As ideias demoníacas dos direitos humanos por Marcelo Salles
Poucas vezes uma iniciativa foi tão
atacada pela direita e suas corporações de mídia quanto o Programa Nacional de
Direitos Humanos. Mas não sem razão. Uma proposta como, por exemplo, a cobrança
de impostos sobre grandes fortunas é realmente de arrepiar os cabelos de quem
sempre os deitou sobre a riqueza nacional – ainda que esta medida esteja
prevista na Constituição Federal e seja adotada pelos países que mais
progrediram no mundo.
Propor um maior controle sobre a
esculhambação e as mutretas que envolvem as concessões de rádio e tv só pode
ser um escândalo para aqueles que fazem fortuna ao se arvorarem proprietários
do espectro eletromagnético que pertence a todo o povo brasileiro.
Fiscalizar os latifúndios num país em que
1% de senhores feudais controla quase metade das terras só pode ser comparado à
criação de um "demônio", no dizer da senadora Kátia Abreu, do DEM, partido que
tem suas raízes na golpista UDN.
Deve mesmo ser demoníaca a ideia de
garantir direitos aos gays, lésbicas, travestis e toda essa gente que ofende
pelo único pecado de ser diferente. Assim como só pode ser obra do capeta a
proposta de ampliar a participação direta do povo via plebiscitos, referendos,
leis e vetos populares. Por que as massas deveriam decidir diretamente os seus
destinos, se sempre, desde o genocídio inaugural, são vistas como mão-de-obra
barata e mal qualificada?
Poucas vezes na história desse país uma
iniciativa de um governo foi tão bombardeada pela mídia, tanto em intensidade
quanto na sua duração. Há pelo menos 15 dias rádios, jornais e tvs de todo o
país partem para o ataque escancarado daqueles que defendem uma proposta
democrática para o Brasil.
Para isso, omitem informações,
descontextualizam fatos e até mesmo mentem. Um bom exemplo é a surrada versão
de que o que se pretende com a Comissão da Verdade é rever a Lei de Anistia.
Mentira. O que existe é uma solicitação da OAB ao Supremo Tribunal Federal
sobre dispositivos de interpretação contraditória. A Constituição Federal, por
exemplo, considera que a prática da tortura não pode ser objeto de graça ou
anistia. Tratados internacionais estabelecem que crimes de lesa-humanidade,
como a tortura, são imprescritíveis. Comissões de Verdade funcionaram ou
funcionam muito bem em outros países, e isto é sistematicamente escondido por
meios de comunicação.
Mas não é só isso. O fato de a Secretaria
de Direitos Humanos só aparecer nas corporações de mídia nesse contexto é, por
si só, bastante revelador dos propósitos das corporações de mídia. É como se
não houvesse políticas públicas de defesa dos direitos das crianças e
adolescentes, de pessoas com deficiência, idosos, LGBT, além dos programas de
proteção a pessoas ameaçadas, combate ao trabalho escravo e até uma
Ouvidoria-geral da cidadania. Iniciativas que poderiam ser potencializadas pela
visibilidade que lhe negam.
E assim funciona a velha lógica do sistema: os ataques da
direita identificam os demônios para que sejam esconjurados por sua mídia. Mas
até que isso tem sua serventia. Revela a urgência da democratização dos meios
de comunicação de massa e deixa os inimigos da democracia completamente
expostos – todos com cara de santo, naturalmente.
Marcelo Salles, jornalista, é coordenador da Caros Amigos no Rio de Janeiro
e editor do Fazendo Media(www.fazendomedia.