Aldeia Nagô
Facebook Facebook Instagram WhatsApp

Bombardeio midiático: como foi a disputa eleitoral no Peru por Martín Granovsky

10 - 13 minutos de leituraModo Leitura

O bombardeio midiático: lições da eleição no Peru. Assim como aconteceu com os oito anos do governo Lula e com a eleição
vitoriosa de Dilma Rousseff, no Peru, a maioria dos grandes meios de
comunicação promoveu um pesado bombardeio contra a candidatura de
Ollanta Humala, que acabou vitoriosa.


O grupo El Comercio liderou o
ataque contra Humalla. Nas palavras de um historiador peruano, "o
desempenho do El Comercio merece uma menção especial, pelo seu esforço
homérico em destruir sua própria credibilidade". Como ocorreu no Brasil,
a grande mídia peruana acabou derrotada pela realidade, no caso uma
vontade de mudança que se tornou majoritária no país. O artigo é de
Martín Granovsky, do Página/12.

Se acontece mais de uma vez, não deve ser casualidade. E aconteceu.
Ollanta Humala ganhou o segundo turno apesar do ataque virulento do El
Comercio, o grupo midiático que domina o mercado do Peru. O fenômeno
repete o que ocorreu nas últimas eleições presidenciais sul-americanas,
vencidas pela brasileira Dilma Rousseff, em outubro último, com 54% dos
votos.

O grupo El Comercio, da família Miró Quesada, controla o jornal do
mesmo nome. Foi fundado no século XIX como La Nación, tem o peso
empresarial do grupo Clarín e dispõe da capacidade articuladora de
interesses que, juntos, ambos representam. Também é co-proprietário da
TV Peru, que por sua vez controla a Plural TV, que por sua vez controla a
Companhia Peruana de Radiodifusão e Produtora Peruana de Informação
(Canal N). Além do jornal El Comercio, o grupo é dono de outros três,
Trome, Peru.21 e Gestão, e das revistas Somos, Ruedas y Tuercas, e PC
World.

Foi daí que partiu o bombardeio massivo ("cargamontón", como se diz no Peru) contra Humala e a defesa de Keiko Fujimori.

Na agressão, El Comercio perdeu seu principal colunista, Mario Vargas
Llosa. O escritor deu instruções ao jornal El País, da Espanha, que
vende suas colunas, para mudar-se para o jornal la República, onde
começou a publicar no domingo das eleições. Antes enviou uma carta de
renúncia a Francisco Miró Quesada, Diretor do El Comercio. Vargas Llosa
escreveu:

"Desde que um punhado de acionistas, encabeçados pela senhora Martha
Meier Miró Quesada, tomou o controle desse diário e do grupo de canais
de televisão e periódicos dos quais é proprietário, o jornal se
converteu em uma máquina propagandista da candidatura de Keikom
Fujimori, violando as mais elementares noções da objetividade e da ética
jornalística; silencia e manipula informações, deforma os fatos, abre
suas páginas às mentiras e calúnias que podem prejudicar o adversário,
ao mesmo tempo em que, em todo o grupo, jornalistas independentes são
demitidos ou intimidados, e se recorre às insídias e golpes baixos dos
piores pesquisas que vivem do sensacionalismo e do escândalo".

E acrescentou:

"Não posso permitir que minha coluna "Pedra de toque" siga aparecendo
nesta caricatura do que deve ser um órgão de expressão genuinamente
livre, pluralista e democrático".

Vargas Llosa não é um esquerdista desaforado. Os leitores do
Página/12 tiveram a oportunidade de conhecer em primeira mão, na
entrevista publicada no dia 22 de abril, suas advertências contra "as
debilidades coletivistas" dos social-democratas e sua afirmação de que
"a intervenção do Estado gera injustiça".

Em 1990, após ser considerado favorito, Vargas Llosa perdeu as
eleições para Alberto Fujimori, que o derrotou no segundo turno. Depois,
em 1992, o escritor se opôs ao auto-golpe e à dissolução do Parlamento.
A reação de Fujimori foi tão violenta que a Espanha concedeu
nacionalidade a Vargas Llosa para apoiá-lo.

O caso de Vargas Llosa marca um ponto interessante no debate sobre os
meios e o poder. Vargas Llosa deixou o jornal El Comercio porque viu
ferido seu narcisismo ante uma possível vitória de Keiko Fujimori, a
filha do tirano? É uma pergunta que não tem resposta. Talvez tampouco
tenha sentido. Na política, valem os fatos. E Vargas Llosa produziu
três. Um, anunciar seu voto para Alejandro Toledo, no primeiro turno.
Disse que eleger Humala ou Keiko era "escolher entre o HIV e o câncer". O
segundo fato, depois da derrota de Toledo, foi avisar que votariam em
Humala considerando-o um "o mal menor". O terceiro foi abandonar o El
Comercio.

Para além do que vai ocorrer no futuro entre Humala e Vargas Llosa,
uma hipótese é possível: o autor de "Os cachorros" deixou El Comercio
porque acreditou que o grupo midiático ultrapassou um limite. Qual? O
limite da democracia. Vargas Llosa é um liberal que, com incongruência,
apoia neoconservadores que sustentaram ditaduras, como Milton Friedman
no caso do Chile, às quais ele mesmo se opôs. Convém levar em conta que
Humala ganhou no segundo turno por pouco menos de 3% dos votos: 51,45%
contra 48,54. Se sua base foram os pobres da serra e os pobres do
litoral, é evidente que conseguiu desequilibrar o resultado com o apoio
de uma parte dos setores médios e inclusive de setores médios com
explícitas ideias de centrodireita, como Vargas Llosa.

Humala derrotou o grupo El Comercio? Talvez seja mais proveitoso
experimentar outro cenário: Humala liderou uma mudança e entrou em
sintonia com ela, enquanto El Comercio foi contra. E a mudança –
presente no humor social, no sentido comum, na alma dos peruanos –
varreu tanto Keiko como o El Comercio. Se os grandes grupos de poder não
são invencíveis, por que o seriam os grupos midiáticos gigantes que
articulam a expressão desses grupos? Por que triunfariam quando diante
deles há uma aliança social e uma construção política.

O nome de Lula ressoou na campanha peruana. É possível que, como
símbolo, a palavra Lula desperte menos resistências que a palavra
Chávez. Mas, como estratégia de fundo e não só de marketing eleitoral,
Humala se inspirou no método lulista de alianças. Entre o primeiro e o
segundo turno, não teve dúvida em reunir-se com Toledo, em agradecer o
apoio de Vargas Llosa e em prometer que faria "um governo de concertação
nacional" baseado na honestidade. E, ao mesmo tempo, manteve sua
promessa dupla de ampliar as políticas sociais de educação, assistência e
saúde e de implantar um imposto especial para a renda extraordinária da
mineração. O grupo El Comercio, como Keiko, acabou indo contra a
maioria dos peruanos que acreditaram no projeto de Humala.

El Comercio não se deu por vencido nem quando o escrutínio atingiu um
ponto sem retorno. No dia 7 publicou a seguinte manchete: "Incerteza
por falta de sinais claros". Em um dos títulos secundários admitia que
"o volume de negociações foi baixo", mas assinalava que "a Bolsa de
Valores de Lima teve a pior queda da história, com 12,45%". Acrescentava
que "especialistas sustentam que devem ser definidas com rapidez as
novas cabeças do Ministério de Economia e Finanças e do Banco Central"
e, em um editorial, indicava que "o novo presidente deve dar uma
mensagem tranquilizadora aos cidadãos, ao mercado e aos setores
econômicos". Puro terrorismo financeiro.

No mesmo dia, o jornal La República escolheu outro título: "Ollanta
dá o primeiro passo". Informava sobre a designação de uma comissão de
transferência do poder desde o triunfo até a posse, dia 28 de julho, sob
o comando da vice-presidenta eleita Marisol Espinoza.

La República publicou uma interessante coluna do historiador Nelson
Marique, "Balanço de feridos". "As dúvidas em torno do que um governo de
Humala poderia representar foram minimizadas pela perspectiva de
contribuir para o retorno do fujimorismo", escreveu Manrique. "Não
conheço nenhum outro momento da história peruana em que tenha se
produzido uma convergência tão ampla e comprometida de escritores,
cientistas políticos, cineastas, sociólogos, jornalistas, historiadores,
linguistas, educadores, etc., em torno de uma causa comum resumível em
duas palavras: decência e dignidade". Para Manrique, esse "aval ético"
envolve "a responsabilidade de exercer vigilância sobre os atos do novo
governo".

É aguda a análise sobre a contribuição do grupo El Comercio para o
triunfo de Humala. "Desempenhou também um papel importante o ‘efeito
saturação’ provocado pela campanha de demolição empreendida pela maioria
dos meios de comunicação contra Ollanta Humala. Quando, em uma campanha
propagandista, se baixa de um certo ponto, ela deixa de ser efetiva e
acaba produzindo o efeito contrário ao desejado. O bombardeio midiático
ultrapassou amplamente esse limite e suas mensagens não só deixaram de
funcionar, como alimentaram o ceticismo dos espectadores em relação ao
desempenho do grosso da imprensa, rádio e TV. O desempenho do grupo El
Comercio merece uma menção especial, pois fez um esforço homérico para
destruir sua própria credibilidade".

Segundo Marinque, El Comercio passou tanto, mas tanto, do limite que,
ao final, se converteu "em uma excelente recordação de como foram os
tempos de Fujimori".

Lula governou oito anos com a oposição ferrenha do jornal Folha de
São Paulo, da revista Veja e da Rede Globo. Deixou o poder no dia 1° de
janeiro deste ano com uma popularidade superior a 80%. A melhoria real
da vida dos brasileiros, mais sua percepção subjetiva de uma melhora –
Lula sempre fala da recuperação da autoestima e esse foi seu elogio a
Néstor Kirchner no velório do ex-presidente – atuaram como um dique de
contenção contra o qual se esborrachou o bombardeio da grande mídia do
Brasil.

Dilma ganhou no segundo turno apesar de as elites políticas
brasileiras terem chegado a demonizá-la porque havia declarado seu apoio
à descriminalização do aborto. Ganhou em virtude do peso da realidade,
sintetizado na incorporação de 36 milhões de brasileiros ao mercado,
pelo poder de comunicação do próprio Lula e pelo boca a boca. A
televisão pública recém começa e experiências baseadas em valores de
justiça social como a revista Carta Capital ou o site Carta Maior são
importantes, mas não massivas.

A aposta atual do ministro de Comunicações de Dilma, Paulo Bernardo,
esposo da nova chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, é ampliar o
programa de banda larga e garantir um serviço de um mega para 40 milhões
de brasileiro a um preço de um décimo do salário mínimo mensal, de hoje
até 2014. De acordo com dados do Sindicato Nacional de Empresas de
Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal, para garantir que 74% da
população esteja coberta até 2020, o Estado e a iniciativa privada
devem investir cerca de 130 bilhões de dólares.

Com uma plataforma digital acessível podem se plasmar formas de
diversidade como as que propõe a Lei de Serviços de Comunicação
Audiovisual na Argentina, ou podem se expressar, a partir da sociedade
civil e da articulação política, forças como as que levaram à vitória da
frente Ganha Peru. Mesmo sem uma plataforma digital barata e massiva,
os simpatizantes de Ganha Peru, em lugar de teorizar sobre as redes
sociais ou a análise do discurso – matéria de especialistas – decidiram
usar toda a web. Um desses simpatizantes escreveu:

"Se você possui uma conta de correio, blog, website, ou participa de
redes sociais (facebook, twitter, etc.), urge assumir a responsabilidade
de difundir para teus contatos duas ideias chave para enfrentar a
grande mídia e evitar que te imponham o voto. A primeira, que as
propostas de mudança provém da frente Ganha Peru e de seu candidato
Ollanta Humala. A segunda ideia é que deve lembrar teus destinatários
dos crimes cometidos pelos Fujimori, como La Cantuta, Barrios Altos,
Pedro Huilca".

A simplicidade didática, no Peru, foi parte de uma articulação
política em favor de um objetivo. Ocorre o mesmo quando um fato negativo
lança uma luz de alerta. Antonio Palocci, o ex-chefe da Casa Civil, não
renunciou porque a informação sobre seu enriquecimento saiu na Folha de
São Paulo. Deixou o cargo porque não pode explicar nem sua riqueza
súbita nem dizer quais eram os clientes de sua empresa de consultoria
antes de assumir como braço direito de Dilma.

Para além das questões jurídicas, o PT entendeu que, se Pallocci
permanecesse no Planalto acabaria prejudicando a presidenta e o governo
inteiro. Com Lula em 2005 e 2006, o PT aprendeu que os escândalos não
devem crescer porque desgastam a base de sustentação da presidenta e
que, em troca, essa base aumenta quando as políticas de maior justiça
que dão identidade a um projeto popular são implementadas sem ruídos de
forma e de fundo. E, claro, sem medo do bombardeio midiático.

Tradução: Katarina Peixoto

Artigo publicado originalmente em Martín GranovskyPágina/12, reproduzido na www.cartamaior,com,br e www.viomundo.com.br

Compartilhar:

Mais lidas