Aldeia Nagô
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Brasil: as afinidades eletivas de Lula e Dilma Rousseff por Le Monde

5 - 7 minutos de leituraModo Leitura

Dilma e Lula fazem panfletagem em porta de fábrica no ABC. Presidente brasileiro, no auge da popularidade, consegue transferir votos para candidata petista






A disputa prometia ser incerta entre
os dois principais candidatos à eleição presidencial de 3 de outubro no Brasil.
Pelo menos em teoria.

Do lado do governo, Dilma Rousseff,
62 anos. Essa mulher de bastidores, competente e trabalhadora, fez a maior
parte de sua carreira em cargos administrativos, antes de ser notada pelo
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e depois promovida a chefe da Casa Civil,
uma espécie de primeira-ministra não-oficial. Absorvida por essa função
crucial, mas discreta, e nunca tendo enfrentado as urnas, "Dilma" era, até seis
meses atrás, desconhecida da maioria dos brasileiros.

Do lado da oposição, José Serra, 68
anos. Esse político de longa experiência, à vontade nos palanques e diante das
câmeras, tem a vantagem de uma trajetória com saldo muitas vezes favorável,
como ministro da Saúde (1998-2002) e como governador (2007-2010) do Estado de
São Paulo, que abriga a maior cidade da América do Sul. Para esse homem,
enfrentar e vencer uma adversária novata em política parecia uma aposta razoável.

Hoje, a cinco semanas do pleito, a
neófita se encontra bem à frente de seu rival. As pesquisas lhe dão uma
vantagem de 10 a 15 pontos e chegam a prever a vitória logo no primeiro turno.
A terceira candidata mais importante, a ambientalista Marina Silva, está
estagnada com cerca de 10% das intenções de voto. A menos que haja uma
reviravolta, Dilma Rousseff se tornará, no dia 1º de janeiro de 2011, o 40º
presidente da República do Brasil, e a primeira mulher a ocupar essa função.

Por que se está vendo um cenário
como esse, que tira o suspense da campanha? A resposta reside em uma palavra:
Lula. Pela primeira vez em 21 anos, o ex-metalúrgico não participa de uma
disputa presidencial, uma vez que a Constituição lhe impede de concorrer a um
terceiro mandato de quatro anos.

Mas o chefe do Estado continua sendo
o principal personagem da competição. Ele envolveu a fundo na campanha para
conseguir a vitória daquela que ele escolheu secretamente para ser sua
sucessora já há dois anos, que em seguida a apresentou ao público ao dividir
com ela os palanques de seus comícios, e que ele impôs à sua própria família
política, argumentando que ela era a melhor para sucedê-lo.

Dirigindo-se aos hesitantes, Lula
está sempre elogiando "Dilma", especialmente durante a propaganda eleitoral na
TV, onde ele aparece para apoiar sua favorita. Ele mostra a mesma
"generosidade" para com todos aqueles que, em seu partido, bem como nos
partidos aliados, conseguiram sua simpatia: deputados federais, senadores,
membros das assembleias legislativas do Estado, que buscam ser eleitos ou
reeleitos em 3 de outubro.

Lula tem cedido a Dilma Rousseff
grande parte dos méritos que até hoje ele costumava atribuir a si mesmo, ao
conduzir uma política econômica e social de sucessos inegáveis. Ele a chama de
"mãe do povo" após tê-la batizado de "mãe do PAC" – um programa de grandes
obras visando estimular o crescimento – ou ainda "mãe do programa Luz para
Todos". Daí a ironia de Marina Silva, que lamenta assim a "infantilização" dos
cidadãos.

Lula costuma contar que aos poucos
foi descobrindo na administradora e técnica Dilma Rousseff "um animal político"
de personalidade forte. Estranha confissão, considerando se tratar de uma
mulher que ele sabia ter sido, aos 20 anos, ativista revolucionária sob a ditadura
militar e que pagou caro por sua militância: 22 dias de tortura e três anos de
prisão.

O presidente brasileiro está prestes
a conseguir um feito raríssimo na política: ele deixará o cargo com mais
popularidade do que quando entrou na presidência, com cerca de 80% de opiniões
favoráveis, um número estável há muitos meses.

Ele investiu esse enorme capital de
simpatia em benefício de sua herdeira política. A operação hoje está dando
frutos. No início de 2010, os analistas se perguntavam se Lula conseguiria
transferir a Dilma uma parte suficiente de sua popularidade. Hoje não há mais
dúvidas.

A provável futura presidente,
entretanto, não possui nem o carisma nem o dom da oratória que fizeram o
sucesso de Lula. Seu batismo de fogo, durante o primeiro debate televisionado,
há três semanas, só foi parcialmente bem sucedido. Desde então, com a ajuda das
pesquisas, ela parece ter adquirido confiança em si mesma.

Mas o principal está em outro lugar,
para a maioria dos brasileiros que amam o presidente e só acompanham a vida
política de longe: Dilma Rousseff é "a candidata de Lula". É garantia
suficiente. São muitos os eleitores que poderiam dizer, como esse pedreiro do
Nordeste contou à revista "Veja": "Se Lula apoiasse Serra, eu votaria no
Serra".

José Serra não tem chance. Mais uma
vez, esse veterano social-democrata, respeitado e competente, encontra Lula em
seu caminho. Perdeu para ele em 2002, e preferiu não enfrentá-lo em 2006, certo
de que seria derrotado. Essa campanha é sua última oportunidade para se tornar
presidente, um objetivo para o qual ele diz "ter se preparado a vida inteira".
E novamente é Lula, mais do que Dilma Rousseff, que o impedirá de atingi-lo.

Não só o líder da oposição toma
cuidado para nunca criticar Lula, como ele tenta se aproveitar do prestígio do
presidente. Algumas de suas propagandas o mostram ao lado de Lula, e seu jingle
eleitoral proclama, em ritmo de samba, uma mensagem deliberadamente ambígua:
"Quando o Lula da Silva sair/É o Zé que eu quero lá".

Para José Serra, é importante
mostrar que "Dilma não é Lula", que ela não tem mais direito do que qualquer
outro de sucedê-lo. O presidente, que sentiu o perigo, tem feito cada vez mais
elogios à sua candidata. Ele chega a anunciar que, se ela for eleita, ele
viajará pelo Brasil e, se for preciso, lhe telefonará dizendo: "Pode fazer,
minha filha, que eu não consegui fazer". Ninguém deve duvidar que votar em
Dilma Rousseff, em 3 de outubro, é satisfazer a vontade de Lula.

Assim, José Serra corre o risco de
ser vítima de um fenômeno talvez inédito em uma grande democracia, e que deverá
empolgar os cientistas políticos: a eleição de um chefe de Estado graças ao
brilho da glória que seu antecessor projeta sobre sua candidatura.

Tradução: Lana Lim

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