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Animai-vos povo de Salvador: está chegando a hora de todos sermos iguais, de todos sermos irmãos! por Elias De Oliveira Sampaio

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Qualquer que seja o resultado das próximas eleições municipais de Salvador deste ano uma vitória já pode ser anunciada: o povo negro da cidade, que é a sua grande maioria, fará suas escolhas políticas, olhando para as chapas majoritárias e identificando, em maior ou menor grau, representantes de sua comunidade e, se considerarmos os resultados das ultimas pesquisas eleitorais, a escolha deverá recair numa chapa que tem como candidatas a vices  mulheres negras.

Desse ponto de vista, o ano de 2012 representa um marco divisório para evolução política da cidade à medida que todas as chapas (exceto a do franco atirador Da Luz) tem negros e negras como candidatos a prefeito ou a vice. O passado de representantes das elites econômicas, brancas e, vi a de regra, conservadoras, competindo entre si e para si, pode estar cedendo espaço para outros arranjos eleitorais mais condizentes com o perfil de uma cidade que é genuinamente multicultural e pluriétnica. Mas do que isso, engana-se e enganou-se quem imaginou que “pintar” a chapa ou parte dela de “preto”, seria apenas mais uma jogada de marketing político eficiente para época de eleição: as questões raciais foram centrais na disputa e peça importante no debate, em especial, entre os candidatos mais pontuados nas pesquisas, Nelson Pelegrino e ACM Neto.

Na verdade, o debate se deu entre duas forças que vem dirigindo o Brasil nos últimos dezoito anos. O DEM e PSDB de 1994 a 2002 e PT e partidos aliados de 2003 até a hoje. Significa dizer que, as discussões raciais e o aumento da representação racial nas disputas das eleições majoritárias da capital baiana devem ser vistas sobre duas dimensões importantes. A primeira é que essa representa tividade é uma vitória (preliminar) para o povo negro da cidade, em especial os militantes dos movimentos sociais antirracistas, visto que essa demanda já vinha, de muito tempo sendo colocada por esses atores sociais nas agendas dos debates políticos eleitorais de Salvador. A segunda dimensão diz respeito ao debate político concreto subjacente a essas representatividades negras nas chapas majoritárias. O que está em jogo, de fato – e as peças publicitárias dos candidatos vêm mostrando isso –  é qual o projeto político partidário e institucional que mais incorporou as demandas históricas dos movimentos negros nas políticas publicas gestadas e implementadas por essas respectivas forças políticas (antagônicas) quando elas tiveram no exercício do poder?

São essas duas dimensões que nos impõem a necessidade de refletir com muita cautela sobre quais serão os efeitos de médio e longo prazos desses arranjos eleitorais, uma vez que o paradigma fun damental que deve ser quebrado no que se refere a um real empoderamento do povo negro da cidade é qual será a sua participação efetiva no processo decisório e na gestão da cidade. Diante dessa questão, dois aspectos devem ser apontados como elementos balizadores para nossas análises e nossas intervenções políticas no futuro. O primeiro deles é a necessidade de reflexão sobre o real significado do presente arranjo eleitoral em discussão. No nosso entendimento, o que possibilitou tal arranjo foram todas as manifestações e estratégias realizadas pela militancia negra baiana em busca de igualdade de oportunidades, advindas tanto nos movimentos das ruas, quanto través das instituições políticas formais, as quais não foram motivadas para solucionar apenas os probl emas específicos de cada uma dessas organizações e pessoas, mas sim, manifestações legítimas e com um profundo conteúdo de transformação que culminaram por sintetizar não apenas essa vitó ria, mas, diversas outras que vem paulatinamente ocorrendo não apenas em nível local, mas nacional. Por outro lado, foi a capacidade política de gestores comprometidos com essa agenda que possibilitou a criação de um ambiente favorável para introdução, paulatina e concatenada, nos diversos espaços de poder na sociedade, através de mecanismos  voltados não apenas para atender as demandas dos grupos sociais que historicamente estiveram fora de qualquer possibilidade instrumental e formal para dar consequência burocrática a essas demandas, através da construção de um verdadeiro processo de reformatação estrutural no campo das políticas públicas.

Assim, todos os arranjos institucionais criados a partir dessa perspectiva vêm exercendo um importantíssimo papel pedagógico, formador de opinião e de capacitação institucional, através da criação de um campo de forças gerado a partir de um movimento de baixo para cima,  cujos desdobramentos te m sido decisões e ações voltadas para a ampliação da compreensão dessa questões de forma bastante significativa. Nesse sentido, mesmo considerando que a ampliação da participação de negros e negras nas chapas majoritárias para as eleições municipais de Salvador de 2012, não signifiquem o fim da história,  posto que,  ainda precisamos caminhar muito no sentido da tão sonhada igualdade de oportunidades, não podemos perder de vista – e muito menos deixar de enfatizar  – que essa composição foi sim, fruto de todas as lutas que vem sendo travadas pelos movimentos sociais negros e, também, de todo o conjunto de políticas públicas de promoção da igualdade e empoderamento de negros negras nos últimos dez anos no Brasil e seis anos na Bahia.

A rigor, o modelo político inaugurado no Brasil há onze anos e que a Bahia vem dando continuidade a seis, vem dando maior  concretude, em termos de efetividade da política pública, a um conjunto de ele mentos que sempre foram tratados como, apenas, categorias sociológicas ou níveis de abstração elevados, tais como a questão da mulher, dos negros, dos indígenas, dos quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais. Ou seja, o perfil da disputa político eleitoral da cidade de Salvador nesse ano, além de histórico, será profundamente emblemático por diversas razões, mas algumas delas devem ser citadas preferencialmente. A primeira é que realmente existem dois projetos políticos historicamente antagônicos disputando mais fortemente a prefeitura de Salvador, de um ponto de vista geral e, mais precisamente, do ponto de vista pela igualdade de oportunidades, garantia de direitos, luta antirracista e promoção da igualdade. Com efeito, de um lado está o c andidato do DEM, partido que nos últimos anos operou contra todas as políticas públicas voltadas para as questões anteriormente apresentadas, em especial aqueles apresentadas pelo Governo Lula/Dilma; Do outro lado, a chapa encabeçada pelo candidato do PT, Nelson Pelegrino, partido que foi proponente direto ou através de seus governos e partidos historicamente aliados dessas politicas.  

Ou seja, a representação racial na composição da chapa, quer seja parcial ou integral, é uma condição necessária para pavimentação de um caminho à uma gestão da cidade mais democrática racialmente, mas está muito longe de ser uma condição suficiente para a efetivação desse caminho político. Esse é o aspecto fundamental que não pode ser esquecido quando da escolha política que o povo de Salvador, os negros em especial, deverá fazer no dia sete de outubro de 2012.

Na verdade, a interpretação que temos é que a busca do Deputado ACM Neto por uma mulher negra para fazer uma aliança eleitoral, além do oportunismo do momento, nos sugere uma necessidade freudiana de aplacar o seu sentimento de culpa por ser ele, o próprio candidato, e o seu parti do, os principais articuladores dos mais violentos ataques às políticas de ação afirmativa implementadas pelo Governo Lula, através de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN) ao STF, contra os sistemas de cotas de negros para as universidades, contra o PROUNI, e o decreto 4887 que estabelece as políticas para defesa e o desenvolvimento das comunidades quilombolas, além de terem conseguido reduzir, em muito, os avanços propostos pelo estatuto da igualdade racial quando da discussão da matéria no Senado da República, através de seu dileto representante, à época, o Senador (hoje cassado) Demostenes Torres.  Talvez por terem sido derrotados nos dois primeiros caso s e prevendo uma terceira derrota quanto ao decreto 4887, e tendo de passagem tido expostas as suas verdadeiras faces políticas, através do tenebroso episódio que envolveu uma das suas maiores estrelas nacionais(o citado senador Demóstenes), ACM Neto, o DEM e o seus, vislumbraram na aproximaÍ ão de uma representante da comunidade negra uma única alternativa para que eles pudessem, pelo menos, se apresentar de uma forma aparentemente menos contraditória aos interesses da maioria da população de Salvador, alias,  contraditórios como eles sempre foram durante os mais de quarenta anos em que tiveram hegemonia política no governo do Estado e da capital.

Por seu turno, na chapa encabeçada por Nelson Pelegrino do PT, a situação se apresenta significativamente diferente por alguns aspectos extremamente importantes e que merecem sim serem enfatizados. Em primeiro lugar, ela reúne praticamente todos os partidos da base do Governo Wagner e do Governo Lula/Dilma, em especial, partidos que historicamente tem marchado juntos num projeto político que vem sendo desenhado desde a ditadura militar e que congregam quase a totalidade de militantes e organizações do movimento negro, as quais, não só foram base importante de sustentação do governo federa l e local nesses últimos dez anos, como foram, os principais atores a desenhar e sustentas as políticas de ação afirmativa e garantia de direitos no nível federal e estadual. Ou seja, a presença de uma mulher negra na chapa majoritária encabeçada pelo PT, não é nem uma jogada de marketing eleitoral e muito menos uma tentativa de trazer para a disputa eleitoral algo que fosse estranho ao projeto político do PT. Ao contrário, a presença de Olivia Santana junto a Nelson Pelegrino é apenas um desdobramento de uma parceria histórica entre os partidos que eles representam e corolário das próprias políticas do PT e dos partidos historicamente aliados no que diz respeito ao empoderamento da população negra do Brasil e da Bahia, que vem sendo construída há muito tempo.

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