Aldeia Nagô
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Amor em quatro atos: o que é o amor romântico? por Nick Yee

10 - 14 minutos de leituraModo Leitura
Nick-Yee

Por algum motivo estranho, o amor romântico é a parte menos compreendida da psique humana, uma vez que estamos satisfeitos com a crença de que seja algo que “apenas acontece”, ou que seja uma experiência vivida de forma muito totalmente diferente por cada pessoa, ao ponto de tornar sua articulação é impossível.

De fato, os textos técnicos de psicologia social falam muito sobre os fatores que impactuam a formação de relacionamentos (proximidade, familiaridade, atitudes compartilhadas, etc), mas eles tipicamente não tem muito a dizer sobre o amor romântico como algo diferente de amizades platônicas.

Por trás do brilho místico de fachada do amor, que por vezes é até mesmo mítico, talvez haja algo que possamos articular, e sobre o que possamos falar com sentido. E talvez compreender o amor romântico nos empodere, e não o corrompa com exploração deliberada. Aqui apresento uma história do amor romântico através de quatro perspectivas interconectadas: contos de fada, psicologia junguiana, uma coleção de entrevistas e biologia. Trata-se de uma história do amor romântico contada por quatro perspectivas diferentes.

O mais sensato é começar clarificando a terminologia – o que queremos dizer com “amor romântico”? Quase três décadas atrás, em 1978, Elaine Hatfield escreveu um livro seminal sobre o tópico do amor – separando o amor passional do amor de fazer companhia.

Ela definiu o amor passional como um estado de “anseio profundo pela união com o outro”, e o amor de companhia como “a afeição que sentimos por aqueles com quem temos laços profundos”.

Na mesma época, Dorothy Tennov tentava responder essa mesma questão com seu livro “Amor e Limerência” e, como Hatfield, rapidamente fez diferença entre o “amor” que é importar-se sinceramente com o “amor” que é intenso, eufórico, efêmero.

Mas Tennov percebeu algo mais irracional e complexo com relação a esse segundo tipo de amor do que Hatfield descreveu. Tennov cunhou o termo “limerência” para essa segunda forma, de forma a poder discutí-lo como um conceito separado de “amor”.

Ela percebeu que “amor” é uma emoção a partir da qual se toma uma ação, enquanto que “limerência” é mais um estado alterado pelo qual as pessoas passam (diferente do proverbial “eu te amo, mas não estou apaixonado”).

Depois de entrevistas com centenas de indivíduos que estavam “apaixonados”, Tennov fez essa lista de sintomas da limerência:

1) Pensamentos intrusivos sobre o objeto do desejo passional (o “objeto de limerência”, ou OL)

2) Extrema ânsia por reciprocidade

3) O temperamento fica dependente das ações do OL

4) Incapacidade de reagir de forma limerente com relação a mais de uma pessoa ao mesmo tempo (exceto quando a limerência está se dissipando)

5) Timidez perturbadora e medo de rejeição quando na presença do OL

6) Intensificação com o encontro com a adversidade (até certo ponto)

7) Sensibilidade aguda a qualquer condição que seja interpretada como favorável

8) Uma dor no “coração” (uma sensação pesada no peito)

9) Flutuação (uma sensação de “leveza”)

10) Uma intensidade tal do sentimento que deixa outras preocupações em segundo plano

11) Uma capacidade surpreendente de empatia com os traços positivos do OL, enquanto que os traços negativos são vistos como “adoráveis”, até quase serem percebidos como traços positivo.

O paradoxo central da limerência é que alguém ativamente limerente acredita estar vivendo a experiência mais única e extática do mundo, ainda que a limerência tenha características bastante universais (pelo menos nas culturas ocidentais; se pode dizer que as culturas tradicionais asiáticas entendem a limerência, mas não a usam como base para o casamento).

De fato, como Tennov percebeu, há um script cultural que todos aprendemos, e que ensina a entrar e sair da limerência: a flutuação inicial, a ansiedade e inibição consequentes, distração e euforia intensas, geralmente encerrados numa desilusão devastadora. Todo mundo conhece esse script.

E uma razão por que conhecemos esse script tão bem é por que ouvimos a respeito dele desde crianças. Todos nós, quando crianças, já fomos dormir com um conto de fadas ainda borbulhando na mente. Marcia Lieberman principalmente criticou os contos de fada por condicionarem as meninas a se tornarem mulheres submissas que acreditam que a beleza e a docilidade são os únicos traços que recebem boas recompensas na vida, mas em seu ensaio “Algum dia meu príncipe aparece”, ela também aponta algo muito interessante sobre o próprio amor romântico.

A maioria dos contos de fada termina com um “felizes para sempre”, mas esses contos de fada quase sempre têm um protagonista vindo de uma família fraturada. Pelo menos um dos pais morreu, está desaparecido, ou há uma madrasta ou padrasto maus. Os contos de fada implicam que o amor romântico leva a casamentos felizes, mas mesmo assim as famílias retratadas são partidas. O paradoxo do amor nos contos de fada é que todo mundo é feliz para sempre, mas ninguém aparece feliz. O “felizes para sempre” do amor é sempre enfatizado, mas nunca mostrado.

Mas o que significa crescer com histórias onde ideias tão estranhas de amor romântico se cruzam? De fato esses símbolos e temas seguem a nosso redor enquanto adultos. O príncipe e a princesa apenas mudam de forma e surgem nas sitcoms, nos filmes e lotam os romances, peças e até mesmo as músicas. A mesma história é recontada, vez após vez, para todas as idades.

Em seu livro “Nós: Compreendendo a Psicologia do Amor Romântico”, Robert Johnson mostra como crescemos acreditando nas ideias irracionais de amor romântico do script de conto de fadas. Como analista junguiano, Robert Johnson se interessa em explorar o arquétipo cultural do amor romântico de forma a descobrir sua essência psicológica e sentido. Como Tennov, ele diferencia amor romântico de amor sincero – “O amor romântico não é amor, mas um complexo de atitudes para com o amor – sentimentos involuntários, ideais e reações”. Johnson aponta uma ideia central de amor que Tennov não enfatiza:

Quando estamos “apaixonados” nos sentimos completos, como se uma parte nossa que se perdeu nos fosse retornada; nos sentimos elevados, como se repentinamente erguidos acima do nível do mundo comum. A vida ganha intensidade, glória, êxtase e transcendência.

Para Johnson, o amor romântico é um tipo de experiência religiosa primal – tanto uma revelação quanto um êxtase – e é uma parte fundamental de nosso inconsciente coletivo. A tragédia de nosso entendimento cultural do amor romântico é que ele faz imposições a nossos parceiros românticos, porque passamos a acreditar que eles tenham “a responsabilidade de completar nossas vidas … dar sentido a elas, fazê-las intensas e cheias de êxtase”.

A causa do problema é que quando estamos apaixonados, ficamos “em transe, mesmerizados, … temos uma visão mística – mas de algo separado e distinto de nosso self humano”. Vemos nossos parceiros românticos como versões idealizadas, endeusadas. E ficamos eufóricos com essa visão, e não com a pessoa em si. Para Johnson, o paradoxo do amor romântico é que “ele, enquanto permanece romântico, nunca produz relacionamentos humanos” porque estamos apaixonados com nossas próprias criações fantásticas e não pela outra pessoa como ela realmente é.

De forma ainda mais trágica, “presumimos que o ingrediente central que precisamos para um ‘relacionamento’… é o romance” e que um relacionamento sem esse tipo de amor intenso e invasivo tem pouco valor, a ponto de “se um relacionamento direto, não complicado e simples nos oferecer felicidade, não a aceitamos”.

A tragédia vem do fato simples de que o amor romântico sempre se dissipa, e a maioria das pessoas não sabe como derivar um relacionamento fantástico e extático de um relacionamento sincero e humano. E se aprendemos alguma coisa com os contos de fada é que o relacionamento sem amor romântico não tem valor.

Por toda vida tivemos uma visão do que o amor devia ser, e agora acreditamos que nosso “amor de verdade” precisa estar esperando por nós. A maioria das pessoas está para sempre presa nesse ciclo de lavar e secar do amor romântico, porque eles acreditam que o intenso amor romântico pode ser algo duradouro.

Os casais românticos que passaram mais da metade da vida juntos tem algo bem diferente de amor romântico. Johnson chama esse amor de “mexer o mingau” – “representa uma disposição de compartilhar a vida comum e humana, encontrar sentido nas tarefas simples e nada românticas… encontrar conexão, valor e beleza nas coisas simples e comuns, e não exigir eternamente um drama cósmico… uma intensidade extraordinária em tudo”.

De uma forma estranha, esse amor é verdadeiro porque pode durar, mas não é o script de amor com que somos bombardeados por todo tipo de entretenimento ou literatura por toda a vida.

Considerando tudo isso, se o amor romântico ou limerência é tão destrutivo e irracional, por que ele ocorre? Tennov pondera brevemente em seu livro sobre as possíveis bases biológicas da limerência. Como uma adaptação evolucionária, a limerência pode ser uma reação a um conjunto de traços de atração física ou saúde genética. A primeira vista, faz muito sentido que nos tornemos intensamente atraídos por parceiros sexuais altamente desejáveis, mas isso é luxúria – uma reação erótica intensa, que é diferente da limerência – cujo conjunto de respostas e atitudes que pode ser independente do desejo sexual.

Quando temos limerência por alguém, queremos estar com essa pessoa e que essa pessoa goste de nós. Quando temos luxúria, só queremos sexo. Esta é uma distinção importante. Faz sentido termos luxúria por um parceiro sexual altamente desejável, mas por que ficamos limerentes?

A resposta diz respeito ao tamanho de nossos cérebros. Enquanto que nossa pélvis diminuiu ao longo de milhões de anos, o tamanho de nosso cérebro aumentou. O problema é que os bebês não conseguem se desenvolver totalmente dentro do útero da mãe, caso contrário ficam grandes demais para serem paridos. Então todos nascemos “prematuros”, de forma a nos desenvolvermos fora do útero. Mas isso deixa tanto a mãe quanto a criança altamente vulnerável num ambiente tribal de coleta e caça.

Em particular isso ocorre por que os bebês não conseguem se segurar nas mães, como fazem todos os outros bebês primatas (por termos braços pelados e mais curtos). De fato, a única forma de um bebê humano sobreviver num ambiente de caça e coleta é se os dois pais estão presentes. A limerência é possivelmente uma adaptação evolucionária que cria um apego emocional irracional a outro individuo pelo tempo provável de uma concepção, nascimento e cuidados iniciais com o bebê.

Essa duração é de dois a três anos, que é quanto os casamentos geralmente duram – tempo suficiente para ter um filho, e para esse filho começar a andar.

E claro, Tennov provavelmente tem razão quanto a fato de que a limerência é desencadeada por alguns dos traços que implicam saúde genética (tais como ser atraente fisicamente) e que diferem de pessoa para pessoa. Por exemplo, já foi demonstrado que nos atraímos ou repelimos em graus diversos com odor natural do corpo de outros indivíduos.

A pesquisa mostrou que tipicamente não somos atraídos pelos odores corporais de familiares próximos (outra resguarda quanto ao incesto) ou por pessoas cuja genética seja muito diferente da nossa. Tipicamente gostamos dos cheiros dos indivíduos que estão em algum ponto óptimo longe dos dois extremos.

A teoria por trás disso é que os ferormônios no nosso odor corporal são uma assinatura de nosso sistema imunológico, e um dos motivos pelos quais o sexo existe em primeiro lugar é aumentar a variação genética para ajudar no combate contra vírus e bactérias em constante evolução. É essencialmente uma guerra armamentista entre nós e os vírus que nos força a aumentar a variação genética de nossa prole, ou morrer. Em resumo, a limerência é plausível como adaptação evolucionária.

A maioria de nós em algum momento já se sentiu preso nas algemas irracionais e dolorosas da limerência fora de controle. Mas numa cultura em que o “amor” romântico é muitas vezes apresentado de formas completamente paradoxais, é inevitável que muitas pessoas sejam incapazes de separar a limerência do amor.

O amor romântico com todas as suas implicações, está profundamente enraizado em nossa cultura, e talvez essas reações irracionais tenham causas evolucionárias, mas isso não significa que tenhamos que nos deixar aprisionar por elas.

Na medida em que projetamos idealizações endeusando nossos parceiros românticos e exigindo que nos façam felizes, como descrevem os contos de fada, nunca os realmente amaremos como seres humanos. A limerência pode ser uma forma maravilhosa de começar um relacionamento, mas esse relacionamento não irá a lugar algum se os dois indivíduos não estiverem dispostos a ver um ao outro como realmente são.

No final, a base de um relacionamento estável está fundada num amor que emerge não apesar de, mas exatamente pelas falhas e fraquezas do outro, porque no fim são nossas imperfeições que nos fazem humanos. Podemos buscar a limerência com os anjos, mas só encontraremos amor verdadeiro entre os mortais.

Notas:

1) Uma das coisas que fez Tennov começar seu estudo da limerência foi sua descoberta de “não limerentes naturais” – pessoas que não vivenciam a limerência, e não porque estejam ativamente negando as próprias emoções. Tennov documenta ter encontrado vários indivíduos que nunca se sentiram limerentes, e se sentem confusos com relação ao retrato que a mídia faz desse conjunto de emoções e atitudes. Uma causa biológica na verdade permite um espectro de “reações limerentes”, com indivíduos podendo estar presentes nos extremos do espectro.

2) Robert Sternberg tem uma teoria triarquica do amor, composta de 3 fatores: intimidade, paixão e compromisso, e nesse paradigma, todas as 3 são necessárias para “consumar” o amor. Enquanto que isso possa parecer contradizer o que Tennov e Johnson disseram, isso pode ser culpa da conceptualização mais suave de Sternberg com relação à paixão, que para ele não inclui os elementos cheios de drama, mais irracionais ou emocionalmente carregados, que Tennov e Johnson descrevem. A paixão de Sternberg é melhor descrita como um romance tépido.

Referências:

Hatfield, E., & Walster, G. W. (1978). A new look at love. Addison-Wesley.

Johnson, Robert A.We: Understanding the Psychology of Romantic Love. Harper San Francisco. 1983.

Lieberman, Marcia K. “‘Some Day My Prince Will Come’: Female Acculturation through the Fairy Tale.” In Don’t Bet on the Prince: Contemporary Feminist Fairy Tales in North America and England. Ed. Jack Zipes. New York: Methuen, 1986, pp. 185-200.

Tennov, Dorothy. Love and Limerence. Scarborough House. 1979.

Thornhill, Randy, Gangestad, Steven W. The scent of symmetry: A human sex pheromone that signals fitness? Evolution & Human Behavior Vol 20(3) (May 1999): 175-201

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Nota da tradução: esse texto foi originalmente publicado na página do autor e traduzido sob autorização.

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