Aldeia Nagô
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Adeus General Motors por Michael Moore *

7 - 10 minutos de leituraModo Leitura

Escrevo na manhã que marca o fim da todo-poderosa General Motors. Quando chegar a noite, o Presidente dos Estados Unidos terá oficializado o ato: a General Motors, como conhecemos, terá chegado ao fim.


Estou sentado aqui na cidade natal da GM, em Flint, Michigan, rodeado por
amigos e familiares cheios de ansiedade a respeito do futuro da GM e da cidade.
40% das casas e estabelecimentos comerciais estão abandonados por aqui. Imagine
o que seria se você vivesse em uma cidade onde uma a cada duas casas estão
vazias. Como você se sentiria?

É com triste ironia que a empresa que inventou a obsolescência programada a
decisão de construir carros que se destroem em poucos anos, assim o consumidor
tem que comprar outro tenha se tornado ela mesma obsoleta. Ela se recusou
a construir os carros que o público queria, com baixo consumo de combustível,
confortáveis e seguros. Ah, e que não caíssem aos pedaços depois de dois anos.
A GM lutou aguerridamente contra todas as formas de regulação ambiental e de
segurança. Seus executivos arrogantemente ignoraram os inferiores carros
japoneses e alemães, carros que poderiam se tornar um padrão para os
compradores de automóveis. A GM ainda lutou contra o trabalho sindicalizado,
demitindo milhares de empregados apenas para melhorar sua produtividade a curto
prazo.

No começo da década de 80, quando a GM estava obtendo lucros recordes, milhares
de postos de trabalho foram movidos para o México e outros países, destruindo
as vidas de dezenas de milhares de trabalhadores americanos. A estupidez dessa
política foi que, ao eliminar a renda de tantas famílias americanas, eles
eliminaram também uma parte dos compradores de carros. A História irá registrar
esse momento da mesma maneira que registrou a Linha Maginot francesa, ou o envenenamento
do sistema de abastecimento de água dos antigos romanos, que colocaram chumbo
em seus aquedutos.
 Pois estamos aqui no leito de morte da General Motors. O corpo ainda não
está frio e eu (ouso dizer) estou adorando. Não se trata do prazer da vingança
contra uma corporação que destruiu a minha cidade natal, trazendo miséria,
desestruturação familiar, debilitação física e mental, alcoolismo e dependência
por drogas para as pessoas que cresceram junto comigo. Também não sinto prazer
sabendo que mais de 21 mil trabalhadores da GM serão informados que eles também
perderam o emprego. Mas você, eu e o resto dos EUA somos donos de uma montadora
de carros! Eu sei, eu sei quem no planeta Terra quer ser dono de uma
empresa de carros? Quem entre nós quer ver 50 bilhões de dólares de impostos
jogados no ralo para tentar salvar a GM?
Vamos ser claros a respeito disso: a única forma de salvar a GM é matar a GM.
Salvar a preciosa infra-estrutura industrial, no entanto, é outra conversa e
deve ser prioridade máxima.

Se permitirmos o fechamento das fábricas, perceberemos que elas poderiam ter
sido responsáveis pela construção dos sistemas de energia alternativos que hoje
tanto precisamos. E quando nos dermos conta que a melhor forma de nos
transportarmos é sobre bondes, trens-bala e ônibus limpos, como faremos para
reconstruir essa infra-estrutura se deixamos morrer toda a nossa capacidade
industrial e a mão-de-obra especializada?

Já que a GM será reorganizada pelo governo federal e pela corte de falências,
aqui vai uma sugestão ao Presidente Obama, para o bem dos trabalhadores, da GM,
das comunidades e da nação. 20 anos atrás eu fiz o filme Roger & Eu, onde
tentava alertar as pessoas sobre o futuro da GM. Se as estruturas de poder e os
comentaristas políticos tivessem ouvido, talvez boa parte do que está
acontecendo agora pudesse ter sido evitada. Baseado nesse histórico, solicito
que a seguinte ideia seja considerada:

1. Assim como o Presidente Roosevelt fez depois do ataque a Pearl Harbor, o
Presidente (Obama) deve dizer à nação que estamos em guerra e que devemos
imediatamente converter nossas fábricas de carros em indústrias de transporte
coletivo e veículos que usem energia alternativa. Em 1942, depois de alguns
meses, a GM interrompeu sua produção de automóveis e
adaptou suas linhas de montagem para construir aviões, tanques e metralhadoras.
Esta conversão não levou muito tempo. Todos apoiaram. E os nazistas foram
derrotados. Estamos agora em um tipo diferente de guerra uma guerra que nós
travamos contra o ecossistema, conduzida pelos nossos líderes corporativos.

Essa guerra tem duas frentes. Uma está em Detroit. Os produtos das fábricas da
GM, Ford e Chrysler constituem hoje verdadeiras armas de destruição em massa,
responsáveis pelas mudanças climáticas e pelo derretimento da calota polar. As
coisas que chamamos de carros podem ser divertidas de dirigir, mas se
assemelham a adagas espetadas no coração da Mãe Natureza. Continuar a construir
essas coisas irá levar à ruína a nossa espécie e boa parte do
planeta.

A outra frente desta guerra está sendo bancada pela indústria do petróleo
contra você e eu. Eles estão comprometidos a extrair todo o petróleo localizado
debaixo da terra. Eles sabem que estão chupando até o caroço. E como os
madeireiros que ficaram milionários no começo do século 20, eles não estão nem
aí para as futuras gerações. Os barões do petróleo não estão contando ao
público o que sabem ser verdade: que temos apenas mais algumas décadas de
petróleo no planeta. À medida que esse dia se aproxima, é bom estar preparado
para o surgimento de pessoas dispostas a matar e serem mortas por um litro de
gasolina. Agora que o Presidente Obama tem o controle da GM, deve imediatamente
converter suas fábricas para novos e necessários usos.

2. Não coloque mais US$30 bilhões nos cofres da GM para que ela continue a
fabricar carros. Em vez disso, use este dinheiro para manter a força de
trabalho empregada, assim eles poderão começar a construir os meios de
transporte do século XXI.

3. Anuncie que teremos trens-bala cruzando o país em cinco anos. O Japão está
celebrando o 45o aniversário do seu primeiro trem bala este ano. Agora eles já
têm dezenas. A velocidade média: 265km/h. Média de atrasos nos trens: 30
segundos. Eles já têm esses trens há quase 5 décadas e nós não temos sequer um!
O fato de já existir tecnologia capaz de nos transportar de Nova Iorque até Los
Angeles em 17 horas de trem e que esta tecnologia não tenha sido usada é algo
criminoso. Vamos contratar os desempregados para construir linhas de trem por todo
o país. De Chicago até Detroit em menos de 2 horas. De Miami a Washington em
menos de 7 horas. Denver a Dallas em 5h30. Isso pode ser feito agora.

4. Comece um programa para instalar linhas de bondes (veículos leves sobre
trilhos) em todas as nossas cidades de tamanho médio. Construa esses trens nas
fábricas da GM. E contrate mão-de-obra local para instalar e manter esse
sistema funcionando.

5. Para as pessoas nas áreas rurais não servidas pelas linhas de bonde, faça
com que as fábricas da GM construam ônibus energeticamente eficientes e limpos.

6. Por enquanto, algumas destas fábricas podem produzir carros híbridos ou
elétricos (e suas baterias). Levará algum tempo para que as pessoas se
acostumem às novas formas de se transportar, então se ainda teremos automóveis,
que eles sejam melhores do que os atuais. Podemos começar a construir tudo isso
nos próximos meses (não acredite em quem lhe disser que a adaptação das
fábricas levará alguns anos isso não é verdade)

7. Transforme algumas das fábricas abandonadas da GM em espaços para moinhos de
vento, painéis solares e outras formas de energia alternativa. Precisamos de
milhares de painéis solares imediatamente. E temos mão-de-obra capacitada a
construí-los.

8. Dê incentivos fiscais àqueles que usem carros híbridos, ônibus ou trens.
Também incentive os que convertem suas casas para usar energia alternativa.

9. Para ajudar a financiar este projeto, coloque US$ 2,00 de imposto em cada
galão de gasolina. Isso irá fazer com que mais e mais pessoas convertam seus
carros para modelos mais econômicos ou passem a usar as novas linhas de bondes
que os antigos fabricantes de automóveis irão construir.

Bom, esse é um começo. Mas por favor, não salve a General Motors, já que uma
versão reduzida da companhia não fará nada a não ser construir mais Chevys ou
Cadillacs. Isso não é uma solução de longo prazo. Cem anos atrás, os fundadores
da General Motors convenceram o mundo a desistir dos cavalos e carroças por uma
nova forma de locomoção. Agora é hora de dizermos adeus ao motor a combustão.
Parece que ele nos serviu bem durante algum tempo. Nós  aproveitamos
restaurantes drive-thru. Nós fizemos sexo no banco da frente e no de trás
também. Nós assistimos filmes em cinemas drive-in, fomos à corridas de Nascar
ao redor do país e vimos o Oceano Pacífico pela primeira vez através da janela
de um carro na Highway e agora isso chegou ao fim. É um novo dia e um novo
século. O Presidente e os sindicatos dos trabalhadores da indústria
automobilística devem aproveitar esse momento para fazer uma bela limonada
com este limão amargo e triste.

Ontem, a último sobrevivente do Titanic morreu. Ela escapou da morte certa
naquela noite e viveu por mais 97 anos. Nós podemos sobreviver ao nosso Titanic
em todas as Flint Michigans deste país. 60% da General Motors é nossa. E
eu acho que nós podemos fazer um trabalho melhor.

*o autor é cineasta e escritor.

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