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Agora, a moda é o “processo penal da humilhação” Por Afrânio Silva Jardim

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Sobre o princípio da igualdade, existem muitas e excelentes obras jurídicas. Todas demonstram que este importante princípio não tem o significado simplista e do senso comum que se propaga atualmente, veiculado por uma mídia despreparada e incompetente.

Aqui, não pretendemos entrar neste debate teórico. Vamos aceitar esta visão estreita do princípio e questionar algumas práticas sensacionalistas da autuação persecutória do Estado.

1 – Promotores e Promotoras de Justiça do E.R.J., em diligência filmada e divulgada nas redes sociais, compareceram à cela do ex-governador Sérgio Cabral e lá apreenderam diversos bolinhos de bacalhau, camarão congelado, danoninhos, biscoitos e outras pequenas iguarias. Mostraram, para todo o Brasil, que os presos da “Lava Jato” não podem ter qualquer tipo de privilégio (embora os atos de corrupção no Rio de Janeiro não tenham qualquer ligação com os contratos da Petrobrás. Para a imprensa, tudo é Lava Jato ou “braço” da Lava Jato”, ou seja, “processo penal do espetáculo”).

2 – Como todos são iguais perante a lei, esperamos que, esta próxima semana, estes zelosos membros do Ministério Público façam igual diligência nas demais celas e nos demais presídios, onde certamente vão apreender: estiletes, facas, telefones celulares, maconha e alguma cocaína. Certamente vão encontrar também algumas iguarias clandestinas. Vamos aguardar estas diligências que, inclusive, são exigências legais (fiscalização dos presídios) …

3 – No Distrito Federal, transferiram para uma “solitária” (cela isolada), como punição por grave indisciplina, um deputado federal que estava cumprindo pena em regime semiaberto. A sua grave falta foi tentar entrar no presídio com um queijo desidratado e dois pequenos sacos de biscoitos, escondidos em sua cueca.

Não satisfeitos com este desproporcional castigo, deram ampla publicidade a este comportamento que não deveria merecer maior atenção da imprensa. Entretanto, conseguiram humilhar o preso e deprimir os seus familiares, pois ele virou objeto de chacota popular.

4 – Há muito tempo que a imprensa não noticia que algum preso tenha sido surpreendido com entorpecentes ou outros objetos ocultos em suas vestes … Será que isto não mais ocorre em nosso país ou será que este espetáculo já não tem mais público ???

É importante que ressaltemos que a pena prevista em nosso Código Penal é tão somente de “reclusão”, vale dizer, “clausura física”. Não temos sanção penal de isolamento absoluto (salvo o tal do regime diferenciado para casos extremos, expressos e mediante decisão judicial).

A pena não é de “exclusão cultural” da sociedade. É bom que o preso possa ler jornais, livros e escrever (como sempre pediam os presos políticos, no triste passado), bem como possa ouvir rádio, ver televisão e filmes. Melhor se os presos puderem estudar e trabalhar. Lógico que obedecendo às regras das unidades prisionais.

Enfim, é preciso que a grande imprensa e o público em geral não pensem que a prisão é um martírio, como era na Idade Média. A barbárie já ficou para trás (ao menos, é o que espero), malgrado a tragédia da qual foi vítima o reitor da UFSC, professor doutor Luiz Carlos Cancellier de Olivo.

Por derradeiro, quero deixar consignado o meu lamento por estarmos ultrapassando o chamado “processo penal do espetáculo” e estarmos entrando em uma nova fase perversa do nosso sistema de justiça criminal.

Agora, o processo penal do espetáculo não é mais suficiente para atender a este desejo coletivo de vingança; agora, estamos diante de algo mais tenebroso, vale dizer, estamos na fase do “processo penal da humilhação”.

E salve-se quem puder, pois, como disse o poeta e dramaturgo Bertolt Brecht: “a cadela do fascismo está sempre no cio”.

Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente em Direito Proc. Penal pela Uerj

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