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Bilhões de dólares em armas para os jihadistas sírios: quem as forneceu? Por Thierry Meyssan

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Thierry_Meyssan

Ao longo de 7 anos, bilhões de dólares em armamento ingressaram ilegalmente na Síria, fato suficiente para desmentir a narrativa pela qual essa guerra seria uma revolução democrática.

Por ocasião da libertação de Alepo e da captura do estado-maior saudita que aí se encontrava, a jornalista búlgara Dilyana Gaytandzhieva constatou a presença de armas do seu país nos recém abandonados depósitos dos jihadistas. Ela anotou cuidadosamente os registros inscritos nas caixas e, de regresso à Bulgária, investigou a forma como essas armas teriam chegado à Síria.

Desde 2009 — com a breve exceção do período entre março de 2013 a novembro de 2014 — a Bulgária tem sido governada por Boiko Borissov, um personagem extravagante, egresso de uma das principais organizações criminosas europeias, a SIC (Security Insurance Company). Lembremos que a Bulgária é, ao mesmo tempo, membro da OTAN e da União Europeia, e que nenhuma destas organizações emitiu a menor crítica contra a chegada ao poder de um chefe mafioso, identificado desde há muito pelos serviços internacionais de polícia.

Foi, portanto, sob claro risco de vida, tanto seu quanto da redação do seu jornal, que Dilyana Gaytandzhieva retraçou as conexões e publicou seu dossiê no Trud, de Sófia. No entanto, se a Bulgária é um dos principais exportadores de armas para a Síria, também é fato que, para isso, ela contou com a ajuda do Azerbaijão.

O gigantesco tráfico de armas da CIA contra o Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria e Índia

Desde o início das Primaveras Árabes, um gigantesco tráfico de armas foi organizado pela CIA e pelo Pentágono, violando inúmeras resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Todas as operações que aqui vamos recapitular são ilegais à luz do Direito Internacional, inclusive as que foram publicamente realizadas pelo Pentágono.

Em matéria de tráfico de armas, mesmo quando algum indivíduo ou empresa privada sirva como fachada, é impossível exportar materiais sensíveis sem o consentimento dos governos envolvidos.

Todas as armas que vamos mencionar, salvo os sistemas de rastreamento eletrônico, são de tipo soviético. Por definição, portanto, é impossível que exércitos equipados com armas da OTAN pudessem ser os destinatários finais dessas remessas. Qualquer remissão a esses exércitos serve apenas para dar cobertura ao tráfico.

Já se sabia que a CIA tinha recorrido à SIC e a Boiko Borissov para fabricar, com urgência, a droga captagon destinada aos jihadistas na Líbia, depois na Síria [a mesma que no mês passado foi apreendida num carregamento para os manifestantes da direita venezuelana (N. do T.)]. Desde a investigação que Maria Petkova publicou na Balkan Investigative Reporting Network (BIRN), sabia-se que a CIA e o SOCOM (Special Operations Command, do Pentágono) tinham comprado armas da Bulgária por 500 milhões de dólares, entre 2011 e 2014, para enviá-las aos jihadistas. Posteriormente, outras armas foram pagas pela Arábia Saudita e pelos Emirados Árabes Unidos, e transportadas pela Saudi Arabian Cargo e pela Etihad Cargo.

Segundo Krešimir Žabec, no jornal Jutarnji List, de Zagreb, no fim de 2012 a Croácia despachou para os jihadistas sírios 230 toneladas de armas, por um valor de 6,5 milhões de dólares. Seu transbordo na Turquia foi operado por três aviões Ilyushin da companhia Jordan International Air Cargo, e depois disso foram lançadas de paraquedas pelo exército do Catar. E de acordo com Eric Schmitt, do New York Times, todo esse dispositivo foi montado pelo General David Petraeus, diretor da CIA.

Quando, em 2012, o Hezbolá tentou descobrir o tráfico da CIA e do SOCOM, um atentado foi realizado contra turistas israelenses no aeroporto de Burgas, o centro nevrálgico do tráfico. Contrariando a investigação da polícia búlgara e as conclusões do médico legista, o governo de Borissov atribuiu o atentado ao Hezbolá, levando a União Europeia a classificar a resistência libanesa como «organização terrorista» (sic). Foi preciso esperar até a queda temporária de Borissov para que o Ministro das Relações Exteriores, Kristian Vigenine, enfatizasse que essa acusação não tinha qualquer fundamento.

Segundo uma fonte próxima do PKK, o partido curdo da Turquia, em maio e junho de 2014, os serviços secretos turcos fretaram trens especiais para enviar para Raqa — ou seja, naquilo que era então chamado o Emirado Islâmico no Iraque e na Síria, conhecido hoje simplesmente como Daesh — armas ucranianas pagas pela Arábia Saudita, além de mil Toyota Hilux (pick-ups de cabine dupla), especialmente adaptadas para resistir às areias do deserto. De acordo com uma fonte belga, a compra dos veículos tinha sido negociada com a japonesa Toyota pela empresa saudita Abdul Latif Jameel.

Segundo Andrey Fomin, da Oriental Review, o Catar, que não pretendia ficar à parte, comprou para os jihadistas, junto à empresa estatal ucraniana UkrOboronProm, a versão mais recente do Air Missile Defense Complex “Pechora-2D”. A entrega foi realizada pela empresa cipriota Blessway Ltd.

De acordo com Jeremy Binnie e Neil Gibson, da revista profissional de armamento Jane’s, o US Navy Military Sealift Command (Comando de Aprovisionamento da Marinha de Guerra Norte-Americana) lançou em 2015 duas licitações que tinham como objeto o transporte de armas do porto romeno de Constança para o porto jordaniano de Aqaba. O contrato foi ganho pela Transatlantic Lines, e executado imediatamente após a assinatura do cessar-fogo por Washington, em 12 de fevereiro de 2016, violando o que acabava de firmar.

De acordo com Pierre Balanian, do Asia News, esse esquema teve continuidade em março 2017 com a abertura de uma linha marítima regular da companhia norte-americana Liberty Global Logistics, ligando Livorno (Itália), Aqaba (Jordânia) e Djedá (Arábia Saudita). Segundo o geógrafo italiano Manlio Dinucci, ela se destina principalmente ao fornecimento de blindados para os jihadistas sírios e para a guerra no Iêmen.

Segundo os jornalistas turcos Yörük I??k e Alper Beler, os últimos contratos da era Obama foram executados pela Orbital ATK, que organizou, via Chemring e Danish H. Folmer & Co, uma linha regular entre Burgas (Bulgária) e Djedá (Arábia Saudita). Pela primeira vez, aventam-se aqui não apenas a presença de armas produzidas pela Vazovski Machine Factory Building (VMZ) (da Bulgária), mas também de armas produzidas pela Tatra Defesa Industrial Ltd. (da República Tcheca).

Várias outras operações tiveram lugar secretamente, como o atestam, por exemplo, os negócios do cargueiro Lutfallah II, interceptado pela marinha libanesa em 27 abril de 2012, ou do cargueiro togolês Trader, embargado pela Grécia, em 1º de março de 2016.

Essas operações montam centenas de toneladas em armas e munições, talvez milhares, pagas principalmente pelas monarquias absolutas do Golfo, presumidamente para apoiar uma “revolução democrática”. Na realidade, as petroditaduras só interviram para livrar a administração Obama de prestar contas ao Congresso dos EUA (Operação Timber Sycamore) e fazer passar gato por lebre entre os congressistas. Todo esse esquema de tráfico foi pessoalmente monitorado pelo general David Petraeus, primeiro a partir da CIA, da qual era diretor, e depois a partir da sociedade de investimentos KKR, da qual passou a fazer parte. Durante todo esse tempo, ele se beneficiou da ajuda de altos funcionários do governo, primeiro durante a presidência de Barack Obama, e depois, maciçamente, durante a de Donald Trump.

O papel até agora secreto do Azerbaijão

Segundo a antiga funcionária do FBI e fundadora da National Security Whistleblowers Coalition, Sibel Edmonds, em suas memórias (Classified Woman. The Sibel Edmonds Story: A Memoir), entre 1997 e 2001 o Azerbaijão do Presidente Heydar Aliyev acolheu em Baku, a pedido da CIA, o número dois da Al-Qaida, Ayman al-Zawahiri. Ainda que oficialmente procurado pelo FBI, aquele que por então era o número 2 da rede jihadista mundial deslocava-se regularmente em avião da OTAN para o Afeganistão, Albânia, Egito e Turquia. Ele recebia, igualmente, as visitas do Príncipe Bandar ben Sultan, da Arábia Saudita.

Além de suas relações de inteligência com Washington e Riad, o Azerbaijão — cuja população é majoritariamente xiita — soma também Ancara, a sunita, que o apoia no seu conflito contra a Armênia na guerra de secessão do Nagorno-Karabakh (ou pretendida república de Artsach).

Com a morte de Heydar Aliyev, nos Estados Unidos, em 2003, seu filho Ilham Aliyev lhe sucede. A Câmara de Comércio EUA-Azerbaijão torna-se o quintal de operações de Washington, dispondo, ao lado do presidente Aliyev, os assessores Richard Armitage, James Baker III, Zbigniew Brzezi?ski, Dick Cheney, Henry Kissinger, Richard Perle, Brent Scowcroft e John Sununu.

De acordo com a repórter búlgara Dilyana Gaytandzhieva, o Ministro dos Transportes, Ziya Mammadov, colocou à disposição da CIA em 2015 a companhia estatal Silk Way Airlines, paga pela Arábia Saudita e pelos Emirados Árabes Unidos. O ministro das Relações Exteriores, o bem pouco escrupuloso Elmar Mammadyarov, envia, por sua vez, a várias das suas embaixadas, pedidos de homologação de “vôos diplomáticos”, o que impede as inspeções dos mesmos, conforme a Convenção de Viena. Em menos de três anos, mais de 350 voos dispuseram deste privilégio extraordinário.

Do mesmo modo que, de acordo com os tratados internacionais, nem aviões civis nem aviões com imunidade diplomática estejam autorizados a transportar material militar, os pedidos de reconhecimento como “voos diplomáticos” não prescindem da menção explícita às cargas transportadas. No entanto, a pedido do Departamento de Estado dos EUA, pelo menos Afeganistão, Alemanha, Arábia Saudita, Bulgária, Congo, Emirados Árabes Unidos, Hungria, Israel, Paquistão, Polônia, Romênia, Sérvia, Eslováquia, República Tcheca, Turquia e o Reino Unido fecharão os olhos para esta violação do Direito Internacional, do mesmo modo como ignoraram os voos da CIA entre as suas prisões secretas.

Em menos de três anos, a Silk Way Airlines do Azerbaijão, teria transportado, por meio desse regime, pelo menos um bilhão de dólares em armas.

Juntando cuidadosamente as pontas, a jornalista Dilyana Gaytandzhieva trouxe à luz um vasto sistema que abastece os jihadistas não apenas do Iraque e da Síria, mas também os do Afeganistão, do Paquistão e do Congo, sempre às expensas dos sauditas e dos emiratis. Algumas armas entregues na Arábia foram reexpedidas para a África do Sul.

As armas transportadas para o Afeganistão teriam chegado aos talibãs, sob o controle dos mesmos Estados Unidos que dizem combatê-los. Aquelas fornecidas ao Paquistão estariam provavelmente destinadas a cometer atentados islamistas na Índia. Ignora-se quem seriam os destinatários finais das armas entregues à Guarda Republicana do Presidente Sassou Nguesso, do Congo, e à África do Sul do presidente Jacob Zuma.

De qualquer modo, os principais negociantes seriam as firmas norte-americanas Chemring (já citada), Culmen International, Orbital ATK (também já citada) e Purpel Shove.

Ademais das armas de tipo soviético produzidas pela Bulgária, o Azerbaijão comprou, sob a responsabilidade do Ministro da Indústria de Defesa, Yavar Jamalov, estoques de armamento na Sérvia, na República Tcheca e casualmente em alguns outros Estados, sempre declarando ser o destinatário final dessas compras. No que respeita aos equipamentos de rastreamento eletrônico, Israel colocou à disposição do esquema a empresa Elbit Systems para figurar como destinatário final, já que o Azerbaijão não tinha o direito de comprar este tipo de material. Essa excepcionalidade sugere que o programa do Azerbaijão, ainda que requisitado pelos Estados Unidos e pela Arábia Saudita, era controlado, de uma ponta a outra, por Tel-Aviv.

O Estado hebreu, que se pretendeu neutro durante todo o conflito sírio, bombardeou repetidas vezes, no entanto, o Exército Árabe Sírio. Sempre que Tel-Aviv reconheceu os fatos, o fez sob pretexto de destruir armas destinadas ao Hezbolá libanês. Na realidade, todas essas operações, salvo talvez uma, foram coordenadas com os jihadistas. Reconhece-se hoje que Tel-Aviv supervisionava a entrega de armas a esses mesmos jihadistas, de modo que, se Israel parecia limitar-se a fazer uso da sua Força Aérea para apoiá-los, desempenhava, na realidade, um papel central na guerra.

Segundo as convenções internacionais, a falsificação de certificados de entrega final e o envio de armas para grupos mercenários, que visem derrubar governos legítimos ou destruir Estados reconhecidos, constituem crimes internacionais.

* A Operação Timber Sycamore, nas suas diferentes facetas, constitui-se como o mais importante negócio criminoso de tráfico de armas da história. Nos seus detalhes já revelados ela implica pelo menos 17 Estados e monta algumas dezenas de milhares de toneladas de armamento, no total de vários bilhões de dólares.

Artigo publicado originalmente no Réseau Voltaire

Tradução de Ricardo Cavalcanti-Schiel publicada em http://jornalggn.com.br/blog/ricardo-cavalcanti-schiel/bilhoes-de-dolares-em-armas-para-os-jihadistas-sirios-quem-as-forneceu

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