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As imagens que ainda podem mudar o júri de Kátia Vargas!. Por Marconi De Souza Reis

10 - 14 minutos de leituraModo Leitura
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Esse talvez seja o mais importante texto que já escrevi para essa rede social, visto que pode influenciar nos processos criminal e cível envolvendo a médica Kátia Vargas e os irmãos Emanuel e Emanuelle (fotos abaixo), mortos no bairro de Ondina, em 11 de outubro de 2013.

 

O que vou revelar aqui pode vir a beneficiar tanto um lado quanto o outro, ou seja, meu interesse não é partidário – eu nem conheço os envolvidos –, mas tão somente o de alertar os baianos de que algo adormece nos autos do processo criminal, apodrecendo, e que reflete também na área cível.

Mas começarei explicando porque somente agora, após quatro anos do acontecido, eu decidi trazer algo tão importante, que ficou lá atrás esquecido, por culpa (ou dolo) da Polícia Civil, do Ministério Público e do Judiciário, aliada à ineficiência dos advogados e da imprensa chinfrim da Bahia.

Bem, no último dia 5 de dezembro, primeiro dia do júri de Kátia Vargas, eu estava no Boteco do Caranguejo, em Villas do Atlântico, com a minha esposa, quando ela, ciente de que eu conheço bastante este caso, fez a pergunta que naquele momento era a mais corriqueira na Bahia:

– Você acha que a médica Kátia Vargas será condenada por homicídio doloso ou culposo?

Eu opinei:

– Há uma probabilidade de 33,33% para condenação por homicídio doloso e outros 33,33% de chance para uma penalização por culpa.

– Como assim? Não entendi…

– Porque há, ainda, outros 33,33% de chance para a absolvição.

– Você fala sério?

– Sim. Os três resultados são possíveis e equitativos para decisão do júri popular, garanti.

– A instrução processual possibilita essas três opções em percentuais iguais?, perguntou-me, incrédula.

– Sim. A instrução processual, do jeito que está, com as provas que foram obtidas nos autos, qualquer resultado será um terço verdadeiro, portanto, justo e injusto!

– E por que isso acontece?

– Porque pode haver alguém escondendo as imagens dos últimos dois segundos anteriores ao momento em que a moto se choca contra o poste, afirmei.

– Como assim?

– Ah… Vou aguardar o trânsito em julgado desse processo para eu narrar, num livro de umas 200 páginas, onde esqueceram o elo perdido.

– Não, não, não. Você vai me contar agora!, suplicou.

Naquele momento, eu coloquei pimenta num bolinho de bacalhau, degustei-o, bebi um gole generoso de cerveja Eisenbahn, e narrei-lhe sucintamente o ocorrido em cinco minutos. Ela ouviu atentamente, e reagiu:

– Meu Deus… Esse fato pode mudar o júri, bem como beneficiar um lado ou o outro, pelo menos financeiramente. Você precisa divulgar isso logo, urgentemente. Vamos agora ao jornal A Tarde pedir aos seus colegas para publicar isso, porque pode até suspender esse júri, opinou.

– Não. Esqueça. Eu só vou trazer isso num futuro livro, retruquei.

– Pelo amor de Deus. Isso pode alterar a vida das pessoas envolvidas, seja da mãe dos garotos ou da médica. Não seja egoísta, não pense apenas no seu livro. Divulgue logo isso, ainda hoje, nem que seja na rede social, ordenou-me.

– Não. Eu não sou mais repórter. Isso só virá em livro, até porque preciso empreender algumas investigações, respondi, mantendo-me incólume aos seus apelos.

Daquele dia para cá, porém, eu refleti demais sobre o assunto e, na última quinta-feira à noite, ouvindo a canção “Carpinteiro do Universo”, de Raul Seixas, cujos versos dizem – “o meu egoísmo é tão egoísta, que o auge do meu egoísmo é querer ajudar” –, eu finalmente decidi adiantar o ponto nodal do livro.

Pode ser que revelando isso agora eu espante o monstro da minha mira, mas quem sabe, por outro lado, apareçam outros caçadores a nos ajudar nessa persecução. Ademais, como canta o próprio Raul Seixas em “Por quem os sinos dobram”, a força contida e guardada não ecoa e nem repercute.Portanto, vamos aos fatos, ou melhor, aos autos do processo criminal:

A delegada Acácia Nunes, da 7ª Delegacia de Polícia do Rio Vermelho, foi quem instaurou o inquérito naquele trágico dia 11 de outubro de 2013. Ao lado da escrivã Jane Ramos, ela ouviu no mesmo dia os depoimentos dos policiais militares que cobriram o caso, bem como de 06 (seis) testemunhas, a saber:

• Arivaldo Lima Souza, empresário
• Alvaro Lima Freitas Junior, administrador de empresas
• Hamilton de Jesus, taxista
• Maria Antonia de Souza Raimundo, dona de casa
• David Pena Monteiro, segurança do Ondina Apart Hotel
• André Luciano Santana de Almeida, agente de trânsito.

Cinco dias depois, 16/10/13, a delegada ouviu outras 03 (três) testemunhas:

• Emerson Costa Macedo, motoboy
• Felipe Martins de Almeida Souza, jornalista
• Denilson Silva Souza, técnico de som

Das 09 (nove) testemunhas ouvidas, apenas o empresário Arivaldo Lima Souza, o jornalista Felipe Martins de Almeida Souza e o técnico de som Denilson Silva Souza disseram ter visto o momento exato que o carro da médica teria se chocado com a motocicleta em que estavam os dois jovens, embora seus depoimentos tenham sido contraditórios.

Arivaldo Lima Souza, que estava numa pick-up Montana trafegando na mesma mão – sentido Barra/Rio Vermelho –, disse ter sido ultrapassado pela médica de forma imprudente. Arivaldo afirmou que viu a médica bater na roda traseira da motocicleta, embora ele estivesse a 100 metros de distância do ocorrido, e vindo de trás.

Felipe Martins de Almeida Souza, que disse trafegar com o seu Fiat no sentido contrário – Rio Vermelho/Barra –, afirma ter visto o carro atingir a motocicleta pelo lado direito, atingindo o pneu dianteiro da moto – e não pelo fundo, como afirmara o empresário da pick-up –, atirando o veículo contra o poste.

Denilson Silva Souza disse que foi à delegacia depor porque viu o promotor público convidando testemunhas no “Se Liga Bocão”. Ele afirmou que estava na sinaleira – sentido Barra/Rio Vermelho – e viu o carro da médica “empurrando violentamente” a motocicleta para o acostamento, o que resultou na queda do veículo e posterior choque dos ocupantes no poste.

Pois bem: a partir desses três depoimentos, evidentemente contraditórios, a delegada conseguiu a conversão do flagrante em prisão preventiva da médica, e o Ministério Público ofereceu a denúncia, que foi aceita pelo magistrado. Tudo isso em apenas exatos 15 dias, após o ocorrido.

Intimada para apresentar a defesa preliminar, o advogado Sérgio Habib acusou a denúncia do MP de ser inepta, sob a arguição de faltar prova pericial sobre os fatos. No entanto, o juiz Moacyr Pita Lima Filho marcou a audiência para o dia 12 de dezembro de 2013.

Foi tudo muito rápido naqueles dois meses, afinal, havia uma pressão enorme da imprensa chinfrim, que, ao invés de ir investigar os documentos nos autos do inquérito – como se espera dos repórteres –, preferiu ser porta-voz do MP e das redes sociais, afinal, o fato mórbido rendia ibope.

Até o dia da audiência foram juntados os laudos da perícia oficial e da defesa (particular). Após a audiência e alegações finais, o magistrado deu uma de Pilatos. No dia 16/12/13, ele revogou a prisão preventiva – a médica foi solta –, mas pronunciou a acusada, enviando o caso para julgamento no Tribunal do Júri, por homicídio doloso com várias qualificações.

Tudo que narrei acima é um resumo das 692 primeiras páginas do processo criminal. Até a última sexta-feira, o processo já estava com 3.243 páginas, porém, tudo que se desdobrou na tramitação do Tribunal do Júri é praticamente sustentado pelo que se apurou naqueles dois meses iniciais, inclusive os depoimentos contraditórios das três testemunhas acima, que repetiram para os jurados.

Importante destacar que os pais dos meninos falecidos ingressaram com ação cível, em abril de 2014, requerendo da médica uma indenização de R$ 2.000.000,00 (dois milhões). O pai dos meninos faleceu em setembro passado, de parada cardíaca, e a ação cível prossegue apenas com a mãe (ainda não houve sentença).

Não obstante as ações cível e criminal sejam independentes, é óbvio que o desfecho do Tribunal do Júri, que absolveu a médica, influenciará no deslinde do litígio indenizatório. Mas ambos ainda podem ter desfechos inusitados, por um detalhe que percebi desde aquele outubro de 2013. É o seguinte:

A perícia oficial de engenharia sobre os veículos especulou a possibilidade de um choque lateral entre o carro da médica e a moto dos garotos. Os peritos encontraram respingos de tinta vermelha na parte lateral direita superior do carro, e um pequeno amasso na porta do mesmo lado.

O capacete do garoto Emanuel tinha listras vermelhas, daí que essa hipótese era consonante com o depoimento do jornalista e testemunha Felipe Martins de Almeida Souza. Todavia, como dito, a perícia levantou apenas uma hipótese, visto que os peritos titubearam nas conclusões.

Isso mesmo: os peritos engenheiros Augusto Sérgio Costa Souza e Roberto Gonçalves Muniz disseram que, com o exame que realizaram, “não foi possível constatar que o resíduo de cor vermelha coletada no carro da médica originou-se do capacete do condutor da motocicleta”.

Por sua vez, os engenheiros da perícia audiovisual, Antonio José Goes Gil Ferreira e José Roberto Aragão de Araújo, revelaram ser impossível afirmar que houve o choque entre os veículos, “por causa da distância das câmeras de empresas localizadas na rua paralela”, e porque “árvores atrapalharam a visualização”.

O laudo apresentado pela médica, e que foi assinado pelo perito Ricardo Molina, revela que as imagens mostram que o carro ultrapassou a moto no último instante flagrado pelas câmeras das empresas da rua paralela, e que essa ultrapassagem se deu a 10 (dez) metros do poste abalroado.

Para Molina, se o carro ultrapassou a moto, esta não foi atingida, daí que o que ocorreu nos últimos dois segundos “é pura especulação, por não haver uma só imagem disponível que revele o desfecho fatal”. A especulação de Molina é que o garoto empreendeu velocidade para ultrapassar o carro e perdeu o controle da moto nesses últimos dois segundos.

Pois bem: é exatamente aqui, nesse ponto nodal, que ainda adormece um fato para influenciar direta ou indiretamente nas ações – criminal e cível –, e que foi esquecido (por culpa ou dolo) pela Polícia Civil, Ministério Público, e não vislumbrado pelos advogados e a mídia chinfrim. Senão vejamos:

No mesmo dia do acidente, 11/10/13, a delegada Acácia Nunes, ciente de que precisava de imagem nítida e inconteste sobre o acidente, enviou o Ofício nº 0236/2013 à Cogel, órgão do Município de Salvador (ver documento de nº 01 abaixo), nos seguintes termos:

– “A fim de instruir investigação em curso nesta unidade, solicitamos de V. Sa., com a máxima urgência, a liberação das mídias gravadas das câmeras posicionadas na Av. Oceânica, em frente ao prédio do Ondina Apart Hotel, por força de acidente de trânsito com vítimas fatais ocorrido no referido local, por volta das 08h15 da manhã de hoje”.

Apesar do enorme clamor público, do alarido provocado pela mídia chinfrim, e pelo pedido de “máxima urgência” da delegada, o então presidente da Cogel – órgão do Município de Salvador –, Ricardo Vencato, levou 04 (quatro) dias para respondê-lo (ver documento de nº 02 abaixo), e o fez nos seguintes termos:

– “Em atenção ao Ofício nº 0236/2013, dessa Sétima Delegacia Territorial, informamos que a câmera em questão encontrava-se em manutenção na data solicitada e por este motivo não há imagens disponíveis”.

E mais: a Cogel não apresentou um só documento que atestasse a veracidade da alegação. Caramba. Se isso ocorresse nos EUA ou na Europa, o mundo viria abaixo, afinal, os povos ditos civilizados exigem, nesses casos, uma transparência absoluta, isto é, que não se dê azo a qualquer especulação de obstrução da Justiça ou negligência por parte do poder público.

Mas o mais surpreendente é que a Polícia Civil fez vistas grossas à resposta, o Ministério Público silenciou-se, o mesmo acontecendo com os advogados e a mídia chinfrim, que nem deram “tchum” para o tal documento. Não há nos autos uma só linha de questionamento sobre a alegação feita pelo Município de Salvador.

Nesse contexto, a perícia oficial e o perito Ricardo Molina também passaram batidos quanto ao fato envolvendo a tal câmera da Cogel, deixando assim as autoridades municipais assistindo a tudo da arquibancada, ou melhor, assistindo a tudo de algum camarote com ar refrigerado e comendo canapés.

A verdade é que o Município de Salvador, através da Cogel, não apresentou sequer uma “ordem de serviço” que provasse o que alegava, bem como as autoridades não lhe exigiram, como fiscais da lei, tal documentação. Trata-se de um silêncio que, até o presente momento, merece imperiosa investigação.

A rigor, ao Ministério Público cabe a abertura de inquérito para saber a verdade do que ocorrera com a tal câmera localizada em frente ao Ondina Apart Hotel, afinal, o Município de Salvador alega que, exatamente naquele dia fatídico, o tal aparelho encontrava-se em suposta manutenção.

– Onde está a ordem de serviço?
– Onde está o empenho do serviço?
– Qual empresa fez o serviço?
– Quanto tempo durou o serviço?
– Quanto custou o serviço?
– Em qual conta bancária foi depositado o dinheiro do serviço?

Enfim, há inúmeras perguntas sem respostas no processo criminal envolvendo essa alegação do Município de Salvador. Eu não assisti às audiências e nem ao júri, mas, pelo que acompanhei pelo sistema eletrônico do Judiciário, tal fato também não foi abordado nessas assentadas.

– Você acha que ACM Neto viu a imagem envolvendo o carro de Kátia Vargas e a moto dos garotos nos últimos dois segundos?, perguntou a minha esposa, naquela mesa do Boteco do Caranguejo.

– Eu não seria leviano para afirmar que “sim”, como não sou ingênuo para atestar que “não”, mas, se ainda fosse repórter, esse caso especificamente teria uma investigação profunda, afinal, trata-se de absoluto interesse público, respondi.

Como já dito, cabe ainda ao Ministério Público esmiuçar essa tal “manutenção da câmera”, ou seja, exigir farta documentação que não deixe qualquer dúvida sobre a existência ou não de obstrução da Justiça, ou ainda, quiçá, que a câmera estava quebrada, sendo que, neste caso, o Município responderia apenas por negligência.

Todavia, pode ser que, de fato, estivesse ocorrendo a tal manutenção, o que poderia afastar até a negligência (câmera quebrada). Mas é preciso colocar isso em panos limpos, ou seja, revelar a ordem de serviço, o empenho da obra, a empresa que fazia a manutenção, o tempo que durou o reparo, o custo, a conta bancária do pagamento, etc, etc, etc.

A verdade é que, para além do interesse público, nesse exato momento a mãe dos garotos mortos é quem está em situação de desvantagem, visto que a médica logrou êxito com a absolvição no júri (os 33,33% da minha probabilidade), e, portanto, terá enormes dificuldades no processo cível indenizatório.

Se eu encontrasse a mãe dos garotos, aconselharia a ela que ingressasse com ação contra o Município (a prescrição é de cinco anos contra a Fazenda Pública), amparada por um advogado habilidoso em nexo causal, afinal, a verdade dos fatos pode estar sendo obstruída pelo poder público, por dolo ou negligência (câmera quebrada).

E mais: eu aconselharia a mesma atitude à médica Kátia Vargas (ingressar com ação contra o Município), posto que tudo pode mudar amanhã no desfecho das ações em curso. Enfim, absolvê-la ou condená-la (por dolo ou culpa) será apenas um terço da verdade, até porque, apenas com o que foi apurado até agora nos autos, os outros dois terços jazem silenciosos no cemitério.

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Marconi de Souza Reis é Advogado e Jornalista

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