As FARC e as ligações com o Brasil por Elaine Tavares
Ventilam em toda imprensa
brasileira informações sobre supostas ligações do governo de Lula com as FARC,
na Colômbia. Aparecem nomes como o de José Dirceu, o chefe de gabinete do
presidente, Gilberto Carvalho, e até o ministro Celso Amorim. As informações,
requentadas por jornalistas brasileiros, foram divulgadas pela revista
colombiana Cambio, do grupo editorial El Tiempo, que tem entre
seus diretores membros da família do atual Ministro da Defesa da Colômbia, Juan
Manuel Santos. O ministro é o mesmo que deu em primeira mão, para o jornal El
Tiempo, também da sua família, a informação de que haviam confiscado o
computador pessoal de Raul Reyes, do ataque no qual o mesmo
resultou morto. Desde então, este super computador tem servido de cornucópia de
informações sobre praticamente todos os inimigos da política estadunidense que,
por incrível coincidência, estavam listado na máquina do guerrilheiro.
É importante lembrar que as
Forças Armadas Colombianas formam um grupo insurgente e popular que
luta pela soberania daquele país desde os anos 60, quando em toda a
América Latina pipocaram dezenas de movimentos de libertação. Alguns deles foram
vitoriosos, como o caso dos sandinistas na Nicarágua, outros foram sendo
destruídos pelas forças dos governos ditatoriais em parceria com mercenários
estadunidenses. As FARCs vem resistindo a todos os embates com os governos de
seu país e ao complexo e anti-nacional Plano Colômbia fechado em Washington por
dirigentes colombianos, em 1992. Já o grupo editorial El Tiempo é formado
por poderosos grupos da oligarquia que sempre esteve no poder na Colômbia,
controlando a maioria dos meios de comunicação que funcionam como usinas
ideológicas a serviço do status quo. Logo, fica bastante difícil confiar
nas informações que são divulgadas pelos seus veículos, sejam eles impressos,
televisivos, radiofônicos ou distribuídos na internet. Pior ainda se a fonte for
o ministro do governo Uribe, que é filho do editor do jornal e digno
representante da elite colombiana.
Assim, é totalmente
inverossímil que alguns jornalistas, ditos sérios, possam cair no conto de que
estas "supostas ligações" tenham sido descobertas no computador de Raul Reyes, o
líder guerrilheiro assassinado pelas forças colombianas no território do
Equador. E acaba sendo surpreendente perceber que poucos "escribas" nacionais
falem sobre a ação criminosa de Álvaro Uribe – invadindo um país soberano – mas
desperdicem papel especulando sobre os famosos correios eletrônicos que Reyes
teria em seu computador, e dos quais não se têm qualquer prova a não ser a
palavra do ministro.
Raul Reyes era um
intelectual, um homem das letras. Ele sabia muito bem que, na guerra, o elemento
mais valioso é a informação. Sendo assim fica difícil acreditar que ele deixaria
arquivado num computador todos os nomes e telefones de pessoas que possam ter
algum dia ajudado a guerrilha. Também parece pouco provável que numa ação de
guerra tão feroz como foi o ataque feito na selva equatoriana, apenas o
computador "indestrutível" do líder das FARC sobraria intacto para que a
inteligência colombiana pudesse descobrir os emails.
A história do computador de
Raul Reyes, que armazenava correios desde a metade dos anos 90, quando a
Internet ainda era um instrumento quase que exclusivamente acadêmico, é tão
espetaculosa que só mesmo num livro de Garcia Marques poderia ser verossímil. Ao
que parece pelo menos isso os militares colombianos têm de bom. Conhecem muito
bem o realismo fantástico de seu compatriota e supõe que: se Macondo é possível,
porque não um "super/mega/power computador" e um líder néscio o suficiente para
registrar tudo em detalhes? Também é importante ressaltar que a Interpol, que
supostamente teria conseguido recuperar as informações, violou todas as regras
de investigação comumente definidas para este tipo de questão, tornando
igualmente pouco crível a história.
O fato é que toda a
história de computador, ligações perigosas e terrorismo é uma ação ideológica do
estado colombiano para desviar a atenção daquilo que verdadeiramente importa, ou
seja, a crescente ocupação do território colombiano por marines estadunidenses
que buscam dar fim às lutas de libertação popular em vigor desde o final dos
anos 60.
Para melhor compreender o
que são as FARC é preciso voltar no tempo e estudar a história da Colômbia. Um
país que entrou em convulsão social no ano de 1948 deixando sua população
totalmente desprotegida diante da barbárie. Por conta disso as comunidades
precisaram se armar para defender suas vidas e seus lares. Como os governos que
se sucederam não atacaram as causas da violência endêmica, alguns grupos,
alinhados politicamente com as idéias de socialismo e libertação, principiaram
um processo revolucionário e desde então vêm lutando no país. A questão do
narcotráfico apareceu muito depois e sempre teve o apoio da inteligência
estadunidense, porque desta forma poderia ser um bom motivo para levar a cabo o
processo de ocupação do país.
A Colômbia é um país que,
ocupado pelos marines, serve como porta de entrada para uma das maiores riquezas
do planeta: a região amazônica. Daí o interesse estratégico dos governos
estadunidenses. Quando em 1999 o presidente colombiano Andrés Pastrana foi a
Washington com um projeto de combate ao tráfico de cocaína, este projeto foi
totalmente remodelado pelos assessores do presidente Clinton – de olho na
Amazônia – e é nesta época que se inicia a ocupação militar estrangeira no país.
Os grupos armados, de natureza socialista, como as FARC e o Exército de
Libertação Nacional (ELN), o que têm feito é lutar para que a soberania do povo
colombiano seja recuperada. É certo que a guerrilha, passados mais de 40 anos de
luta renhida, está fragmentada e muitas são as correntes de pensamento e ação
dentro dos grupos insurretos, mas isso não os torna terroristas ou
narcotraficantes.
O tráfico de drogas existe,
é real, e tem ramificações poderosas em todos os setores da sociedade
colombiana, inclusive junto aos paramilitares, nas fileiras governamentais e no
poder judiciário. Nem mesmo o presidente do país escapa das capilares malhas. O
jornal estadunidense New York Times divulgou
em 02 de agosto de 2004 –
(http://query.nytimes.com/gst/fullpage.html?res=9507E3DF163CF931A3575BC0A9629C8B63)
– uma reportagem na qual mostra o atual presidente Álvaro Uribe como um dos
integrantes da lista (blacklist) dos implicados com o narcotráfico, feita pelo
poderoso Departamento de Combate a Drogas dos Estados Unidos. A matéria fala de
Uribe como sendo uma pessoa muito próxima de Pablo Escobar, o famoso
narcotraficante que consolidou o papel da Colômbia como uma dos maiores
produtores de cocaína do mundo. Portanto, imputar às
FARC ou a ELN o rótulo de terroristas e traficantes nada mais é do que inverter
a lógica, trocar os papéis.
A ação militar que se leva
a cabo hoje na Colômbia, com o uso ilegal de mercenários a soldo estadunidense,
esta sim é terrorista. É o chamado terrorismo de estado, perpetrado pelo próprio
governo. Ao povo, resta a defesa e aí, as guerrilhas são a mais clara expressão
desta defesa. Porque essa gente luta por uma Colômbia livre, soberana e capaz de
gerir seus próprios problemas, sem precisar da intervenção do exército
estadunidense e muito menos dos assassinos paramilitares. Agora, daí a crer que
estas informações sobre pessoas da esquerda do mundo todo estejam saindo do
computador sobrevivente do bombardeio clínico efetuado por soldados dos Estados
Unidos, já é muito realismo mágico para nossas cabeças de simples mortais. Seria
bom que os jornalistas cortesãos pudessem estudar mais. Porque dizer isso ou é
completo desconhecimento da história, ou o pior, é ser agente de propaganda de
um sistema falido e comprovadamente criminoso.
Se todas estas informações
que o jornal do pai do ministro diz que foram encontradas no computador de Raul
Reyes são reais e verdadeiras, porque o governo de Álvaro Uribe não encaminha um
relatório completo e oficial a todos os países integrantes da OEA? Essa seria
sua primeira obrigação. Mas, o que se vê é um governo dirigir sua política
externa a partir de chantagens, nominando esta ou aquela liderança
latino-americana, de preferência as que incomodam ao sistema, e acusando-as, sem
qualquer prova, de terrorismo ou de co-participação nos processo de guerrilha.
Quem em sã consciência pode crer num governo que usa o terrorismo de estado, que
apóia mercenários, e que faz acusações a partir de um computador que ninguém
viu? Não será ele filho da mesma escola que inventou provas inexistentes de
armas químicas no Iraque?
Os jornalistas deveriam ser
um pouco mais perguntadores, como ensinava o grande Marcos
Faermann.
Existe vida no Jornalismo
Blog da
Elaine: www.eteia.blogspot.com
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