Aldeia Nagô
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“Antes eco-chato que eco-burro” Por Elaine Tavares

12 - 16 minutos de leituraModo Leitura

"Tudo o que acontece à Terra – acontece aos filhos da Terra.
       O homem não teceu a teia da vida – ele é meramente um fio dela.
       O que quer que ele faça à teia, ele faz a si mesmo".

       Chefe Seatlle


       Por todo o estado o clima é de desolação. No vale do Itajaí as  famílias contabilizam mortos e estragos. Nunca se viu tanta  destruição. Mas, ao contrário do que a televisão tem dito, toda a  
tragédia não se deve exclusivamente às chuvas que caíram muito mais do  que o normal nesta época do ano. Há que buscar as causas humanas, as  omissões e ações indevidas. Nos espaços do saber as vozes se levantam  indignadas: tudo isso já havia sido anunciado no início da década de  80, quando Blumenau ficou sob as águas. Muitos estudos foram feitos,  precauções forma anunciadas e nada se cumpriu. Além disso, a  destruição sistemática da floresta amazônica acaba tendo implicações  viscerais com o que aconteceu em Santa Catarina e o que ainda pode  ocorrer em outros lugares do país.

       Segundo estudos divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisa  da Amazônia, a floresta que toma conta do norte do Brasil é a  responsável pela precipitação de chuvas no país e em toda América  
Latina, assim, o que acontece com ela afeta a todos,  indiscriminadamente. Por isso é que os gritos de movimentos  ambientalistas contra a destruição – que segue a passos largos via  madeireiros, plantadores de soja, criadores de gado, etc… – não  devem ser considerados como "histerias" de eco-chatos.  As chuvas em  Santa Catarina e a seca no Rio Grande e Argentina são exemplos do que  
a devastação da floresta pode causar. Documento divulgado por  professores de várias universidades do Estado de Santa Catarina alerta  para esta questão e insiste: não foi apenas o fenômeno atmosférico de  precipitações que acontece nos meses do final do ano. É certo que este  foi atípico. Em todo o mês de novembro caiu 1.001,7 milímetros, o  equivalente a seis meses de precipitação e no final de semana fatídico  teve-se a metade disso. Mas há mais coisas a se dizer.

       Uma fala de Blumenau
       Passado o pior momento, começam agora as tentativas de explicação. Em Blumenau, entre os estudiosos do meio ambiente, ferve uma grande indignação. É que já se fala na contratação de técnicos de  São Paulo e até da Alemanha para realizar levantamentos sobre as áreas  atingidas. É como isso já não existisse há 30 anos e como se ali, na  boa e velha FURB, não houvesse gente capacitada para dar respostas.  
Tanto tem que os professores ligados ao Centro de Operações do Sistema  de Alerta da Bacia Hidrográfica do Rio Itajaí Açu, o CEOPS, já haviam  alertado as autoridades sobre a enchente. "Receberam como resposta que  não estava chovendo em Rio do Sul, daí não haver perigo. Talvez porque  ninguém esperasse que fosse chover tanto", diz Rudi Ricardo Laps,  professor da FURB na área da ecologia e também integrante da Acaprena  – Associação Catarinense de Preservação da Natureza, uma das mais  antigas do país.

           É Rudi quem lembra o trabalho realizado por um professor da  FURB e outro do Paraná há 30 anos, bem antes da última grande  enchente. No levantamento feito estão muito bem demarcadas as áreas  que deviam ser reservadas para a preservação e que jamais poderiam ser  parceladas. Dentre estas áreas, muitas são as que ficaram sob as águas  e tiveram deslizamentos, como a rua José Reuter, por exemplo, na qual  morreram sete pessoas. O trabalho também mapeia o sul da cidade como  uma região de córregos, importante manancial de água, que deveria ter  sido protegido. Também orienta a prefeitura sobre a instabilidade  geológica da região, apontando como inadequado o crescimento da cidade  para aquela direção. O estudo feito acabou gerando um decreto  municipal, o 1567, de 05 de julho de 1980, que normatizava a ocupação..

       Mas, apesar de ser lei, este decreto acabou sendo reiteradas  vezes maculado. Rudi conta de um loteamento feito numa região de  morro, com declividade acima de 30 graus, portanto fora das normas de  segurança, de propriedade de Adelino Batista. Na época, a Acaprena se  manifestou contra o parcelamento da terra, entrou com ação, mas não  conseguiu vencer. Adelino vendeu o morro a um vereador da cidade,  Arlindo de Franceschi (PSDB) e ele deu seguimento ao loteamento. "Essa  região foi agora devastada, assim como também o jardim Marabá, que  igualmente deveria continuar sendo uma Área de Preservação Permanente.  Na época todos foram coniventes, juízes, vereadores, autoridades e  todos tinham ciência de que a região sul tinha que ter sido  preservada. E não se trata de só salvar os bichos e plantas, como  dizem os que nos criticam, mas de salvar as pessoas, como ficou  provado agora."
       Os ricos subiram o morro
       Outro problema candente no espaço de Blumenau foi a ocupação  desenfreada dos morros pela classe média. Ocorre que a enchente de  1983 deixou uma marca profunda nos moradores do centro da cidade.  Naqueles dias a água subiu 16 metros e a cidade ficou praticamente  submersa. O medo de que isso fosse se repetir levou as pessoas que  tinham condição a comprar terra nos morros. A lógica era simples. Se a  água tinha invadido a baixada, nos morros não subiria. Então, esta  região da cidade passou a ser ocupada. O solo que já era  geologicamente frágil ficou mexido e não resistiu às condições  anômalas de chuva do mês de novembro e do fatídico fim de semana de  8/9. "Foi incrível, mas a gente podia ver as piscinas caindo dos  morros junto com as casas. Uma cena terrível", diz Rudi.

       O morro do Baú, tremendamente atingido pelos deslizamentos  também é um exemplo concreto do que pode fazer uma ação  anti-preservacionista. Apesar de ser uma Área de Preservação  
Permanente, o morro do Baú foi, nos últimos anos, seguidamente  violentado sem que nada fosse feito para impedir. Durante esse  processo de invasão, de retirada ilegal de madeira, de surrupio do  
palmito (importante cobertura natural da região), as entidades de luta  ambiental fizeram denúncias, gritaram, espernearam. Mas, eram  ridicularizados como os  "eco-chatos", os que queriam travar o  
progresso. Não foram ouvidos. Agora, os mesmos políticos que fizeram  vistas grossas a estas denúncias aparecem como "os comovidos",  oferecendo cestas básicas aos desabrigados. No mínimo, fariseus.

       O código
       Não bastasse todo o descaso com os estudos e denúncias feitas  por ambientalistas e pesquisadores agora o governo de Luis Henrique da  Silveira pretende aprovar, em caráter emergencial, um novo Código  Ambiental, que foi totalmente alterado sem levar em conta as sugestões  dadas pelas entidades durante o processo participativo de construção  do documento. "Não é à toa que Luis Henrique recebeu o Prêmio Porco da  Federação das Entidades Ambientalistas Catarinenses e é chamado de o  exterminador do futuro, porque ele está destruindo a educação, a  cultura e o ambiente", dispara Rudi Laps.  Segundo ele, o documento  que tramita na Assembléia tem problemas seríssimos como a diminuição  das Áreas de Preservação Permanentes nas margens de rios e nos topos  dos morros. "Existe uma lei federal que estabelece os 30 graus de  declive, a metragem das margens dos rios que não podem ser tocadas. O  Itajaí Açu, por exemplo, teria que ter intocados até 100 metros das  
margens. Mas quem fiscaliza? Quem aceita isso? Só que esta é uma lei  federal e o Código em debate pretende burlar essa lei".

       Outro problema apontado no código é o fato de ele condicionar a  implementação de novas unidades de conservação estaduais à Assembléia  Legislativa. Conforme Rudi, sendo assim, novas áreas não deverão  criadas, pois todos sabem muito bem os interesses que são defendidos  pelos deputados e como tudo isso pode virar uma batalha de barganhas e  corrupção. "Eles também poderão revisar a lei de proteção à Serra do  Tabuleiro o que pode trazer a tragédia para Florianópolis. Afinal, se  aquela área for degradas, a capital pode ficar sem água".

       O professor da FURB conta que um dia antes da chuva torrencial  que detonou a tragédia ele estava na estrada em uma viagem de estudos  com os alunos e puderam notar, no caminho entre a cidade de Torres e  Blumenau qual era a situação dos rios diante da chuva que caia. "Nós  fomos observando os rios e todos eles estavam açoriados, lodosos,  barrentos. Já o rio Massiambu, que descia do alto da Serra do  Tabuleiro estava limpo. Foi impressionante porque a aula prática  acabou perfeita. Os alunos puderam ver o que pode significar um lugar  preservado". A mesma relação Rudi faz com o Parque Nacional da Serra  do Itajaí, outro espaço de preservação que, diante de toda a tragédia  que se abateu sobre a região, permaneceu intacto. A lição está aí,  estourando na cara. Só não vê quem não quer ou é mal intencionado.

       O futuro
       Para os ambientalistas e pesquisadores de Blumenau o amanhã  segue sendo muito conhecido. Não há necessidade de o prefeito trazer  gente de fora da cidade para fazer estudos. O poder público sabe muito  bem quais são as áreas de solo instável e, conforme o professor,  nenhum solo instável torna-se estável em 30 anos. Aqueles espaços onde  aconteceram os deslizamentos seguem sendo de risco. "O que se pode  fazer é, isto sim, um estudo para ver se surgiram novas áreas de  instabilidade geológica".

       O fato é que ninguém pode dizer que não foi avisado da  tragédia. Na semana anterior às grandes chuvas, o conhecido  ambientalista blumenauense Lauro Eduardo Bacca, um dos fundadores da  
Acaprena, escreveu um artigo no jornal comentando o primeiro  deslizamento de terra que havia ocorrido no morro Coripós. "A desgraça  está anunciada", disse ele, profético. E foi o que aconteceu. Na  
semana seguinte, as regiões já apontadas no plano diretor da cidade  como não parceláveis, vieram abaixo. Portanto, avisos não faltaram.

       Mas, o fato é que toda esta discussão acaba não chegando ao  povo, às gentes simples que compram terras em loteamentos ilegais ou  em espaços degradados, passíveis da desgraça. Até porque a mídia,  cortesão do poder, raramente dá espaço para as denúncias dos  ambientalistas. E, as pessoas, na verdade, não têm muita escolha.  Diante da transformação da terra em mercadoria, só podem fincar suas  casas onde o bolso alcança. Então, tampouco se pode reputar a culpa  aos pobres que se metem em lugares de risco. Para eles não há  alternativas. Os que devem ser cobrados e punidos são os que se  apropriam das terras e as loteiam, sabendo de todos os riscos. No  geral, estes, não são pobres. São os mesmos especuladores de sempre,  basta seguir o rastro nos cartórios da cidade. Muitos deles têm  sobrenomes chiques, são políticos, autoridades, enfim…

       Agora, as cidades iniciam seu processo de reconstrução. Doações  chegam de todos os lugares deste Brasil solidário e, no mais das  vezes, escapam do controle. Muito do dinheiro doado pode não chegar e  o que chegar sabe-se lá para o quê será usado. Além disso, no caso de  Blumenau, o poder público terá de tomar medidas drásticas como a  retirada gradual de todas as famílias que vivem nestas áreas  impróprias – o que significa praticamente todo o sul da cidade – cerca  de quatro mil pessoas. Isso requer uma mudança radical e cara. Mas,  segundo os estudiosos é absolutamente necessária. "Os solos da parte  sul precisam ser preservados, são frágeis. A cidade só pode crescer  para o norte onde os solos são um pouco melhores", insiste Rudi Laps.

       Além disso, a cidade precisa investir em fiscalização. Não  basta ter leis que regulamentem a ocupação do solo. Há que estar  atento, ter controle. A Fatma, que é um órgão ambiental do Estado,  
está sucateada, faltam trabalhadores. Na cidade de Blumenau o efetivo  da Polícia Ambiental é de apenas oito homens. Isso tem de mudar. Ou as  pessoas entendem de uma vez por todas que suas vidas têm ligações  viscerais com a vida do planeta, ou momentos trágicos como estes que  viveu o Estado se repetirão. E esta não é uma receita apenas dos  chamados eco-chatos  – que de chatos não têm nada – é também  preocupação de profissionais como os engenheiros, arquitetos,  biólogos, enfim, todos os que, de uma maneira ou de outra, estudam  estas questões. "Antes ser um eco-chato do que um eco-burro", diz o  ambientalista Lauro Bacca. Mais do que nunca, ele tem razão.

       E, no brutal mundo capitalista, enquanto as famílias que  perderam gentes e bens – por conta da vileza dos especuladores de  plantão que burlaram todas as leis – tentam encontrar um caminho para  
seguir vivendo, as municipalidades iniciam a chamada "reconstrução",  muitas vezes se valendo de empresas já especialmente preparadas para  os "desastres".. Em casos assim, de tragédias anunciadas e guerras sem  razão, também já se tem muito claro que são os que sairão ganhando.   Neste sistema do capital tem um tipo de gente que nunca perde.

       Existe vida no Jornalismo
       Blog da Elaine: www.eteia.blogspot.com
       América Latina Livre – www.iela.ufsc.br
       Desacato – www.desacato.info
       Pobres & Nojentas – www.pobresenojentas.blogspot.com

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