Aldeia Nagô
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A saudade do escravo na velha diplomacia brasileira por Leonardo Boff

4 - 5 minutos de leituraModo Leitura

As elites brasileiras, tidas por Darcy
Ribeiro como das
mais reacionárias do mundo, nunca aceitaram Lula porque pensam que seu
lugar não
é na Presidência, mas sim na fábrica produzindo para elas. A nossa
imprensa
comercial é obtusa face ao novo período histórico que estamos vivendo.
Por isso
abomina também a diplomacia de Lula.


O filósofo F. Hegel em
sua Fenomenologia do Espírito analisou detalhadamente a dialética
do
senhor e do escravo. O senhor se torna tanto mais senhor quanto mais o
escravo
internaliza em si o senhor, o que aprofunda ainda mais seu estado de
escravidão.
A mesma dialética identificou Paulo Freire na relação oprimido-opressor
em sua
clássica obraPedagogia do Oprimido. "Com humor comentou Frei
Betto: "em
cada cabeça de oprimido há uma placa virtual que diz: hospedaria de
opressor".
Quer dizer, o oprimido hospeda em si o opressor e é exatamente isso que o
faz
oprimido". A libertação se realiza quando o oprimido extrojeta o
opressor e ai
começa então uma nova história na qual não haverá mais oprimido e
opressor, mas
o cidadão livre.

Escrevo isso a propósito de nossa imprensa
comercial, os
grandes jornais do Rio, de São Paulo e de Porto Alegre, com referência à
política externa do governo Lula no seu afã de mediar junto com o
governo turco
um acordo pacífico com o Irã a respeito do enriquecimento de urânio para
fins
não militares. Ler as opiniões emitidas por estes jornais, seja em
editoriais
seja por seus articulistas, alguns deles, embaixadores da velha guarda,
reféns
do tempo da guerra-fria, na lógica de amigo-inimigo é simplesmente
estarrecedor.

O Globo fala em "suicídio diplomático" (24/05) para
referir
apenas um título até suave. Bem que poderiam colocar como sub-cabeçalho
de seus
jornais: "Sucursal do Império", pois sua voz é mais eco da voz do senhor
imperial do que a voz do jornalismo que objetivamente informa e
honestamente
opina. Outros, como o Jornal do Brasil, têm seguido uma linha de
objetividade,
fornecendo os dados principais para os leitores fazerem sua
apreciação.

As opiniões revelam pessoas que têm saudades deste
senhor
imperial internalizado, de quem se comportam como súcubos. Não admitem
que o
Brasil de Lula ganhe relevância mundial e se transforme num ator
político
importante como o repetiu, há pouco, no Brasil, o Secretário Geral da
ONU,
Ban-Ki-moon. Querem vê-lo no lugar que lhe cabe: na periferia colonial,
alinhado
ao patrão imperial, qual cão amestrado e vira-lata. Posso imaginar o
quanto os
donos desses jornais sofrem ao ter que aceitar que o Brasil nunca poderá
ser o
que gostariam que fosse: um Estado-agregado como são Hawaí e Porto-Rico.
Como
não há jeito, a maneira então de atender à voz do senhor internalizado, é
difamar, ridicularizar e desqualificar, de forma até antipatriótica, a
iniciativa e a pessoa do Presidente. Este notoriamente é reconhecido,
mundo
afora, como excepcional interlocutor, com grande habilidade nas
negociações e
dotado de singular força de convencimento.

O povo brasileiro
abomina a
subserviência aos poderosos e aprecia, às vezes ingenuamente, os
estrangeiros e
os outros povos. Sente-se orgulhoso de seu Presidente. Ele é um deles,
um
sobrevivente da grande tribulação, que as elites, tidas por Darcy
Ribeiro como
das mais reacionárias do mundo, nunca o aceitaram porque pensam que seu
lugar
não é na Presidência mas na fábrica produzindo para elas. Mas a história
quis
que fosse Presidente e que comparecesse como um personagem de grande
carisma,
unindo em sua pessoa ternura para com os humildes e vigor com o qual
sustenta
suas posições.

O que estamos assistindo é a contraposição de dois
paradigmas de fazer diplomacia: uma velha, imperial, intimidatória, do
uso da
truculência ideológica, econômica e eventualmente militar, diplomacia
inimiga da
paz e da vida, que nunca trouxe resultados duradouros. E outra, do
século XXI,
que se dá conta de que vivemos numa fase nova da história, a história
coletiva
dos povos que se obrigam a conviver harmoniosamente num pequeno planeta,
escasso
de recursos e semi-devastado. Para esta nova situação impõe-se a
diplomacia do
diálogo incansável, da negociação do ganha-ganha, dos acertos para além
das
diferenças. Lula entendeu esta fase planetária. Fez-se protagonista do
novo,
daquela estratégia que pode efetivamente evitar a maior praga que jamais
existiu: a guerra que só destrói e mata. Agora, ou seguiremos esta nova
diplomacia, ou nos entredevoraremos. Ou Hillary ou Lula.

A nossa
imprensa
comercial é obtusa face a essa nova emergência da história. Por isso
abomina a
diplomacia de Lula.

Leonardo Boff é teólogo e
escritor

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