Acabar com a EBC: diferença pelo atraso. Por Tereza Cruvinel
Depois de prometer que irá ao limite de suas forças para acabar com a Empresa Brasil de Comunicação, a EBC, que define como um “cabide de empregos”, o ministro Geddel Vieira Lima explicou: “Acabar com isso é um imperativo para que o novo governo se diferencie.”
Ora, para se diferenciar o Governo Temer podia se valer de expedientes construtivos num país com tanto por fazer, mas até agora, especializou-se em desmontes. Acabar com a comunicação pública, fundamento democrático observado por tantos outros países, será uma forma de se diferenciar mas pelo atraso, o obscurantismo, a estreiteza, a servidão ao pensamento autoritário que exclui a pluralidade.
Em tempo: não trabalho mais na EBC, empresa da qual fui primeira presidente. Fui dispensada por Laerte Rimoli em sua curta passagem pelo cargo, antes de ser afastado pela liminar do ministro Toffoli. Logo, não defendo emprego nem posição. Defendo a comunicação pública, que tem na EBC sua principal instituição, embora não a única: existem TVs e rádios publicas nos estados, ao lado de emissoras educativas e comunitárias que, juntas, formam o sistema alternativo aos canais comerciais e aos estatais.
O ministro confunde as duas coisas. Fala que o Brasil não precisa de canais estatais. Precisa sim, para que os poderes de Estado prestem contas de suas ações. O legislativo tem dois canais estatais (TVs Câmara e Senado), o Executivo tem a TV NBR e o Judiciário a TV Justiça. O ministro acha que devem acabar? Não está claro, porque confunde estatal com público. Eu daria toda razão ao governo se defendesse o fortalecimento do canal NBR, garantindo-lhe canais na TV aberta, e não apenas nos canais por assinatura. Num esforço recente neste sentido, a EBC cedeu um canal de multiprogramação da TV Brasil para veicular o NBR em sinal aberto. Apenas em Brasília, experimentalmente. Mas misturar na mesma frequência o público e o estatal não é o caminho certo. Fortalecer o NBR seria uma preocupação legítima, mas não a extinção da empresa e dos canais públicos? Será para destiná-los ao setor privado?
Geddel confunde público e estatal. Público é algo não estatal e não comercial. Uma comunicação pertencente à sociedade e voltada para a sociedade, ainda que financiada majoritariamente pelo Estado. O mundo tem belos exemplos de TVs públicas que cumprem esta finalidade, a de oferecer o que é oferecido nem pelos canais privados, que vivem para o lucro trazido pela publicidade, nem pelos canais dos poderes de Estado, permeados por interesses políticos. A PBS nos Estados Unidos (sim, ministro Geddel, eles acham que a TV Pública tem um papel a cumprir, complementar aos das grandes redes americanas!), a BBC na Inglaterra, a RAI na Itália, a RTB em Portugal, a TVE na Espanha, para ficar nos exemplos mais conhecidos. Todas são independentes dos governos e fiscalizadas pela sociedade, através de conselhos plurais. De todas estas, a única que não é financiamento pelo orçamento federal é a BBC, bancada por uma contribuição que o cidadão paga diretamente à empresa gestora. É imposto do mesmo jeito só que via direto para a BBC. Aqui, a duras penas, durante a tramitação da lei da EBC, conseguimos aprovar uma contribuição (formulada pelo esforçado relator que foi Walter Pinheiro na Câmara) a ser paga pelas teles. Até agora, a EBC não viu a cor deste dinheiro. As teles o depositam em juízo, aguardando a ação de inconstitucionalidade que impetraram.
Mas com ou sem contribuição, o Estado brasileiro, como outros Estados democráticos, tem a obrigação de financiar a comunicação pública, e também de manter seu próprio canal de divulgação. Logo, TV Brasil e NBR são coisas completamente distintas. A Lei da EBC errou ao manter as duas estruturas dentro da mesma empresa e há uma explicação para isso: o Congresso já resistiu à criação de uma empresa, imagine se tivessem sido propostas duas. Uma para gerir a comunicação de governo, como fazia a Radiobrás, outra para gerir os canais públicos. Mas devíamos ter enfrentado este debate em 2007. A Radiobrás continuaria existindo para atender o governo e a EBC seria criada apenas para fazer comunicação pública.
Se a comunicação pública fosse algo irrelevante, uma jabuticaba inventada para garantir empregos, como diz Geddel, e fazer apologia dos governos que passam e passarão, os constituintes não a teriam previsto no artigo 223 da Constituição. Se a EBC existisse para fazer apologia governamental, bastaria o atual governo também fazer uso dela para seus interesses. Mas o que se viu foi que a lei da EBC, embora tenha defeitos e precise ser revista, tem salvaguardas contra o aparelhamento. E foi em respeito à lei que o ministro Dias Toffoli reconduziu Ricardo Melo ao exercício de seu mandato como diretor-presidente da empresa.
Esta sanha do governo Temer contra a EBC é suspeita. Ou encobre interesse ou reflete ignorância. Mas uma coisa é certa: para liquidar com a comunicação pública, não bastará extinguir a EBC, suas instalações e suas instituições de controle, como o Conselho Curador. Não bastará revogar a lei que a criou. Será preciso suprimir também o artigo 223 da Constituição. Se o governo Temer conseguir esta proeza, agregará esta marca ao saldo das involuções em curso. Do contrário, mesmo acabando com a EBC, o princípio constitucional seguirá valendo e justificará novos esforços para dotar o Brasil de um sistema voltado para a garantia da pluralidade, da complementaridade entre as vozes, a expressão da diversidade que nos caracteriza como povo. O que não se tolera na TV e nas rádios públicas geridas pela EBC, por maiores que sejam os problemas da empresa, é o fato de garantirem voz a todos, inclusive aos que o governo gostaria de calar.
Artigo publicado em http://www.brasil247.com/pt/blog/terezacruvinel/237712/Acabar-com-a-EBC-diferença-pelo-atraso.htm