Aldeia Nagô
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Artur da Tavola e a vida interior por Leonardo Boff

3 - 4 minutos de leituraModo Leitura

No dia10 de maio o Brasil perdeu um de seus homens espirituais, o intelectual, o
jornalista, o político e o promotor da música como caminho para a interioridade:
Artur da Tavola ou Paulo Alberto Monteiro de Barros.


Ele era um homem de
síntese. Apesar das contradições da sociedade, alimentava uma inarredável
confiança na melhoria do ser humano e da democracia.

Havia nele uma fonte
secreta, da qual pouco falava, mas que os íntimos conheciam, da qual
continuamente bebia: a dimensão espiritual, diria, mística da vida. Tal
constatação me traz à mente a figura do Secretario Geral da ONU, abatido na
Nigéria em 1961: Dag Hammarskjöld. Logo após a sua morte, descobriu-se em sua
escrivaninha escritos de alto teor místico, de uma mística essencial e por isso
supra-confessional, publicados com o titulo Marcos do Caminho. Havia
orações, lamentações, pensamentos sofridos e levados diante do Mistério com o
qual entretinha secreta intimidade.

Há muitos anos, quando professor de
teologia em Petrópolis, convidei Artur da Távola para falar aos jovens teólogos
sobre televisão. Aceitou mas sob uma condição: que lhe doasse a edição completa
das obras de São João da Cruz e de Santa Tereza D’Avila que a editora Vozes
acabara de lançar. Dizia que vivia do jornalismo e do compromisso político. Mas
a fonte de sentido de sua vida estava num outro lugar.

Artur da Távola
interessou-se em fazer um comovente posfácio ao meu livro Espiritualidade:um
caminho de transformação
(Sextante). Ai dizia: "Vivemos numa sociedade
extrovertida. O sistema produtor precisa da extroversão para vender produtos.
Necessita de pessoas com muitas vontades e desejos permanentemente
irrealizáveis, pois serão potenciais consumidores. Mas o que precisamos é de de
pessoas satisfeitas com o que têm, conscientes, com opções, capazes da maior das
liberdades, a interior, seres que consigam equilibrar a solicitação do mundo
exterior com a demanda interior, a espiritual".

Durante muitos anos
manteve  todos os domingos na TV Senado um erudito e, ao mesmo tempo, popular
programa Quem tem medo da musica clássica?  Fazia esclarecedoras
introduções, explicava a vida dos mestres, ressaltava a beleza das partes e
transmitia entusiasmo pelo enlêvo espiritual da música. Nada mais conatural à
experiência religiosa que a experiência musical. Ela, sutil e sem palavras, fala
ao profundo das pessoas,  lá onde habita o Mistério inefável. Sempre terminava
com o mesmo motto: "Quem aprecia musica, alimenta a vida interior. E quem tem
vida interior jamais padecerá de solidão".

Outro campo em que se
notabilizou foi na reflexão sobre o amor. As ponderações são argutas, coladas à
vida cotidiana. Refiro apenas um pequeno texto onde diz: "Amor, só, não basta.
Ele precisa de respeito. Amor só, é pouco. Tem que haver inteligência.Tem que
haver bom humor. Não  adianta, apenas, amor. Tem que ter disciplina para educar
 filhos. Amar "solamente" não basta. É preciso convocar uma turma de sentimentos
para amparar o amor que carrega o ônus da onipotência. O amor até pode nos
bastar,  mas ele próprio não se basta".

Suas reflexões dão razão a São
Paulo em seu conhecido cântico ao amor. Não basta só amor Ele tem que vir
acolitado pela paciência, pela cortesia e pela capacidade de tudo desculpar,
tudo tolerar, tudo crer e tudo esperar. Só assim ele nunca acabará. Somos gratos
à vida e à amizade do saudoso Artur da Tavola.

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