Aldeia Nagô
Facebook Facebook Instagram WhatsApp

Aguinaldo Timóteo quis me bater. Charles viu. Por Galindo Luma

4 - 5 minutos de leituraModo Leitura

Esse lamentável episódio ocorreu em 1998, portanto há 20
anos. Lamentável por que nesse período eu não tinha ainda a consciência do
politicamente correto, quando cheguei a cometer um ato de preconceito – isso
mesmo, 
preconceito contra um homossexual famoso.


 Não que fosse um homofóbico, mas usei o surrado rótulo de "bicha"" com o
objetivo de atingir alguém que eu não gostava e não gosto,uma figura abjeta, de
posições políticas atrasadas, conservadoras, sempre fazendo coro com a hipócrita
elite brasileira. Me arrependo, em que pese os atenuantes das circuntâncias.
Talvez o exemplo sirva de aprendizado para outros..

Vamos ao caso. O Bahia tinha
montado um belo time de futebol e viria a ser campeão brasileiro. Num dos jogos
da Fonte Nova estava lá, torcendo pelo glorioso Clube Atlético Mineiro. A
torcida mais animada e aguerrida do Brasil – a única que se assemelha ao
torcedor argentino -, estava ladeada à esquerda e à direita pela belíssima
torcida do Bahia. Do outro 
lado à direita da grade que nos separava tinha um torcedor
ilustre, Agnaldo Timóteo, bem próximo a mim, coisa de
dois metros.

Todo mundo dizia que ele namorava com o  lateral direito
Zanata, jogador consagrado e que tinha o passe
perfeito. Em muitas oportunidades, em suas bolas enfiadas pelo ladinho , Bobô, com sua elegância sutil, terminava por empurrar pra
dentro … das redes.

Lá pelas tantas, torcedores do Bahia, entre os quais o
cantor citado, iniciaram as tradicionais provocações contra os poucos mais de
500 atleticanos, 
entoando palavrões e xingamentos de baixo nível (galinha, time de
puta, time de bichas,  nigrinhas etc), procedimentos
"normais"  num estádio. Na época, estava em curso um confronto na constituinte,
entre o que defendiam avanços em favor do país e do povo e os que defendiam os
interesses dos banqueiros, latifundiários e grandes empresários – o famoso centrão -,  que  tinha entre seus quadros
exatamente a pessoa que você está pensando.

Com raiva dele por ser constituinte reacionário e pela
provocação à nossa torcida, me dirigir a ele e gritei: – cale a boca, bicha do
centrão. Foi o suficiente para o  homem ser possuído
por uma fúria descomunal. Ele vomitou todo seu estoque de palavrões – que não é
pouco e, pasmem, tentou pular a grade, jurando que ia me moer de pancadas. Só
não conseguiu por que um policial interveio e os arames farpados me protegeram
daquele brutamonte.

Antes de acabar o jogo ele me gritou e disse: – Olhe seu
filho da puta. Um dia ainda lhe encontro e você vai
conhecer de perto a bicha do centrão. Assustado com as ameaças, tratei de sair mais cedo e, como
diz o baiano, me piquei. Pensa você que a história acabou aqui? Não. Na
segunda-feira de manhã, quando eu atravesso aquele semáforo em frente a agência da Caixa Econômica, que liga o Vale dos Barris à
Avenida setembro, vejo um belo conversível esperando o sinal abrir. Quem
dirigia? Ele próprio.

Parei bem na ponta da calçada e conferi. Ele ouvia
música e se mostrava tranqüilo, num início de um belo dia de sol. Deve ter
passado a noite vendo as bolas entrarem –  nos programas esportivos noturnos de
TV. Quando  surgiu o sinal amarelo da  outra pista, que livraria o trânsito para
ele, criei coragem e gritei: – Ei bicha reacionária,
olhe eu aqui de novo! Nisso os carros de trás já estavam buzinando e ele gritou:
– Seu filho da puta, é agora que te peg.  Desceu do
carro e ensaiou  correr atrás de mim, mas logo desistiu, já que não conseguiria
me alcançar, provocaria um mangue no trânsito  e  teria seu carro recolhido.

E  quem é  Charles? Oriundo de uma próspera família  –
família Carmo -, de Euclides da Cunha, que quando aqui chegou, ajudou a
prosperar a próspera industria de bebidas,  atualmente estuda direito na UFBa – a
irmã jura que ele faz direitinho . Tinha 11 anos de idade
 quando morava nas Mercês e no
exato momento em que provoquei o artista 
estava ele  no lugar certo,  na hora certa. Toda vez que me encontra  ou
manda e-mails lembra daquela  cena grotesca que assistiu de camarote e
ultimamente vinha me perseguindo pra botar no papel. Botei. Vocês
gostaram?  Ia me esquecendo:  por razões óbvias 
passei mais de uma ano sem circular naquelas
imediações. 

(*) Galindoluma é
palpiteiro

Compartilhar:

Mais lidas