Amor Líquido – Zygmunt Baumam
Este é o livro mais popular de Zygmunt Bauman no Brasil e não é uma grande surpresa. É em Amor Líquido que o autor elabora análises próxima ao cotidiano, se concentrando em relações amorosas (até mais, analisando as relações sociais como um todo) e fornecendo material para entendermos o que é a liquidez do mundo moderno.
Amor Líquido: Sobre A Fragilidade dos Laços Humanos
Uma coisa é clara em suas obras: vivemos em um mundo de incerteza, extrema insegurança em relação à duração da ordem política e à estabilidade de cada sujeito dentro da sociedade. São tempos de relações sociais frágeis, que cada vez mais se tornam relações mercantilizadas e individualizadas. Não há um referencial moral, uma lado a seguir (como na época da divisão do mundo entre o Bloco Capitalista e o Bloco Comunista): estão todos jogados à responsabilidade e risco de seguirem e construírem suas vidas sem porto seguro nenhum.
Neste contexto, a relação social, pautada em uma responsabilidade mútua entre as partes que se relacionam, é trocada por um outro tipo de relação que o autor chama de conexão. Ele tira esta palavra das análises de relacionamentos em sites de encontros. Em suas pesquisas ele percebe que o grande agrado dos sites de encontros está na facilidade de esquecer o outro, de se desconectar.
Sem pressão para estabelecer responsabilidade mútua entre seus participantes, o relacionamento se torna frágil, uma mera conexão, nova forma vigente de se relacionar na modernidade líquida. Todos podem, sem o menor remorso, trocar seus parceiros por outros melhores. Desta forma, a maior utilidade do termo “conexão” é evidenciar a facilidade de se desconectar.
Para Bauman, quando a qualidade das relações diminui vertiginosamente, a tendência é tentar recompensá-la com uma quantidade absurda de parceiros. Talvez um bom exemplo seja, também, a quantidade de amigos que as pessoas costumam ter em redes sociais. São números que ultrapassam 300, 500 amigos, algo que seria irreal para uma convivência cotidiana de qualidade.
Zygmunt Bauman relaciona afinidade e parentesco
Para tentar explicar a relação amorosa em Amor Líquido, Zygmunt Bauman utiliza das categorias de Afinidade e Parentesco:
O parentesco seria o laço irredutível e inquebrável. É o laço de sangue (mesmo que tenha uma significação cultural maior que biológica), é aquilo que não nos dá escolha. O parentesco é aquilo que se impõe desde que nascemos e que é impossível renegar. Mesmo que não gostemos, nossos parentes serão nossos parentes para sempre e a cultura nos prescreve obrigações e direitos rígidos em relação a eles.
A afinidade é, ao contrário do parentesco, eletiva. A afinidade é escolhida, num processo que pode resultar na firmação da afinidade ou na rejeição. Sempre há a possibilidade de voltar atrás e deixar tudo de lado. Porém, e isso é importante, o objetivo da afinidade é ser como o parentesco.
Bauman, em Amor Líquido, afirma que até mesmo a afinidade está se tornando algo pouco comum em uma sociedade de extrema descartabilidade. Não há razão para caminhar à afinidade, sendo que não há o menor objetivo em firmar um laço que seja parecido com o parentesco. Não há objetivo de fixidez. As relações se desenvolvem com aquilo que já se tem, não com aquilo que ambos estão a fim de ter. Não se arrisca, por exemplo, a amar sinceramente (se entregar).
Isso pode ser levado para o campo político: é na falta do verdadeiro amor que a militância se perde. Não há amor pela causa, não há rigidez em relação aos seus objetivos, não há tentativa de manter um relacionamento com o programa de um coletivo, de um partido ou de um movimento. Essa fixidez é renegada a favor da livre escolha, da decisão individual, que obriga o indivíduo a estar sempre disponível para voltar atrás.
Ferramentas de socialização
A dificuldade em lidar com o outro está na falta das ferramentas necessárias para se iniciar um relacionamento. Nas obras de Zygmunt Bauman, está posto que as novas formas de se relacionar se opõem às antigas, sendo que a habilidade com as primeiras reduz a capacidade com as últimas.
O contato via rede social tomou o lugar de boa parte dos solteiros que iriam para bares em busca de parceiros, no entanto, os poucos que ainda os frequentam, não sabem mais como se relacionar em tal ambiente.
A situação de extrema insegurança e incerteza também se relaciona com a incapacidade de amar o próximo. O que quero dizer? Se o outro é sempre um possível agressor e um alguém que nos tira a possibilidade de aproveitar a vida de maneira plena, então não há sentido em amá-lo (no sentido pleno da palavra ‘amor’), em confiar em sua presença, em ter certeza que ele vale nosso amor.
Relacionando isso com o número ascendente de diagnósticos de depressão e síndrome do pânico, Bauman voltar ao conceito para defini-lo, se debruçando, primeiramente, no amor-próprio.
Amar o próximo como a ti mesmo
O autor diz que o amor-próprio é resultado de ser amado. Esta é uma relação infinita e incessante: quando o sujeito percebe que sua voz é ouvida, que sua opinião é importante ou que sua presença será sentida, ele entende que é único, especial e digno de amor. Só o outro pode dizer que somos dignos e amor, o que fazemos é reconhecer esta classificação.
Num processo de identificação com aquele que nos amou, também entendemos que a necessidade de amor existe nele (ou melhor, entendemos a sua singularidade). Nós nos amamos quando nosso ego se identifica com o outro e, desta forma, amamos a nós, merecedores de amor, e amamos o outro identificado.
É nesta relação que Bauman diz ser “amar ao próximo como ama a ti mesmo” a máxima que funda a moralidade. O instinto de preservação não é suficiente para a sobrevivência. É necessário haver uma instância moral atuando nas definições do eu e do outro para que haja uma relação humana que seja algo mais que uma relação puramente animal.
Entretanto, em uma sociedade de pura incerteza em relação ao outro, o amor nos é negado. É negado a dignidade de ser amado. Não há amor-próprio e não há injunções sociais que prescrevem o amor ao próximo, fazendo dele algo fundamental na vida em sociedade. Amar o próximo não é natural, é, na verdade, algo contra nossos instintos mais básicos: por isso é o ato fundador da moralidade.
Se nossas ferramentas de relacionamento estão engajadas com nossa época fluida e se as injunções/prescrições para amar ao próximo estão cada vez mais formais e estabelecidas por códigos penais, então o caminho da sociedade é a autodestruição após um longo definhamento.
Publicado originalmente em http://www.revistapazes.com/5016-2/