A Satiagraha de Gilmar Mendes. Por Gilson Caroni Filho
Ao criticar, por sua suposta espetacularidade, a operação da
Polícia Federal que resultou na prisão de vários notáveis, entre eles, Daniel
Dantas, Naji Najas e Celso Pitta, o presidente do Supremo Tribunal Federal (
STF), ministro Gilmar Mendes evidenciou duas coisas que um magistrado deve
evitar:indignaçã
Tratando da indignação filosófica em Platão, o professor Jean
Lauand, em artigo publicado no Jornal da Tarde (15 de agosto de 1981),
afirmava que o filósofo não quer saber se "um rei que tem muito ouro é feliz ou
não, mas o que é, em si, o poder, a felicidade e a miséria. Em si e em suas
últimas razões"
Ao criticar, por sua suposta espetacularidade, a operação
da Polícia Federal que resultou na prisão de vários notáveis, entre eles, Daniel
Dantas, Naji Najas e Celso Pitta, o presidente do Supremo Tribunal Federal (
STF), ministro Gilmar Mendes evidenciou duas coisas que um magistrado deve
evitar:indignaçã
mais recomendável é a leitura de "A República" ou uma imersão
politico-jurí
O que disse
Mendes sobre espetacularizaçã
Polícia Federal obteve e repassou à imprensa as fotos do dinheiro apreendidos
com duas pessoas ligadas ao PT num hotel de São Paulo? Como se pronunciou na
folhetinização do caso da menina Isabela Nardoini, promovida pela mídia com
apoio prestimoso da polícia e do Ministério Público Paulista? A resposta para as
duas perguntas é um nada retumbante.
No primeiro caso, o procedimento do
delegado foi compatível com o Estado de direito? Prisões em plena vigência do
período eleitoral, que só autoriza prender em flagrante delito, foram
manifestações de apreço pela ordem democrática ou uma ação que ignorou a lei em
nome da conveniência de interesses partidários e de corporações de mídia? Será
que só há espetáculo quando concordamos com a escolha de quem deve desempenhar
os papéis dos vilões?
É bom lembrar que ação da Polícia Federal só foi
possível a partir da abertura de um inquérito determinado pelo procurador-geral
da República, Antônio Fernando de Souza. Esse fato, aparentemente prosaico,
guarda uma distância enorme da prática vigente quando o atual ministro era
Advogado-Geral da União (AGU), no segundo mandato de Fernando Henrique
Cardoso.
Naquela época, no tempo do "estamos no limite da
irresponsabilidade"
ministros e presidente da República terminava com pareceres contrários do então
procurador Geraldo Brindeiro, o que lhe valeu o apelido de"
engavetador-
Anos antes, a febre privatista do
tucanato sucateava o patrimônio público. Como destacou o saudoso Aloysio Biondi,
em um livrinho capital para entender o processo (O Brasil Privatizado- um
balanço do Desmonte do Estado),"o governo Fernando Henrique Cardoso
implantou as privatizações a preços baixos, financiou " os compradores"
sempre alegando não haver outros caminhos possíveis".
Era o plano
perfeito. A lógica autoritária do vender ou vender. Esquema absolutamente
lógico, não havia outra saída. Bancos do governo e os fundos de pensão das
estatais injetavam nas teles muito mais recursos do que se imaginava, embora a
lei não permitisse que os fundos emprestassem dinheiro para empresas privadas. É
nesse contexto, de "plena vigência do Estado de direito" que pontificaram
Dantas, Cacciola e tantos outros. E o que disse Gilmar Mendes?
A imprensa
foi elemento central para legitimar a privataria. Editoriais e artigos
afiançavam que, para o governo, não poderia haver negócio melhor, pois se
livraria da responsabilidade de gerenciar um negócio em que seu desempenho era
um fiasco para assumir a nobre atividade da fiscalização. Aos consumidores, o
paraíso. Melhora na qualidade dos serviços, redução de tarifas e fácil acesso a
um aparelho.
"Vamos promover uma mudança gigantesca neste país com a
privatização da Telebrás", prometia o então ministro Luiz Carlos Mendonça, o
mesmo que protagonizaria um dos diálogos mais republicanos de que se tem
notícia.
Em conversa grampeada, Mendonça e Ricardo Sérgio (ex-diretor da
área internacional do Banco do Brasil) mostram os bastidores do governo que não
chocou o presidente do STF.
"Mendonça de Barros – Está tudo
acertado. Mas o Opportunity está com um problema de fiança. Não dá para o Banco
do Brasil dar?
Ricardo Sérgio – Acabei de
dar.
Mendonça de Barros – Não é para a Embratel, é para a
Telemar [nome de fantasia da Tele Norte Leste].
Ricardo
Sérgio– Dei para a Embratel, e 874 milhões para a Telemar. Nós estamos no
limite da irresponsabilidade.
Mendonça de Barros – É isso
aí, estamos juntos.
Ricardo Sérgio – Na hora que der merda,
estamos juntos desde o início.
Não deu. E os motivos vão da sólida
base parlamentar de FHC a um procurador que não indiciava. Uma operação da
Polícia Federal que trouxesse resultados práticos era impossível. Faltava-lhe
autonomia e uma dimensão republicana que só obteria em outro governo.
Ao
dizer que a Operação Satiagraha configura um "Estado Policial" certamente o
ministro não age de má-fé. É apenas um homem sem coordenadas precisas de tempo
histórico e espaço político.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades
Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e
colaborador do Observatório da Imprensa.