliados
nas eleições municipais do ano que vem e retomar o poder para o PSDB em 2014.

Por outro lado, a militância que se formou em torno de Lula durante seu
governo de oito anos e que levou Dilma Rousseff ao poder, está se
desintegrando. A desmobilização é clara e progressiva inclusive na internet.
Muitos se viraram contra o governo Dilma e tal militância passou a brigar entre
si, atônita com a perda da liderança de Lula, que tenta ganhar espaço que
deixou de ter quando "desencarnou" da Presidência.

Para impedir a venda da idéia de que o governo federal do PT inventou e
promove a corrupção no Brasil e que a oposição tucana é a reserva moral e
política da nação, que ninguém se iluda: serão necessários atos de coragem e de
inteligência extremos. Esses poderes que se agigantam controlam a comunicação
de massas no Brasil e não podem ser combatidos com flores.

Televisão, rádio, grandes jornais, revistas e portais de internet que
encontravam resistência nesta última, em termos comunicacionais, de repente
perderam a oposição. A blogosfera se desarticulou e já chega a repercutir,
eventualmente, o grande noticiário moralmente seletivo, obviamente que devido à
postura daquela que, pelo cargo que ocupa, é a líder política dos brasileiros e
a única com espaço para se fazer ouvir.

Lula denunciava que o moralismo da mídia era seletivo e Dilma não denuncia.
E como ele não é mais presidente, a mídia escolhe o que repercutir do que diz,
sempre editorializando a abordagem de suas manifestações.

Enquanto isso, a imprensa que puxa os cordões dos tucanos, que se valeu
deles e que pretende usá-los como despachantes da elite que concentra renda,
trata de acusar o ex-presidente de desvios morais como o de ter obtido
vantagens pessoais e para a própria família em um país que teve um presidente
tucano que saiu do poder bem mais rico do que entrou e que jamais teve sua vida
íntima questionada pela mídia.

A única saída é provar que a mídia é moralmente seletiva, ou seja, que só
fiscaliza e denuncia a corrupção (verdadeira e forjada) de um lado, o do PT, e
que esconde a corrupção da oposição onde ela governa, sobretudo nos Estados que
se tornaram as cidadelas do PSDB, São Paulo e Minas Gerais, onde imperam os
"golden boys" da direita brasileira, Fernando Henrique Cardoso, José Serra e
Aécio Neves.

Este cidadão decidiu fazer a sua parte e engendrou um meio de mostrar à
sociedade que sua imprensa moralista é, na verdade, um antro que acusa
políticos realmente corruptos e outros sérios, mas só de um lado, enquanto
acoberta roubalheiras muito piores de governos tucanos como o de São Paulo,
Estado que tem cofres públicos muito mais cheios do que os de muitos países.

Como já foi dito, porém, será necessário um ato ousado e desesperado. É um
ato que pode até custar caro a quem o empreender, mas que pode fazer a
sociedade ouvir uma simples pergunta: "Por que a mídia só critica a corrupção
em governos do PT e de seus aliados e não faz o mesmo com a corrupção do PSDB e
dos aliados dele?".

Fazer o Brasil se perguntar isso é o grande desafio da esquerda. Mas como
fazer se os meios de comunicação de massa não permitem e a militância que se
formou para sustentar o governo anterior está desmantelada, desmotivada e se
desintegrando?

Este blogueiro e cidadão vem comunicar que descobriu um jeito. Alguém terá
que se sacrificar, mas tem um jeito. Esse sacrifício pode fazer a militância
despertar.

Diante disso, faz-se, aqui, um ultimato: ou a mídia trata os políticos de
todos os partidos da mesma forma ou alguém irá se sacrificar e desencadear um
processo que fará o país se perguntar por que ela protege o PSDB enquanto ataca
o PT, e que interesse ela pode ter para colocar os conservadores de volta no
poder. O que pretende ganhar com isso ou o que pode ganhar com isso.

Quem acha que isto é um blefe pode pagar para ver – e, particularmente,
julgo que irão pagar. Julgo firmemente que ninguém acreditará em que é possível
que uma iniciativa isolada possa fazer o país se questionar sobre o moralismo
seletivo das famílias Marinho, Frias, Mesquita e Civita. Então fiquem atentos,
companheiros, porque setembro está chegando e trará a primavera aos
amordaçados.

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